segunda-feira, dezembro 18, 2006

As pessoas

Algumas constatações (e nenhuma conclusão) sobre as pessoas.

As pessoas não gostam de ser criticadas. Elas nunca erram e sempre têm razão. Mas, se por acaso, você estiver com a razão, não tem nada que falar isso para as pessoas, nem meter o bedelho em suas vidas. Na verdade, você não tem razão, porque você não conhece a vida das pessoas.

As pessoas não gostam que lhes ensinem as coisas. Muito menos que venham lhe ajudar sem seu consentimento. Você só conseguirá ensinar uma pessoa se ela quiser aprender. Assim como só conseguirá ajudá-la se ela quiser ser ajudada.

As pessoas não gostam de ouvir as outras pessoas falando. Elas que gostam de falar, e você é que tem que ouvir. Além disso, as pessoas gostam de falar o que quer, e como não gostam de ouvir, ouvir o que não quer então, nem pensar. Ai de você, se se meter a besta de falar o que elas não querem ouvir...

As pessoas não gostam do que está perto. Elas querem o que está longe, gostam do que está além, não se contentam com o que tem. Quando perdem o que tem, aí é que as elas ficam sentidas, e passam a dar valor ao que já não está mais perto. Duvido que você não conheça uma pessoa assim!

As pessoas não gostam de ser passadas para trás. Pessoas que são passadas para trás são pessoas trouxas, e as pessoas não gostam de ser trouxas. Por isso preferem ser egoístas. Afinal, neste mundo onde as pessoas são os lobos das próprias pessoas, onde há espaço para o altruísmo?

As pessoas não gostam de hipocrisia. Se as pessoas percebem que você finge ser uma pessoa para elas e outra para as outras, elas se ofendem. No entanto, as pessoas esquecem que elas também fingem ser outras pessoas para as outras. Ninguém gosta de hipocrisia. No entanto, todos são hipócritas. Dá para viver nessa hipocrisia? Quer dizer... Dá para entender esse paradoxo?

Aliás, dá para entender as pessoas?

Que inveja estou dos peles vermelhas

Porque hoje os colorados amanheceram campeões do mundo. E eu não pude deixar de me lembrar da manhã que amanheci quase campeão do mundo.

Era uma manhã de dezembro de 1999. O Palmeiras, atual campeão do continente americano, combateria o Manchester United, atual campeão do continente europeu, pelo título do mundo. Deu Manchester, 0 a 1. O nosso maior ídolo, Marcos, não interceptou um cruzamento pela ala direita, que não fora impedido por Júnior Baiano, e o atacante inglês me fez chorar naquela manhã.

Chorei mais ainda, porque após o choro do fim do jogo, e o gosto amargo de trancar o grito de campeão do mundo na garganta, tive que enfrentar uma chuva fúnebre para ir trabalhar. Aquele dia era um dia útil. Que, para mim, só foi para os corintianos.

Para falar a verdade, não me lembro se estava chovendo naquela manhã, nem se era uma manhã de dezembro. Eu poderia pesquisar a fundo isso, hoje há a Internet, mas eu não quero. Preferiria me esquecer daquele dia todo. Então, me contento em me esquecer algumas de suas partes. Como o nome do inglês (se era inglês) que me fez chorar, a data exata daquele dia, se chovia ou não. Para a minha tristeza, estes detalhes não importam, não fariam a tristeza ser maior ou menor.

E hoje, enquanto os colorados estão no Nirvana, estou aqui no inferno, com a minha tristeza, vendo as possíveis movimentações de contratações que podem ocorrer no Parque Antártica. Soube que Edmílson e Gustavo (Paraná, 2006) estão próximos do Verdão, a pedido do novo técnico, Caio Júnior. Possíveis contratações que fazem sentido, uma vez que a nossa zaga foi uma das mais vazadas no último campeonato.

Parece que, até agora, tudo está fazendo sentido. A saída do Palaia, a entrada de um diretor da turma do Beluzzo, a vinda de um técnico com idéias coerentes, possíveis contratações que podem ser muito úteis. Porém, a única coisa que vejo sentido é na minha tristeza. Que deve perdurar por muito tempo, pois ainda há um grito entalado na garganta desde aquele dia de 1999. E porque não há nenhuma perspectiva de desentalar grito algum, pelo menos pelo ano seguinte.

quinta-feira, novembro 30, 2006

Ira trotante

Está estatelado na poltrona. Ao lado, um doze anos, que deixa guardado para os momentos - ou para receber convidados - especiais. Do outro, o telefone toca.

- Sim?

- Err... Com quem falo?

"Falo?" E terríveis imagens vêm e o atormentam.

- Qual o nome do senhor? Insiste a voz do outro lado após alguns instantes hesitantes.

- Bentinho...

- Preste atenção, Bentinho! Nós somos seqüestradores, estamos com seu irmão! Se você não quiser que o façamos em pedaços, siga as nossas instruções!

De súbito, o torpor em que se encontra, cessa. E o genuíno líquido escocês corre por suas veias sem causar efeito algum.

- Quem está falando?...

- Escuta, seu desgraçado! Seqüestramos seu irmão, vamos arrancar a pele dele, está compreendendo? Se você não quiser isso, começa a anotar aí as nossas exigências...

Que ironia! O irmão que o corneara está em poder dos facínoras. E a ira amainada pelo emergir da depressão, retorna. Ele não poderia limpar sua honra com as próprias mãos, mas eles...

- Pode picotar!

- Err... Como?

- Pode picotar! Sou um desgraçado mesmo! E este canalha que me desgraçou, picota!

- ...

Do outro lado, o ameaçante bate o telefone. Perplexo, vira pro comparsa, "Compadre, nunca vi isso!".

Do lado de cá, nenhum arrependimento. A ira não havia submergido...

**********

IMPORTANTE: Está sendo noticiado que alguns tipos de bandidos estão extorquindo pessoas com trotes telefônicos. Eles ligam para o cidadão, algumas vezes a cobrar, inicialmente dizendo que são do Corpo de Bombeiros, da Polícia, etc.; depois, contam que são bandidos e que estão com algum familiar da vítima; então, exigem o pagamento de quantias em dinheiro, ou qualquer objeto de valor (até cartões telefônicos), para o resgate.

Porém, estas instituições públicas não ligam para os cidadãos, muito menos a cobrar, e menos ainda sem saber o nome. Ao receber qualquer ligação deste tipo, desligue o telefone imediatamente e, se possível, faça um Boletim de Ocorrência na delegacia mais próxima.

Fique em alerta!

segunda-feira, novembro 27, 2006

O que vejo na mídia

Havia muita coisa sobre a qual eu queria dissertar por aqui. Por exemplo, o caso da morte da modelo anoréxica era uma. Queria discorrer aqui sobre a estupidez que, para mim, o mundo da moda representa na vida; sobre a relação deste mercado com o nosso tipo de sociedade; e sobre as psicológicas que essas pobres moças parecem apresentar. Eu vi muita coisa na mídia. Vi criticarem as agências irresponsáveis que mandam as moças para lugares onde os perfis dela não atendem as expectativas, a pressão que o mercado faz para que a modelos tenham cada vez menos peso, a falta de apoio psicológico para as modelos. Vi uma crítica velada à mãe, que não percebeu que a filha estava doente, e que deveria fazer algo para reverter a anorexia que a levava à morte. Pelo que pesquei, a lógica do raciocínio era a seguinte: as meninas são umas coitadas e o mercado, ou a vida, que é cruel. Apresento um contraponto. Não seria a modelo a responsável pelo seu próprio destino? Não era ela quem queria realizar o sonho de ser modelo e viver todo o glamour instituído a essa carreira? Ué, ela deliberadamente deixou de se alimentar para perder peso; acabou inconscientemente se suicidando.

E uma entrevista a que assisti no último sábado, no programa do Amaury Jr.m poderia ser outra coisa a comentar aqui. Não me lembro dos nomes, mas um homem idoso, mega-empresário, estava anunciando seu noivado com uma mulher muito - mas muito - mais jovem que ele. Bonita, também. Err... Um casamento que será por amor, suponho? Mas não seria isso que me faria disparar minha metralhadora. O que me deixou irado - sim, porque eu fiquei muito irado com este senhor - foi o seu comentário a respeito dos feriados (o excesso) que temos no país. Ficou implícito que ele se referia ao mais recente feriado em nosso calendário, o do Dia da Consciência Negra. Ele criticava os feriados, dizia que o país precisava de trabalho. É, o país precisa de trabalho, feriado é coisa de vagabundo, coisa de gente preguiçosa que nunca vai progredir na vida. Perdoem-me, mas foi isso que eu li em seu comentário. Não duvido que o referido senhor trabalhe, e que também já tenha trabalhado bastante em sua vida, mas ele é um capitalista. E o capital, minha gente, não trabalha, é o trabalho que trabalha para ele. Sua crítica era classista, a visão de quem está do lado mais forte da corda - olha o espectro do Marx rondando por aí. E eles têm tudo, têm poder, têm posses, têm a mídia (prestem atenção a quanto microfone há disponível para essa ladainha), e têm a grana. E o que o povo tem? Só a força de trabalho. Bem, tem também um pouquinho de liberdade, mas essa foi uma grande sacada da turma do capital, um bom assunto para crônicas futuras. Mas a real é que o povo só tem a sua força de trabalho, e olhe lá.

Mas como eu dizia, havia muita coisa que eu queria dizer aqui, mas há uma coisa que desde os fins das eleições eu preciso expressar. É sobre o meu descontentamento com a mídia em geral. Aliás, a mídia não deixou de estar presente nas duas coisas anteriores que falei. Aconteceu que meu dissabor com a grande mídia foi tremenda. A falta de compromisso com a imparcialidade dos veículos das parcas famílias que dominam a mídia brasileira ficou escancarada nessas eleições. Com raras exceções, todos estavam contra o Lula. Mas a população o reelegeu, e aí? A quem a grande mídia estava representando? E deveria ser assim o papel da mídia em nossa sociedade? Vejam, eu até concordo que cada veículo tenha a sua opinião, mas que esta seja expressa nos espaços editoriais, que os informados fiquem sabendo claramente que aquilo é a posição do dono do veículo. Mas não foi isso que eu vi. O que eu vi foi a opinião dos donos implicitamente expressas nas pautas, nas notícias, em todos os espaços noticiosos, onde não deveria haver parcialidade. Bom, pelo menos é assim que eu entendo jornalismo, a crítica num lugar e o fato em outro.

Novamente, este assunto rende muito texto, muita análise da história e do momento presente; só que serei prático, vou para as conseqüências - as minhas. Decidi por conta reagir a toda essa agressão que minha a inteligência sofreu neste últimos tempos. Cancelei minha assinatura da Folha de São Paulo, não assisto mais aos telejornais da Globo. Ainda ouço a CBN, mas com muita ressalva. Gosto do trabalho de alguns profissionais daquela emissora, como o Heródoto Barbeiro e o Juca Kfouri. E gosto também de ouvir o Carlos Heitor Cony, que sou fã, mas desisti de enviar-lhes meus e-mails críticos e desconfio de quase tudo que ali é noticiado. Em contrapartida, diversifiquei minhas fontes de informação, a maioria oriunda da Internet - o canal disponível que permite a maior democratização possível do acesso à informação. Como podem comprovar nos links deste blog, tenho buscado minhas informações e algumas opiniões nos blogs do Paulo Henrique Amorim, uma surpresa para mim; do Franklin Martins, o melhor analista político brasileiro; do Luís Nassif, o melhor analista econômico brasileiro; do Josias de Souza, que tem interessantes fontes de informação e pontos de vista; e do Zé Dirceu, que tem história, tem muito conhecimento da política e faz ótimas análises. Também visito freqüentemente o site da Agência Carta Maior, assumidamente de esquerda, mas que apresenta suas análises com muita ética, sem baixarias. Telejornais? Só os da TV Cultura. E gostaria muito de assinar a Carta Capital, que tem combatido o poderio dos grandes, mas não tenho tempo e dinheiro disponível para tal empreitada.

É claro que às vezes vou nos portais UOL e Terra, que zapeio em alguns telejornais da Record, da Band, de vez em quando dos da Globo, só para dar uma conferida, mas não os levo a sério. E, claro, às vezes assisto a esses programinhas banais de entretenimento, como o do Amaury Jr. Mas aí, meus objetivos são outros. Todos convivemos com pessoas de diferentes níveis culturais e de interesse. E conviver significa compartilhar, tanto o nosso tempo como a nós mesmos. É por isso que às vezes eu fico sabendo sobre o que a high society faz por aí, como ela desfruta das benesses que o capital lhe proporciona e outros assuntos afins a essa classe social.

Bom, aí está. As minhas pedras que há muito precisava atirar.

sexta-feira, novembro 10, 2006

Dá-lhe Porco!

Freqüentemente eu tenho idéias que ponho no papel, assim como, freqüentemente eu tenho idéias que eu abandono. O blog "Imaginando Textos" é um exemplo de idéia que pus no papel e depois abandonei.

Agora tenho outro exemplo de idéia que pus no papel. É o blog "Dá-lhe Porco!"(há link na seção ao lado). Já aviso, não é para agradar às massas, pois é um blog sobre o Palmeiras - time que já demonstrei aqui torcer apaixonadamente.

Não sei dizer se vale a pena ler seus posts. Nem aos palmeirenses. Só sei dizer que é uma tentativa minha de fazer algumas coisas que gosto. Escrever e falar sobre o Palmeiras e, conseqüentemente, sobre futebol.

Ah, mas vai ter política lá também. E economia. E até, quiçá, sociologia. Eu tenho muitas idéias sobre a relação de futebol com essas disciplinas. Vou cuspir tudo lá.

Por ora, o que quero mesmo é registrar a criação do "Dá-lhe Porco!". Se tiverem algum tempo disponível aí, dêem uma olhada lá. Aí vejam se vale a pena ou não.

Uma auto-análise

A vida está me ensinando que com o passar do tempo a gente fica mais analítico. Explico-me. É que neste meus 26 anos, adquiri a capacidade - ainda incipiente, confesso - de revisitar minha vida na memória e defini-la em etapas. Não essas etapas biológicas: infância, adolescência, etc.; mas etapas psicológicas, ou literárias, onde as etapas são capítulos.

Com este blog não está sendo diferente. Revisito ele e tenho percebido no que foi, no que é e no que está se transformando. Para mim, não há dúvida que seu início foi uma tentativa de expressão, como se vê nos primeiros posts. Após um longo hiato sem posts, veio outra fase, uma fase de autoconhecimento. Os textos são multidisciplinares, atiram para todos os lados, testam suas potencialidades. É uma fase em que a literatura quer definir sua forma. Ao mesmo tempo, é uma fase em que o blog quer a sua forma.

E aqui eu dou a explicação para isso. A vocação do blog é a subversão, e para subverter algo, tem que se conhecer esse algo. Derrubar a ordem seja ela qual for - mesmo que seja a própria ordem. É por isso que eu digo que uma nova etapa está para surgir por aqui. O blog está para se subverter. A mudança de layout é um indício. E não será surpresa alguma se, daqui a pouco, o nome passar a ser "Diário Subversivo" - que é um abismo de distância para "O Diário de um Subversivo".

Bom, só me resta então esperar o desenrolar dos textos aqui para confirmar a minha crítica. Até lá.

quarta-feira, novembro 08, 2006

Dia de palhaço

Este texto trata de um fato que ocorreu com este missivista, um fato que é passível de ocorrer com qualquer um que seja cidadão e consumidor.

Dos fatos.

São Bernardo do Campo, 24/09/2006, um domingo. Adquiri um PC HP 1230, processador Pentium 4, 512 Mb de RAM, gravador de CD/DVD e monitor Proview 17'' tela plana no Extra Anchieta, conforme Nota Fiscal número 142312 série 2. Fui para casa feliz e contente por ter adquirido o tão sonhado micro novo.

São Paulo, 28/09/2006, quinta-feira. À noite, em casa, entretido, eu configurava os softwares prediletos no computador, quando o monitor pifou. A tela se distorceu e nenhum dos controles de ajuste funcionou. Passaram-se mais de 3 dias da compra do equipamento. Não posso trocar na loja, tenho que levar na assistência técnica. Irritação, depressão, resignação. Passei por esses três estados até decidir ir a famigerada assistência técnica.

São Paulo, 14/10/2006, um sábado. Devido à inusitada situação de ter sido premiado com um monitor com defeito, e também por ter apenas o sábado disponível para resolver esses assuntos, apenas mais de duas semanas depois do monitor ter pifado, pude levá-lo lá, na tal assistência técnica, chamada Servicompo Eletrônica Ltda., localizada na Rua Itapura, 999, bairro do Tatuapé. Escolhi esta porque eu moro no Ermelino Matarazzo, bairro da Zona Leste de São Paulo, como o Tatuapé. Poderia ter escolhido uma outra, que fica na Penha, mais perto ainda, mas, por motivos que só os deuses sabem, fui a essa que descrevi. Fui lá, eles me receberam, receberam meu monitor e disseram que de 3 a 5 dias me retornariam. Até aqui tudo bem.

São Paulo, 20/10/2006, uma sexta-feira. Recebo um telefona da assistência técnica. Meu monitor está pronto, já posso retirá-lo. Oba!

São Paulo, 28/10/2006, sábado. Fui à assistência técnica retirar meu monitor. Não consegui. A empresa estava fazendo uma mudança naquele dia, eles não estavam com o sistema online, os equipamentos estavam guardados todos desordenadamente, disseram que não tinham como pegá-lo para mim. "Mas eu vim lá do Ermelino Matarazzo, vou perder a viagem?", dissuadi. Eis que ouço como resposta: "Por que o senhor não ligou para saber se podia retirar o monitor?". Como? "Estava na gravação da secretária eletrônica que hoje não teria expediente!". Sacrilégio! Eu não acreditava que ouvia aquilo. Retorqui. Disse que eu havia sido comunicado que o monitor estava disponível para retirada e que eu já sabia do horário de expediente aos sábados (até o meio-dia), logo não tinha motivo nenhum para ligar para eles. "Como é que eu vou saber que vocês iam fazer mudança hoje?".

Antes de concluir, apenas uma pequena explicação. Lembram que eu disse que só tinha os sábados disponíveis para resolver esses assuntos? No sábado dia 21/10 eu já tinha um compromisso inadiável, por isso eu estava lá no dia 28/10.

Pois bem, insisti que eu não poderia prever que naquele dia não haveria expediente, logo que não tinha culpa no cartório, e insisti que eu vinha de longe, que estava perdendo tempo e dinheiro ali. Nada, eles continuaram irredutíveis. Ok, resignei-me, mas não antes sem fazer ameaças. Sim, ameaças! Ameacei reclamar com o gerente da loja (não havia um responsável ali) e com o fabricante do equipamento. Então, uma funcionária não se conteve, catou a ordem de serviço das minhas mãos e disse: "então tá, vou buscar o seu monitor e daqui a duas horas eu volto!". Alto lá. Grosseria comigo, não! Catei de volta a ordem de serviço e fui embora, prostituto da vida. Meu dia estava só no começo, e eles não sabiam que eu tinha ainda que providenciar a festa de comemoração do meu aniversário lá em casa. Comecei o dia muito bem!

São Paulo, 30/10/2006, segunda-feira seguinte. Pus-me a cumprir as ameaças que prometi. Liguei para a assistência técnica para reclamar com o gerente sobre o ocorrido no sábado anterior. Um tal de Sr. Marcelo me atendeu. Como era de se esperar, ele já estava previamente inteirado sobre o ocorrido. Ouviu-me educadamente, mas discordou de mim, manteve o argumento de que eu deveria ter ligado antes para saber se poderia retirar o monitor "Mas isso é futurologia!", retorqui. Não recuou e ainda me relatou que uma situação semelhante ocorrera no mesmo dia com outra cliente e que esta ponderou que deveria realmente ter ligado antes para saber se no dia haveria expediente. Não deixei por menos. Mantive o argumento de que não poderia saber se haveria expediente, e disse que a loja deveria, e tinha os meios adequados, para avisar aos clientes que tinham equipamentos para retirar de que naquele dia não seria possível. Meios mais eficientes do que deixar uma gravação na secretária eletrônica da loja. Mas minhas reclamações foram em vão, assim como minha tentativa de convencê-los a me entregar o monitor em casa, como forma de me ressarcir pelo prejuízo que sofri. Apenas acataram minha versão de que foram grosseiros comigo no dia e prometeram sindicância, mas, como ironicamente disse ao Sr. Marcelo, só me restava voltar lá para buscar o monitor com um nariz de palhaço.

Então, fui cumprir a segunda ameaça. Liguei para o SAC do fabricante do monitor. Relatei os acontecimentos e registrei minha queixa - um monitor novo que pifa na primeira semana e um péssimo atendimento na assistência técnica. Prometeram-me que verificariam a ocorrência e me retornariam. Fui bem eloqüente. "Se vocês não me retornarem, ganharão um inimigo para o resto de suas vidas!". Estou esperando até agora esse retorno.

Eu havia imaginado que tudo isso poderia acontecer, que no fim, eu teria que voltar à assistência técnica e buscar meu monitor com cara de bobo. Mas como é amarga a impotência diante disso! Fiquei irado, desanimado. Senti-me mal. Mas já que eu não teria mais nada a perder...

São Paulo, 04/11/2006, o sábado seguinte. Ao entrar na loja da assistência técnica, pus na cara um nariz de palhaço (de verdade) e pedi meu monitor. Uma funcionária - a mesma que foi grosseira comigo - esboçou um sorriso, eu a encarei em seguida e ela baixou a cabeça se contendo. Os outros dois funcionários que ali estavam não sorriram, mas não ousaram me encarar. Fui atendido e, após receber o monitor, assinei um protocolo de recebimento e pedi-lhes um favor. Que deixassem uns panfletos, que eu trazia comigo, no balcão. É que eu disse a eles que havia feito cursos de adivinhação durante a semana, por isso pedia ajuda para divulgar minha novas habilidades (clique aqui para ler o panfleto). Agradeci e me retirei.

Eu não tenho dúvidas que eles morreram de rir depois que eu saí. Mas eu tenho dúvidas de que eles se lembrem que eles também são consumidores, de que algum dia eles estarão do outro lado do balcão, sendo feitos de palhaços. Lavei minha alma de cidadão consciente de seus direitos e deveres, mas só muita dose de propaganda negativa - contra essa assistência técnica, a Servicompo Eletrônica Ltda., e contra o fabricante, a Proview Eletrônica do Brasil Ltda. - para compensar todo prejuízo que sofri. Vejam bem, mais do que o prejuízo material, de ter perdido tempo e dinheiro indo infrutiferamente buscar meu monitor naquele dia, o que mais reclamo é o prejuízo moral, porque apesar de tudo, ainda disseram, e mantiveram, que eu deveria ter ligado antes para saber se eu poderia ir ou não buscar o monitor. Quer dizer, a partir de agora eu vou ligar mesmo, porque eu já não confio mais na competência de ninguém. Vai que para os demais prestadores de serviço, seus clientes sejam assim mesmo - um bando de palhaços e que devem se lixar se por acaso eles não são adivinhões. Se se desculpassem pela ocorrência, se me fossem compreensivos, eu não me zangaria. Iria ficar frustrado, mas saberia perdoar tal falha. Mas pelo contrário. Eles foram hipócritas, irônicos e arrogantes.

Agora é com vocês. Se algum dia já se viram em situação semelhante - passado como palhaço - então passe isso adiante. Se não, passe para a lixeira. Fazer o quê, aqui é uma democracia, não é mesmo?

segunda-feira, novembro 06, 2006

Pergunte pro Biduzão, que ele é adivinhão!

FAZ-SE ADIVINHAÇÕES

Se você quiser saber:

· Qual o parceiro(a) ideal para sua vida???
· Quais os números da Mega Sena???
· Com quantos paus se faz uma canoa???
· Quando a empresa prestadora de serviços que contratou vai fazer mudança e não vai ter expediente no dia em que mais precisar dela???

Então, SEUS PROBLEMAS ACABARAM-SE!!!

PERGUNTE PRO BIDUZÃO, QUE ELE É ADIVINHÃO!!!

Técnicas utilizadas:

Astrologia; Numerologia; Búzios; Tarô; Runas; Borra de café; Bucho de carneiro (técnica milenar utilizada pelo conselheiros de Alexandre Magno, imperador macedônio!!!); Caboclismo; Xamãnismo; Links espirituais com São Pedro (especialista em Metereologia), deus Mercado (especialista em finanças e Bolsa de Valores) e demais entidades e divindades sabichonas. Graduação na Escola Superior de Artes Adivinhatórias da Mãe Dinah com pós-graduação em cursos com os economistas do Banco Central.


LIGUE DJÁ! Ou se preferir, ACESSE DJÁ!

0800-171-0666
Rua Walter Mercado, 171

terça-feira, outubro 31, 2006

Da minha estupidez

O ser humano é um bicho estúpido. É estúpido porque mesmo sendo a única espécie dotada da capacidade de raciocinar, comete atos irracionais. Porque é assim que eu distingo o ignorante do estúpido. O ignorante é aquele que ignora algo. O estúpido é aquele que se recusa a deixar a condição de ignorante. Um ser que se recusa a fazer uso de algo que lhe compete é o quê?

Estúpido! Esse ser, não você, quero dizer... às vezes eu também. Já reclamei algumas vezes de falta de sorte, porque não nasci rico, porque poucos são ricos no mundo - logo, nascer rico é lance de sorte. Estupidez pura. Pura falta de sorte é nascer sem saúde, e eu tenho todos meus membros, todos meus sentidos, nenhuma doença. Herpes? Pára, isso não é doença, não me impede de fazer nada.

Eis que me pego voltando à mediocridade, voltando à estupidez comum à espécie. Paro com tudo um pouco e raciocino, e chego à conclusão que não há problema nenhum para eu me preocupar. Não fui eu que fiz dívida, não fui eu que assinei contrato, não fui eu que joguei fora metade da minha vida no álcool, não fui eu que desperdicei metade da minha energia em nada. É meu o problema? Nem o problema da falta de sorte... (Sou sortudo!)

Mas como eu não sou estúpido, sou só em muita coisa, muito ignorante, parei com tudo. Não desperdiçarei mais nenhum fio de cabelo branco com problema que não fui eu que causei. Só sinto muito.

terça-feira, outubro 03, 2006

Apologia da corrupção

Os vírus existem, é fato, e causam o mal. Mas os vírus também propiciam a evolução, o que é um bem. Como? Bem, Biologia não é meu ramo, uma vez que sou tecnólogo de informática, por isso falarei sobre o mundo dos zeros e uns, os bits. Contudo, não acharei nada inverossímil se algum biólogo confirmar minha hipótese. Então, vamos à informática.

Os vírus de computador, essas pragas virtuais, são, essencialmente, programas de computador desenvolvidos com a finalidade de causar algum mal. Diferentemente dos vírus biológicos, os vírus eletrônicos são exclusivamente criados pelo homem, não são dados pela natureza. No entanto, apesar do mal que causam, os vírus expõem as fragilidades dos sistemas computacionais, permitindo que os projetistas percebam suas falhas e as corrijam. Portanto, permitindo que os sistemas evoluam. Oras, como qualquer empresa humana, os sistemas de informática têm falhas - aliás, dá para generalizar que qualquer sistema falha; por exemplo: o nosso sistema digestório pode apresentar falhas, como um refluxo, e o alimento não ser digerido a contento - contudo, e por ora, vamos ficar apenas no contexto da informática. Voltando, os sistemas têm falhas; umas são visíveis a olho nu, digo, podem ser notadas logo que o sistema esteja funcionando; outras, para serem expostas, necessitam de um aprofundamento na execução do sistema, necessitam de um vírus para corromper seu funcionamento.

Corromper. Corrupção. Eis o substantivo derivado deste verbo tão em voga ultimamente. Ponte para as ciências políticas: não seriam os agentes de corrupção da política os vírus deste sistema? Não serviriam eles para expor suas falhas e para permitir que nós as percebêssemos e as corrigíssemos? Como qualquer empresa humana, os sistemas políticos não são perfeitos. Porém, a democracia é melhor o sistema para a correção de suas falhas. Alguém lembra de algum escândalo de corrupção na ditadura militar? Como, se a imprensa não tinha a liberdade para apurar os desmandos do governo, se era censurada? Quando veio a redemocratização, perceberam que as entranhas estavam todas corroídas, todas corrompidas pelos vírus que nunca foram deflagrados. O penar que passamos hoje, com a nossa política contemporânea, vem do tempo perdido na apuração e na evolução de nosso sistema político. Somos democracia novamente há poucos vinte anos. Não é pouco? Lembremo-nos que os Estados Unidos são democracia há mais de duzentos anos, e ainda há falhas em seu sistema. Que falhas? O que se dizer do fato que o Bush levou uma eleição sem ter a maioria dos votos absolutos? Como refresco de memória, não se esqueçam de que nos Estados Unidos as eleições para presidente são indiretas. É um colégio eleitoral, eleito pelos representantes de cada unidade federativa, quem elege o presidente. Isso não seria uma falha? É discutível, mas pode ser uma falha, sim.

Voltando a nossa vaca fria. Eu penso que os escândalos de corrupção que estamos presenciando fazem parte do nosso processo de amadurecimento do sistema político. Está nítido que há muitas falhas, os escândalos, ou os vírus, estão as expondo. A imprensa, hoje com liberdade, está fazendo sua parte, está denunciando. E o governo também, pois não está impedindo que nada seja apurado. Afinal, o mensalão, o mensalinho, os sanguessugas e demais casos, estão sendo apurados. Diferentemente - e aqui que o buraco começa a ficar mais embaixo - de anteriormente, quando nada era esclarecido. E nada era esclarecido, e aqui vai a minha pitada neste tempero, porque a imprensa também não estava funcionando direito. A imprensa era leniente com o governo anterior (ou anteriores), e agora, que lhe é conveniente, está atuando pesadamente na depuração dos casos de corrupção deste governo. Pesadamente, porém, mui enviesadamente, porque até agora não vejo força em querer saber o que há no dossiê do dossiêgate, só em querer saber de onde veio o dinheiro! Um fato isolado, mas que expõe o tendencionismo da grande mídia. Ela tem um preferido, mas ela não deveria ter - eis uma outra falha do nosso sistema. E é por causa dessa sanha, aliás, um revival, pois nossa mídia sempre fora muito assanhada, que os últimos escândalos pintam ser maiores do que os anteriores, o que é falso. São maiores porque estão realçados, mas são do mesmo tamanho que de todos os outros.

Mas tudo bem, já fiz o meu rap, agora quero remeter ao título deste artigo. "Apologia da corrupção" é para provocar, sim. A corrupção é necessária pois sua depuração é necessária, mas uma depuração irrestrita. Depuração que está ocorrendo, mas que não acontecerá com a cachorrada de botar de volta os mesmo que mandaram e desmandaram desde que o primeiro português pisou por aqui. Se estou falando grego demais, basta então fazer um exame de DNA nos partidos políticos e procurar pelo gene ARENA.

E para finalizar poeticamente, quero aludir ao caráter subversivo dos vírus. Aliás, vírus subversivo é um puta pleonasmo, pois vírus que é vírus almeja a subversão do sistema; e sem eles, não há evolução. E parodiando o poeta (já que falei em português): Viver não é preciso. Mas subverter é, e muito preciso.

segunda-feira, outubro 02, 2006

Eu preciso escrever alguma coisa...

Acharam 1,7 milhões, em dólares e reais, com alguns petistas que queriam comprar um dossiê com supostas acusações de superfaturamento na compra de ambulâncias contra a administração de Serra no Ministério da Saúde. É o tal caso dos deputados sanguessugas e do Vedoin, o dono da empresa que vendeu ambulâncias para o governo FHC a crédito - ele acreditava que o Serra venceria as eleições em 2002 e pagaria depois. Mas o Serra não venceu, mas o Vedoin continuou a vender ambulâncias superfaturadas no governo do Lula. E o Lula que começou essa investigação.

Pois bem, estourou o dossiêgate e os tucanos aproveitaram e tentaram colar o caso ao presidente. Supuseram que o presidente sabia da compra do dossiê e iniciou-se o massacre. Com a ajuda da grande mídia brasileira, foi massacre com eme maiúsculo. Mas eu acredito mesmo que o que sepultou a vitória de Lula no primeiro turno foi sua ausência no debate da Globo. Agora ele pode mesmo perder, por uma estupidez dessas.

Mas tudo bem, a economia está melhor hoje do que há quatro anos atrás, a oposição diz que poderia estar melhor, e a grande mídia voltou a mostrar as suas garras. Não importa como anda a economia, importa é ter o poder político nas mãos, não apenas o poder econômico. O resultado do primeiro turno diz: é o Brasil rico, instruído, do sul, contra o Brasil pobre, ignorante, do norte. É a luta de classes, minha gente!

Eu acho que quem deu o tiro no próprio pé foi o próprio PT, com essa aloprada de comprar dossiê e com a falta ao debate do presidente. Mas me revira o estômago a cara Opus Dei desse Alckmin, o governador que alimentou a besta-fera PCC e que não pára de formar semi-analfabetos nas escolas, e me revira mais ainda a grande mídia só apurar de onde vem a grana do dossiê e não apurar o que há nesse diabo de dossiê. Por enquanto, o dinheiro veio legalmente, já o dossiê, continua no escuro.

É por isso que esse texto está revirado. Hoje de manhã escutei de um incauto: "se o Lula pode, porque o Maluf não pode?" Ele votou no Alckmin e disse que queria votar no Maluf, mas não votou. E eu não me contive e vomitei - bem aqui isso tudo que estava mal digerido em meu estômago há quase duas semanas.

Me desculpem.

terça-feira, setembro 26, 2006

Mal passado político

Eu não tinha nem seis anos, estava na pré-escola, e via na tevê as propagandas políticas, as pesquisas eleitorais - que naquele tempo eram ainda involuídas, a contagem das intenções de voto era literal: x mil votos para Paulo Maluf, y mil votos para Antônio Ermírio, z votos para Orestes Quércia, w votos para Eduardo Suplicy, e assim ia. Era 1986. Eram as eleições para Governador. O país acabara de ser redemocratizado. Eu mal sabia disso, mal sabia que nascera sob uma ditadura. Eu assistia a tudo admirado. Sempre fui curioso. Devido a essa curiosidade, já era alfabetizado, sabia fazer contas primárias de matemática, adorava ler histórias em quadrinhos e sabia escrever programas de computador elementares em linguagem Basic num TK-85.

Como dizia, sempre fui curioso. E metido a dar opiniões. Assisti a todas as propagandas políticas e, baseado nelas, vaticinei: quem vai ganhar as eleições é o Quércia. E ele ganhou. E ele nem era o mais bem cotado nas pesquisas. Dali até os meus doze anos, considerando meu histórico de opiniões eleitorais, fui peemedebista. Pois até tal época, sempre opinei por candidatos do PMDB em todas as eleições. Suas propagandas políticas eram as melhores.

Do ponto de vista de minha formação política, esse período pode ser considerado como uma era em minha história. Pois por volta dos meus treze anos, um fato relevante aconteceu em minha vida, marcando-me profundamente. Meu pai ficara desempregado e nossa família passou severas dificuldades financeiras. Até então, eu estudava em escola particular, tinha brinquedos, freqüentava clube, praticava judô, meu pai tinha carro, eu pensava em ser rico quando crescesse. Eu era um almofadinha. Daí, tudo escasseou. Fui para a escola pública, ganhava brinquedos e roupas usadas de tios e primos, não ia mais ao clube nem ao judô, ficamos à beira da fome. Lembro uma vez quando meus tios chegaram em casa com uma compra inteira de supermercado. Na época eu não entendi nada, mas tempos depois a ficha me caiu. Faltou dinheiro para pôr comida em casa.

Um ser tão curioso como eu não poderia deixar tudo aquilo sem explicação. Eu tinha que descobrir um culpado. E eu sempre tive um senso de justiça muito aguçado. Na época, eu havia começado a brigar com meu pai - porque ele sempre brigava com minha mãe - mas nunca o culpei pela má fase que vivíamos. Eu culpei o sistema. Tive contato muito superficialmente com o marxismo, mas que foi o suficiente para eu ter a sensibilidade de que o problema que minha família passava era estrutural. O sistema capitalista, inevitavelmente, levava as pessoas a passar por situações semelhantes a da minha família. Quer dizer, levava a maioria das pessoas. Uma privilegiada minoria não sofria disso. E cada vez mais essa minoria era minoria. E cada vez mais essa minoria era privilegiada. Me revoltei. E como eu tinha que ter um culpado, mirei meus canhões de ódio para aquilo que eu considerava o epicentro do sistema capitalista. Passei a odiar os Estados Unidos da América. E passei a idolatrar a União Soviética e a ser um seguidor da teoria marxista. Só que o Muro caíra há cinco anos e a URSS desmoronara há três...

Mas para mim isso não era relevante. O que me importava é que eu tinha a minha opinião, que eu sabia aquilo que causava o mal para o mundo, e eu tinha que salvar o mundo. O mundo não poderia sofrer o que eu sofrera. Eu tinha fé de que ainda veria o sistema capitalista ruir e a aurora de novo sol socialista raiar sobre todos trazendo paz, justiça e felicidade. Eu tinha quase dezesseis anos quando passei a ser mais ativo politicamente. Na época eu estudava num colégio técnico público, e por motivo de uma greve que os estudantes fizeram contra a Reforma do Ensino Técnico promovida pelo governo FHC, que julgamos ser maléfica, tive contato com um pessoal ligado ao PSTU. Me senti identificado por essa gente. Passei a freqüentar reuniões promovidas por alguns de seus militantes. Meu primeiro voto para o Congresso Nacional foi para o PSTU.

No entanto, não cheguei a ser um trotskista ("filosofia" de pensamento seguida pela turma do PSTU) completo. Muito menos cheguei a me filiar em algum partido político. Uns dois anos depois, conheci outras pessoas pela Internet, por intermédio de um hobby comum denominado micronacionalismo, que também eram marxistas, mas não eram trotskistas. Eram stalinistas. Com eles, passei a ter contato com toda a história que permeou a luta marxista pelo mundo. Percebi que o socialismo era muito mais complexo do que eu imaginara, e foi conhecendo mais sobre Marx, Engels, Lênin, Trotsky, que fui amadurecendo mais politicamente. Continuei sendo um ativista político. Novamente estive mobilizado em greves, dessa vez, em defesa do Ensino Tecnológico. Aí eu já era um universitário, cursava Processamento de Dados na Faculdade de Tecnologia de São Paulo, e nos anos de 2000 e 2001, os alunos fizeram greve para impedir que o Governo do Estado quebrasse o vínculo que as Fatecs tinham com a Unesp (Universidade do Estado de São Paulo) e perdesse o caráter de graduação superior. Continuei a ter contato com o pessoal do PSTU, e por continuar a ter esse contato, tive oportunidade de conhecê-los melhor. E por conhecê-los melhor, descobri que eu não tinha muito a ver com suas proposições - eles não tinham compromisso com democracia. Passei a me afastar deles, e nunca mais votei no PSTU.

Porém a minha "idade da razão" política veio pós-2003, quando ingressei no curso de Ciências Sociais da USP. Lá tive contato com a Ciência Política e diversas teorias sociológicas e antropológicas. Caí perdidamente apaixonado pelas liberdades políticas. Concebi que eu não poderia ser condizente com algum sistema político que não desse o mínimo (e para mim, esse "mínimo" era bastante exigente) de liberdade aos indivíduos. Logo, me desgarrei de vez da minha "comunistice", e passei a ser um defensor intransigente do regime republicano e democrático. Não desejei mais dinamitar o sistema capitalista, porém, não me sucumbi a ele. Passei a conhecê-lo melhor e a criticá-lo mais ainda. No entanto, conhecer Maquiavel, Hobbes, Locke, Rousseau, Mill, Montesquieu e outras facetas de Marx e Engels, me tornou mais cético quanto ao mundo político prático. Me desiludi. Percebi que a situação de nosso país está inserida num contexto que tanto faz o PSDB ou o PT no poder, a economia não sofreria drásticas mudanças. Como não sofreu. No entanto, meu compromisso com a Democracia e a história dos agentes políticos brasileiros me impedem de não tomar partido em cada eleição. Nunca será com o meu voto que um antidemocrata estará no poder. E o PFL é o principal herdeiro do principal partido do período ditatorial brasileiro de 1964-1985. Como diz aquela passagem: "diga-me com quem tu andas, e eu te direi quem és", não confio em quem anda com golpistas, e desde que me tornei eleitor, tenho votado no PT para as eleições majoritárias. E por enquanto, continuarei votando, pois eu não consigo atravessar o rio para a margem direita. Meu estômago é muito sensível à acidez desse neoliberalismo, conservadorismo, progressismo e outros etcterismo que essa ala costuma se alimentar.

Contudo, eu sei dar minha mão à palmatória. Se algum dia, não houver mais um ser humano digno do meu voto, das duas, uma: ou eu mesmo entro para a política, ou eu mesmo fundo um exército. De um homem só, como fez o Capitão Birobidjan, do Moacyr Scliar. E iniciarei "neste momento a construção de uma nova sociedade".

Algumas fontes (mas sugiro consultar outras):

http://pt.wikipedia.org/wiki/Guerra_Fria
http://pt.wikipedia.org/wiki/Trotskismo
http://pt.wikipedia.org/wiki/Moacyr_Scliar
http://pt.wikipedia.org/wiki/Partido_da_Frente_Liberal

segunda-feira, setembro 11, 2006

Coronel Ubiratan

Comandou o massacre de 111 detentos, desarmados (por isso, massacre), no dia 2 de outubro de 1992, no complexo penitenciário do Carandiru;

Em 2001, é processado pelo massacre dos 111 do Carandiru (na verdade, por 102 e por tentativa de assassinato de 5) e condenado a 632 anos de prisão;

Em 2002, é eleito deputado estadual, pelo PPB (hoje, PP) sob o número 11190. Defendia a pena de morte, a redução da maioridade penal e mais rigidez para os detentos. Era membro da "bancada da bala";

Em 2005, é inocentado pelo massacre dos 111 - o julgamento fora anulado;

Este ano, mesmo com a candidatura impugnada pela Justiça Eleitoral, tentava se reeleger deputado estadual, agora pelo PTB, sob o número 14111;

Ontem, 10 de setembro de 2006, é encontrado morto em seu apartamento.

Acima, no período da cronologia que acompanhou algumas partes da trajetória do coronel reformado da Polícia Militar Ubiratan Guimarães, podemos ressaltar outros acontecimentos relevantes. O já citado massacre dos 111 do Carandiru - já cantando em rap, escrito em conto e visto em filme - como ingrediente básico para a formação da facção criminosa Primeiro Comando da Capital (PCC) é um exemplo. Outros, são todos os atos que esta facção teve contra o Estado e a sociedade, configurando na guerra civil que se desenrola sob nossas retinas cotidianamente. Hoje, 11 de setembro, marca o aniversário de uma outra guerra que o mundo lá civilizado trava com o tal terrorismo. Talvez o 2 de outubro tenha sido o marco dessa nossa guerra aqui.

As minhas retinas fatigadas de tanta pedra nos caminhos não se espantam mais com tanta guerra. Elas ainda não vêem fim para elas. Tanto na de lá, no mundo desenvolvido, como na daqui, no submundo subdesenvolvido. Mas me espanta o fato do cara-de-pau usar o número 111 em suas candidaturas políticas. Cara-de-pau, porque ele dizia que o número era o do seu cavalo... Espanto e, além disso, horror, por um número associado a uma carnificina, ser utilizado em eleições em prol da Democracia - aliás, o único caminho que minhas retinas crêem servir para combater esta (e a outra também) guerra. Não obstante as tantas pedras que têm nele.

A vida tem dessas. De uma feita, vítimas viram vilões e de outra, vilões viram vítimas. Infelizmente, há outras que continuam vítimas e outros que continuam vilões. Tudo por causa da ignorância e ingenuidade da nossa sociedade. É que a Santa Democracia precisa da luz na consciência de todos para realizar seus milagres. Enquanto isso, não tem jeito, é guerra, sangue, terror e trevas. E pedras, muitas pedras, nos nossos caminhos.

Em tempo... Apesar de cara-de-pau, ele não merecia a pena de morte.

segunda-feira, agosto 28, 2006

O Poderoso Catarseador Subversivo

Putaquepariu! A trilogia "O Poderoso Chefão" é o de melhor que eu já vi do cinema!

Tudo bem, não vi no cinema, vi no DVD. Ontem. Ah, tudo bem, pode ser que haja e que eu já tenha visto coisa melhor no cinema, mas agora, não me recordo de nada melhor.

Aliás, problema de memória tem sido o meu problema ultimamente. Não só ultimamente, mas também, eu diria, "penultimamente", "antepenultimamente"...

Ah, mas meu último problema tem sido a minha secura. Que secura? Secura! Não consigo mais terminar texto nenhum. Estou em outra crise de criatividade. Que criatividade? (Agora me peguei...) Tenho diversas idéias, mas são todas tranqueiras, não consigo descer nada para o papel. É romance, é conto, é até crônica. A última que escrevi, e a última que consegui finalizar, achei-a tão deprimente que não tive coragem de publicar. Ah, chega de complexo de inferioridade! Quando percebi que era um outro meu inferior baixando naquele texto, enrubesci. Fiquei com vergonha de exibi-lo.

E depois, quer dizer, antes dessa crônica, teve o texto do Scliar que enrolou minha psique e, acredito, disparou o outro inferior que ressurgiu. Percebam, eu só faço catarse. Eu penso que faço arte, mas não, é só catarse. Catarse, catarro, escarros, tudo para me aliviar. Me aliviar do quê?

Mas quem não viu "O Poderoso Chefão", pelamordedeus!, vejam! É do caralho! O filme é uma aula de política. Maquiavel aplaudiria de pé se assistisse ao filme no cinema. Aliás, foi um professor meu quem primeiro falou do filme. À época, não pude assistir, mas sempre tive em mente os comentários do Gildão.

Algumas pílulas sobre a saga de Michael Corleone para instigarem vocês. "Não odeie seus inimigos. Atrapalha o raciocínio”.Fantástico! "Quando eles vierem atacar, atacarão aquilo que mais ama”.Gênio, gênio!

Fiquei excitado do começo ao fim da série de três filmes. Michael Corleone, brilhantemente interpretado por Al Patino, é a simbiose de Nicolau Maquiavel com Sun-Tzu ianque-siciliano. Aliás, como é linda a Sicília de meus pais! Meu sangue siciliano fervilhou de emoção com algumas passagens do filme acontecidas por lá.

Bueno, pode até ser que eu seja mesmo um mero "catarseador", mas não adianta eu não querer ser subversivo. Se não tenho nenhuma regra para quebrar, quebro as minhas. Nunca falei sobre filme, um tremendo clichê, ou essas coisas que às vezes se dizem quando não se tem nada para escrever, mas agora falei. Tive que falar né? Sem conseguir escrever nada há já algum tempo...

Então, eis cumprida, mais uma vez, a profecia.

sexta-feira, agosto 11, 2006

O texto como catarse

Por Moacyr Scliar

"A palavra mais usada na literatura atual é muito curta: 'eu'. O número de textos escritos na primeira pessoa é cada vez maior e configura uma verdadeira tendência, que já tinha sido antecipada pelo jornalista e escritor Tom Wolfe, quando se referiu aos anos 70 como a 'Me Decade', a década do eu. Na verdade, é a culminação de um longo processo inaugurado pela modernidade que, ao consagrar a noção do indivíduo, possibilitou esse tipo de literatura, praticamente desconhecida no passado. As numerosas narrativas da Bíblia, para ficar só num exemplo clássico, foram elaboradas por autores anônimos que jamais ousariam deixar sua marca pessoal no texto sagrado.

É preciso dizer que esse fenômeno não significa necessariamente egoísmo ou vaidade, pode ser uma reação ao passado que negava individualidades e padronizava os modos de ser. A 'Me Decade' e a literatura do eu representam, assim, uma forma de afirmação pessoal que hoje faz parte do equipamento de sobrevivência dos seres humanos.

A primeira pessoa aparece na literatura de diferentes formas. Quando se trata de ficção, é um personagem imaginário, um disfarce não raro tênue para o próprio narrador. Ou então é uma autobiografia. Ou é um depoimento pessoal: alguém falando sobre uma doença que teve, sobre um problema que viveu. A forma de publicação varia. Pode ser um livro. Pode ser um artigo ou uma carta, em jornal. Pode ser um blog.

Vamos pegar o caso da literatura, que é clássico. Quase todos os escritores começam sendo autobiográficos. Com o correr do tempo, adquirem o domínio da forma e a maturidade que permitem criar personagens com vida própria. Mas por que as pessoas escrevem? As respostas variarão. Alguns dirão que vêem na palavra um instrumento de criação estética. Outros, contudo, dirão que sentem necessidade de colocar para fora aquilo que lhes atormenta. Ou seja, uma catarse. A palavra vem do grego e significa purga ou purificação (é claro que os utilizadores da catarse preferirão esta segunda opção).

Pessoas inteiramente felizes não escrevem. Escrever é algo que resulta de algum grau de mal-estar psicológico, de algum grau de neurose. Problemas emocionais não são raros entre os escritores e, em Touched With Fire, a psiquiatra norte-americana Kay R.Jamison colecionou algumas dezenas de casos. Talvez seja uma condição necessária, mas não é uma condição suficiente. Todo Kafka é um neurótico, mas nem todo neurótico é um Kafka, já disse alguém. Freqüentemente sou procurado por pessoas que me dizem: minha vida daria um romance, só que eu não sei escrever este romance.

Pois é. A diferença entre catarse e literatura é esta: literatura é obra de quem tem intimidade com as palavras, de gente que sabe usá-las de forma original e criativa. Mas isto não deve obscurecer o fato de que escrever é bom para todo mundo. Livro, blog, diário íntimo, e-mails, cartas, não importa: escrevam. Escrever é uma forma de auto-interrogação, No mínimo ajuda a pessoa a descobrir quem ela é."

Fonte: clique aqui

quarta-feira, agosto 09, 2006

Lua cheia da manhã

Hoje de manhã eu vi a lua cheia. Hoje de manhã eu vi a lua cheia. Enfatizo porque eu não me lembro de ter visto antes uma lua cheia assim, às seis horas da manhã... É, acho que nunca vi mesmo. De qualquer forma, eis o registro.

Após trinta dias de férias, voltei à minha rotina usual. Acordar cedinho, ir trabalhar, voltar tarde para casa e dormir. Por isso, saí de casa meio tristonho, meio animado (depois de trinta dias de folga, não tenho desculpa né? tenho que voltar ao batente com ânimo, pelo menos), entrei no carro, liguei o rádio e parti, ouvindo as notícias do dia. Fui ouvindo o de sempre. Israel batendo no Líbano, preparativos para a final da Libertadores, porta de avião que despenca no telhado de supermercado, deputados sanguessugando a coisa pública, a agenda dos candidatos, os ataques do PCC... Eis que olhei para o céu e me deparei com a lua. Cheia. Mas cheiona mesmo. Bem grande, lá no alto, para todos não deixarem de ver.

Será mesmo que eu nunca vi uma lua assim?... Ah, não me lembro mesmo! Mas me senti reconfortado. Pareceu que ela me dizia "boa sorte!". Ou que ela me dava consolo. Um consolo a esse novo dia que voltava a viver. Um novo dia cheio de velharias.

terça-feira, junho 27, 2006

Eu tenho que falar de futebol!

Eu tenho que falar de futebol. Eu tenho que falar de futebol. Não posso deixar de falar sobre futebol.

E futebol, hoje, é Copa do Mundo.

Daqui a pouco o Brasil joga contra Gana. Então já lanço meu palpite: 3 a 0, com gol do Ronaldo Bussunda. (Ah, essa morte foi chocante, né? Eu sou o maior fã da turma do Casseta e adorava o Bussunda!).

E por falar em Casseta, falo de Rede Globo e do incidente das leituras labiais do Parreira. Verdade ou não o que Parreira disse no campo, sei que seu conceito está aumentando comigo. Não estava nada contente com seu discurso pré-Copa. Um discurso confiante demais. Algo do tipo, só pôr o time em campo que a orquestra toca a sinfonia. Nossa Seleção não pode entrar de salto alto. Isso não funciona com a gente, não sabemos administrar isso. O time brasileiro precisa sempre jogar motivado, por provocação, por comoção, o que quer que seja. É da nossa cultura. Não gostamos de empáfia. Eu não gosto. E o Parreira estava com um blablablá estranho. Algo assim, "só na Semi estaremos 100%". Porra, só na Semi? Já está contando que vai chegar lá? E até o jogo contra a Austrália eu estava descontente com a Seleção. E havia jurado a mim mesmo, se empatasse qualquer jogo na primeira fase, iria torcer para a Itália e Portugal. Quer dizer, ainda estou torcendo por eles, mas numa escala de prioridades menor. Por exemplo, agora a escala é: primeiro Brasil, depois Itália, depois Portugal, depois qualquer sul-americano. Se o Brasil não ganhasse tudo, caia do ranking. Mas como eu dizia, o conceito do Parreira aumentou porque eu achei correto ele bancar o Ronaldo até agora. Eu mesmo estava muito descontente com o Ronaldo. Não pelo seu futebol, pois sabia que ele poderia ressurgir. Mas por sua conduta até então. Reclamando como se fosse uma mulher quando tem seu peso criticado pelo marido, batendo boca até com o Presidente da República. O Ronaldo, jogador renomado e talentoso como é, só tinha que aceitar as críticas e responder no campo, como fez. Porque depois vir na tevê dar entrevista é mais fácil, né? Voltando ao Parreira, o que me cativou mesmo foi a sua desbocadura decifrada pela leitura labial que revelou um outro lado do técnico. Um lado mais emotivo, que também desabafa. Um lado humano. Eu xingaria da mesma forma como ele xingou.

E já que falei em Semi, meu palpite é: Brasil e Portugal de um lado, Alemanha e Itália de outro. Pero soy argentino desde niñito contra los alemánes. Meus amigos, a Alemanha é esse time assim. Joga feio, mas ganha jogo. E eles estão em casa e querem desforrar 2002. Eu confio que chegaremos à Final mas já arrisco, se for contra a Alemanha, seremos vice. E eu também quero muito ver uma final Brasil e Argentina. Uma final assim seria um retrato justo do que é o futebol mundial. As duas nações que formam os melhores jogadores. As duas melhores fornecedoras de matéria-prima. Sim meus caros, porque futebol é um puta negocião. E como sempre, nós, que estamos abaixo da Linha do Equador, fornecemos matéria-prima e a Europa, o centro, transforma-a em produto acabado, como numa indústria.

Radicalizando a troca do assunto. Meu sangue italiano não pôde deixar de ferver e não pude deixar de me emocionar com o jogo da Azzurra contra a Austrália. O pênalti pode até não ter existido, mas a Itália mereceu vencer. A expulsão de Materazzi foi injusta, e o time italiano soube jogar eficientemente com um a menos. São insuperáveis na defesa e conta com jogadores de refinada técnica, como o Totti. E a Austrália não soube se aproveitar da vantagem no número de jogadores. Logo, mereceu voltar para Sidney mais cedo. E eu fiquei quase tão contente como numa vitória do Brasil ou do Palmeiras. Torci muito pela Itália.

E a Suíça caiu sem levar um gol sequer. Por isso futebol é futebol. Fascinante, imprevisível, subversivo. E tira-se uma lição disso. A melhor defesa é o ataque. Ou como disse o técnico de Gana sobre como fazer para ganhar do Brasil: "to score more goals!". Se no jogo contra a Ucrânia, a Suíça fizesse mais gols do que levou, estaria nas Quartas. E por falar em Ucrânia, aquela da propaganda da Fiat foi ótima. Os ucranianos são os mais perigosos por causa do crânio! Ingênuo, mas inteligente. Aliás, muito inteligente. Pois futebol é inteligência. Um time pode ter os mais altos e mais fortes jogadores, mas se eles forem uns gansos (para pegar emprestado um termo que um amigo usa freqüentemente), nunca serão campeões. E o Romário, baixinho, franzino, é o Romário, porque é inteligente. O Tetra foi por ele.

Pronto. A mão já parou de coçar. Já falei de futebol. Por ora, já está bom.

sexta-feira, junho 23, 2006

Filhodaputa é você!

Hoje acordei às 5h20. Me levantei e fui tomar banho. Às 5h50 já estava na rua, rumo ao sagrado dia de serviço.

No meio do trajeto, ouço o noticiário vindo pelas ondas de rádio:

- No início da manhã, uma carreta derrubou cilindros de gás inflamável na Marginal Pinheiros. Dois cilindros vazaram e a CET interditou as duas pistas, no sentido Castelo Branco.

Eu estava a caminho da Marginal Pinheiros, sentido Castelo Branco.

Acompanhei o noticiário. Dizia que se levaria pelo menos umas três horas para liberar o local. Os motoristas deveriam evitar a região interditada. Enquanto eu parava no trânsito da Avenida Bandeirantes, que já havia se formado em decorrência do bloqueio na Marginal, pensava no que eu poderia fazer para chegar o mais rápido possível ao meu local de destino.

Entro no trabalho às 7h30. Tenho que acordar muito cedo para chegar lá nesse horário. O trânsito da cidade é crônico, aliado à distância que tenho que percorrer, faz com que a falta de pontualidade seja um dos meus piores defeitos profissionais. Já cansei de escutar meu chefe reclamar dos meus atrasos.

Devido a um brutal esforço, e a uma ajuda que sou eternamente grato, e que não convém descrever aqui e agora, tenho conseguido me levantar religiosamente às 5h20, para sair às 5h50 e chegar no trabalho às 6h40. Eu descobri que chegar às 7h30 em ponto é tarefa para um semideus, pois além de acordar cedo, é preciso prever variantes de clima, acidentes de automóveis e outros problemas que influenciam na parca fluidez do trânsito paulistano. Logo, o negócio é chegar bem antes. Pois o trânsito é menor e menos estressante. Além disso, posso cochilar no carro no estacionamento até dar a hora da entrada.

Pois bem, enquanto eu pensava e descobria que nada eu poderia fazer para encurtar o tempo de chegada no trabalho, lutava contra o sono. Havia acordado bem cedo e por essas tantas, era por volta de 6h30. O horário do meu cochilo estava se aproximando.

Após mais ou menos uma hora e meia de pensamentos vãos e de intensa luta contra o sono, escuto, vindo da janela do meu carro:

- Seu filhodaputa!

Tomei um susto, olhei para o lado. Repetiu: "Filhodaputa!".

Era um motoqueiro. Eu estava parado, o que fiz foi andar para a frente, em linha reta. E eu estava na pista, a mais à esquerda da avenida. Oras, por que fui xingado? Só se ele se assustou com o meu movimento. Mas, porra!, um movimento para frente?

Oras, eu sei o quanto é perigoso a vida desses motoqueiros. Tanto sei que sempre dou a seta quando mudo de faixa, e tomo o maior cuidado, olho e reolho no retrovisor se vem algum motoqueiro desvairado. Eu sei que, por mais que eles não tenham razão em andar nas entrepistas como andam, eles são a parte mais fraca nesse embate cotidiano pelo espaço do trânsito entre automóveis e motocicletas. Mas por que fui xingado? Por quê?

Uma raiva me tomou. Me senti injustiçado. Eu que tanto prezo pela segurança desses motoqueiros fui prejulgado por um movimento totalmente legal, e fui condenado a ser um filhodaputa! A raiva me tomou de tal forma que cogitei descer do carro e tomar satisfações. Mas parei novamente atrás de um carro e o motoqueiro se foi pela entrepista:

- Que morra! Que morra! Eu quero que esse filhodaputa morra!

Me descontrolei. Quando me dei conta, me arrependi. Só uma vez na vida desejei a morte de uma pessoa antes, um desafeto da adolescência, um outro filhodaputa. Que me arrependi também.

Porém, o estado de descontrole me trouxe algumas ponderações. Eu sou justo no trânsito, e benevolente. Tenho compaixão pelos desvairados e ilegais motoqueiros que transitam pelas entrepistas. Mas mesmo assim sou injustiçado por um deles. Compensa ser justo?

Recentemente fui injustiçado outras duas vezes. Como são assuntos delicados e particulares, não irei descrever aqui. Mas minha reação foi idêntica. Revolta. Numa dessas ocasiões eu dizia a quem me injustiçava, "sou franco e justo e o que ganho?".

Acalmem-se, é só um desabafo. Eu não irei mudar meu comportamento e agir como os injustos que critico. Eu não me corromperei - foi o que disse a mim mesmo também.

Contudo, se por acaso algum motoqueiro ler esse texto e não gostar do que escrevi - principalmente porque eu me refiro a "motoqueiros" e não a "motociclistas", como reivindicam alguns dessa classe de trabalhadores - pois bem, que diferença isso faz, eu não vejo mal nenhum em me referir a motoqueiros ou motociclistas. Eu acho a palavra "motoqueiro" mais expressiva.

E se algum desses motoqueiros-leitores já tiver xingado algum motorista injustamente. Ah, a esses eu digo:

- Filhodaputa é você!

terça-feira, junho 06, 2006

O outro

Entrou no buraco. Estava escuro.

- Ei, estou te vendo! Sai daí!

O menino chorava. Ele tinha medo de sair do buraco.

- Ei, a infância já passou! Já é hora de enfrentar os medos, se livrar dos pesos e viver! Vem!

O mundo é muito grande, os homens são todos grandões. O menino era pequeno, ele se via muito pequeno.

- Já és homem! Não vês? És forte, saudável, bonito! És inteligente! És bom! És grande!

- É mentira! Não sou! Aí fora é perigoso, eu só me machuco! Aí fora eles me pegam! Eles são fortes, são bons, são grandes! Eles são invencíveis! E eu não posso com eles!

E o menino continuou o choro compulsivo. Repulsivo. Rangeu os dentes.

- És tu! Tu! Tu que te vês assim: fraco, feio, pequeno, vil! Não percebes? És tu! Eles têm medo de ti! Porque és igual a eles e porque também és diferente! Eles não suportam essa diferença, não suportam que a ordem seja subvertida! E há outros que te admiram também, é tu que não vês!

Enterneceu.

- Vem, meu filho! Eu sou teu pai agora. Estou contigo, sempre estive. Espero ansiosamente por este momento. Vem, sai daí! Já é hora de viver!

O menino engoliu o choro e se levantou. Ele saiu do buraco e se viu de igual para igual ao outro que lhe falava. Ele viu que era o outro.

Transparência

Como todas as manhãs, olha-se no espelho. Essa barba já está grande. Mas não estou com saco de fazê-la. Essa olheira nunca sai daí. Adianta ir dormir mais cedo?

Ainda está nu, olha-se. Espera! O que é isso?

Apalpa-se. Cadê minha pele?! Cadê minha pele?!

Vê seus órgãos. O fígado é o mais feio, parece doente, mas não sente dor nenhuma. Sofro do fígado? Como o homem do subsolo? Preciso terminar de lê-lo...

Continua diante do espelho, perplexo. De repente, um desatino. Olha o coração, olha o estômago, tão frágil. Sou assim, frágil. Por isso tanta dor, tanto sofrimento. Não há couraça! Tanta fragilidade não pode ficar assim exposta... Eis a resposta! Por isso eles não sentem dor, não sofrem. Só eu que me exponho, que ponho tudo para fora. Quanto tempo será que ainda duro assim?

Veste-se. Não vou tomar banho hoje, está frio. E estou atrasado. Depois eu penso sobre essa revelação.

Como todas as manhãs, sai apressado.

sexta-feira, maio 26, 2006

Diabólica

(de "Crônicas da Guerra Civil")

Madrugada de uma sexta para um sábado qualquer. Três motocicletas e sete indivíduos estavam estacionados à sombra de uma rua sem saída, num bairro suburbano qualquer da cidade. Fumavam cigarro e maconha, e conversavam em voz baixa sobre o clima e sobre o que iriam fazer dali a pouco.

- Me explica essa história, o chefe é mulher?, argüiu um deles, novato no grupo e que atendia por Cabecinha.

- É. E o que tem?, respondeu um outro.

Então chegou uma moto. Estacionou à mesma sombra em que se encontravam os outros sete. O motociclista desceu da moto e tirou o capacete. Lindos louros cabelos, apesar de tingidos, surgiram, e a tal figura aproximou-se deles.

- Vamos! É chegada a hora!, comandou uma voz doce e firme.

Conferiram pela última vez o arsenal. Uma dúzia de granadas, sete pistolas automáticas e um três oitão, arma predileta do chefe. Subiram dois em cada moto. Em sua moto, o chefe ficou na garupa.

- Malucão, como é gostosa essa mina! Ah, se eu pego ela!, comentou o Cabecinha com seu parceiro, que pilotava a moto.

- Cabecinha, se tem amor a sua vida, não se esqueça do estatuto e das regras que lhe falei! E principalmente: trate o chefe como homem!

- Ah, vou mesmo! Que nem tratei os homens lá do xadrez: traçando-lhes o cu!

O chefe tinha nome: Diabólica. E não à toa. Corpo atlético, sensual, cabelos louros, tingidos, é verdade, e de propósito. Para ficar tipo mulher fatal. Mulher que tem poder. Ela é a namorada de um dos maiores figurões da facção, um tal de Leão, que hoje está preso. Mesmo na cadeia, ele não corre o risco de ser corneado, Diabólica é fiel. Pelo menos, enquanto ele tiver poder. Antes de namorar esse figurão, Diabólica namorava um ex-dirigente do grupo criminoso. Foi ela quem ajudou o atual namorado a liquidá-lo para tomar-lhe o posto. Ela pressentiu que o ex estava se enfraquecendo e perdendo apoio. "Sou mulher de um malandro só, mas não vou me tornar viúva.", e Diabólica farejou que Leão estava em ascensão dentro do grupo e seduziu-o para manter seu status na organização.

Mas Diabólica não é qualquer uma dessas mulheres de malandro que se tem por aí. Ela não só faz sexo em troca da proteção e do status de ser a companheira de um alta patente do mundo do crime. Ela gosta da linha de frente. Gosta de pegar o três oitão e fazer as diligências, comandar os capangas em missões e elaborar as estratégias. Tem QI elevado e é o principal conselheiro de Leão. Quantas idéias já não chegaram aos seus ouvidos após as noitadas de sexo selvagem!

A missão da noite era simples. Passar fogo em todos os polícias do DP mais próximo dali. E depois, atirar as granadas contra o prédio. Simples e seria fácil. Tinham a informação de que eles não estariam esperando tal ousadia.

Foi cena de cinema. As quatro motos pararam em frente à delegacia. Os que estavam na garupa desceram, sacaram as armas e atiraram em qualquer um que viram se movendo. Quando outras balas começaram a vir em resposta, saltaram de volta nas garupas, de costas para os pilotos, e mandaram as granadas. Não sofreram um arranhão. Em compensação, os policiais...

- Putaquepariu! Quantos será que apagamos?, perguntou o eufórico Cabecinha, quando estacionaram de novo à sombra de uma outra ruela qualquer.

- Amanhã saberemos pelas páginas dos jornais!, respondeu Diabólica.

- Ah, meu amorzinho, então vem cá, vamos comemorar! Aí rapaziada, vamos fazer uma festinha agora...

Cabecinha só teve Diabólica em seus braços por míseros instantes. Os outros seis o agarraram, atirando-o ao chão em seguida. Deram-lhe várias botinadas. Cabecinha cuspiu sangue.

- Porra Malucão, você é meu irmão! Por que fez isso comigo? Vamos comer a gostosa? Você não é macho?

- Eu não sou é vacilão! E sem vacilar, deu-lhe dois tiros no meio dos olhos.

terça-feira, maio 23, 2006

O que é virilidade?

(de "Crônicas da Guerra Civil")

"Haroldo, você não é viril!", aquela frase ainda ressoa em sua mente, dita quando ela lhe comunicou que o deixaria.

Haroldo era um pacato comerciante, dono de uma doceira, bem sucedido até. Tinha um corpo franzino, uma barriguinha proeminente e era asmático. Tinha também um dom incomum para a Matemática. Preparava-se, naquele ano, para ingressar numa faculdade quando recebeu a fatídica notícia que o desestabilizou.

Jorge havia se mudado há pouco tempo no bairro. Era um homem robusto, vistoso e tinha uma farda. Era soldado da polícia. E parecia que ele sabia descobrir quais as mulheres que tinham fetiche pelo seu distintivo. E ele gostava muito quando elas o valorizavam por isso.

Alice era uma dessas mulheres. Ela era órfã desde muito jovem, e muito jovem decidiu-se sair da casa da avó, que a cuidou desde a morte dos pais num acidente de carro, para casar-se com Haroldo, homem que ela julgou poder lhe dar a proteção necessária àquele momento.

Com sua estabilidade financeira, Haroldo poderia proteger Alice materialmente, mas nunca pôde protegê-la psicologicamente. A flacidez de seus braços, sua fragilidade física e de saúde eram insuficientes para fazer Alice sentir-se segura. Ela sentia medo e vergonha de andar ao seu lado e ela não sentia prazer em dormir sob seus braços.

E num dia desses, Alice avistou o cassetete de Jorge, e Jorge farejou a insegurança de Alice. Eram jovens, bonitos e se complementavam. A insegurança de um combinou perfeitamente com o exibicionismo de outro. E nessa, o pobre asmático Haroldo dançou...

Desde que Alice o chutou de sua vida, Haroldo desvirtuou-se, tornou-se bandido. Fechou seu comércio e passou a viver de assaltos. Começou assaltando outros comércios iguais ao que possuía, em carreira solo. Depois, num caminho inverso ao de muito artistas, passou a assaltar bancos e a trabalhar em bando. Tornou-se o líder de uma ousada quadrilha e ainda se deu ao luxo de estudar Engenharia. Para manter-se mais preparado a burlar as parafernálias de segurança que eram criadas e para ter direito a cela especial em caso de ser pego, é claro.

Haroldo e sua quadrilha eram independentes, não eram subordinados a nenhuma organização criminosa. Mas ele tinha contato com alguns dirigentes do crime organizado e recebeu a informação de que um grande ataque seria realizado contra alvos policiais. Decidiu participar por conta própria.

"Viril?! Viril! O que é virilidade? É ter corpo musculoso, usar uma farda, andar de arma e cassetete e correr atrás de bandido? Sua bandida, vai ver o que é virilidade de verdade!", dizia Haroldo consigo mesmo momentos antes de viver os momentos mais cruciais de sua vida.

Haroldo estava de campana, a poucos metros da casa de Jorge, quando o avistou ao longe. Ele estava à paisana e carregava uma mochila onde guardava sua farda e equipamento. Haroldo aproximou-se de Jorge e apontou-lhe uma quarenta e cinco em sua testa. "Essa é pelo chifre que me pôs, canalha!"

E Haroldo se foi, carregando consigo a mochila de Jorge.

Após tal dia, o paradeiro de Haroldo tornou-se incerto. Apenas se sabe que dissolveu a quadrilha e evaporou-se. Sem seu genial líder, os demais capangas foram pegos logo na primeira tentativa de assalto. Haroldo hoje é procurado pela polícia em todo o território nacional.

E Alice hoje é mulher de malandro. Descobriu que apenas nos braços de um chefe de traficantes teria satisfeitas suas necessidades materiais, psicológicas e sexuais. Enfim, parece que ela conseguiu se reajustar. Da vida passada, apenas restou a frase que ainda insiste em grudar em sua mente, lida em uma carta que chegou do Correio alguns dias depois do assassinato de Jorge. Veio junto de um distintivo policial e dizia: "Isso é ser viril para você?".

segunda-feira, maio 22, 2006

Eis a tristeza?

Abriu os olhos, viu o teto e se viu. Ela adormecia sobre seu peito. Estavam encobertos por um lençol e rodeados por suas roupas e toalhas. Estavam no paraíso.

Tudo estava bom, tranqüilo. Então sentiu medo. Porque sempre que tudo está bom e tranqüilo, ele se lembra que irá desaparecer, e aquele medo volta...

Então tudo ficou ruim. E ele ficou triste. Eis a tristeza? O medo de morrer já não devia estar superado? Percebeu que não. Olhou para o lado, ela ainda dormia, linda. Ela não tem medo de morrer. Só tem medo de como será a morte. Mas que raios! Ninguém tem medo de morrer?

Sentiu-se só. Poderia estar no meio de uma multidão e ainda assim sentiria-se só. Estava com a mais doce das criaturas ao seu lado, e sentia-se terrivelmente só. Sempre foi assim. Sozinho. Para enfrentar seus problemas e seus medos. Vai ver, todos seus problemas decorriam de seus medos. Seu único medo é a morte!

Eis a tristeza? Viver só, lutar só e morrer... Que vida vã! Lutar em vão... A morte é invencível! "A vitória contra um invencível só é possível sem lutar". Sem lutas, um invencível não pode derrotar ninguém...

Antes de voltar a dormir, pensou no momento em que o Sol se extinguisse e, com sua implosão, engolisse a Terra e todos os demais planetas ao seu redor, quando, então, se tornaria uma massa tão densa, com um força gravitacional tal, que nem a luz conseguiria lhe escapar. Eis o buraco-negro. E pensou quando todas as estrelas do Universo se extinguissem e se tornassem buracos-negros. Eis por que o Universo se acabaria numa Grande Implosão? Os buracos-negros se atrairiam uns aos outros até que o Universo voltasse ao ponto original?

Houve um tempo que só de imaginar que a Terra se desintegraria, o pânico lhe tomava conta. Hoje ele consegue refletir sobre o fim do Universo. Progressos? O pânico ainda toma conta de si quando imagina o seu fim.

Dormiu. Mas não sem antes pensar que para estar no paraíso é preciso estar morto.

terça-feira, maio 16, 2006

A guerra da janela do carro

Eu vi o maior congestionamento de carros que eu vi na vida. O maior congestionamento da vida as autoridades não viram, pois não mediram precisamente o tamanho do congestionamento. Mas eu vi milhares de motoristas desafiando as leis da física, querendo todos ocupar os mesmos lugares ao mesmo tempo.

Eu vi um motociclista atropelando uma senhora gorda. Ele não a feriu seriamente, mas ela caiu no chão. Enquanto ela chorava de dor, eu vi um outro homem tentar levantá-la. E eu vi o motociclista indo embora, fugindo. Imaginei o que aconteceria se o atropelado fosse ele...

Eu vi uma moça no carro ao lado em desespero. Não entendi porque estava desesperada, mas eu senti seu desespero. Eu quis baixar o vidro, perguntar-lhe se precisava de ajuda, mas não o fiz. Imaginei que a deixaria mais desesperada.

Eu vi policiais cautelosos, montados em motocicletas, passando pelas entre-pistas. Vi outros policiais cautelosos, de pé nas calçadas, com armas em punho.

Eu ouvi no rádio as notícias, as autoridades e os jornalistas dizendo as batalhas, as mortes e as decisões que aconteceram e ainda aconteceriam, até ali, dali em diante.

Eu senti minha bexiga apertar, quase estourar. Eu parei no meio do caminho para urinar.

Eu fui buscar minha mãe no trabalho. Eu sabia que os ônibus não estavam circulando e ela não conseguiria chegar a salvo em casa.

Eu fiquei cinco horas no trânsito para chegar até minha casa.

E eu ainda vi, no dia seguinte quando parei num farol, um velho senhor grunhindo-me coisas ininteligíveis para me pedir esmolas. Oras, ininteligíveis?! Ele queria esmolas! Tentei responder que não poderia ajudá-lo. Nem me ouviu. Entendeu que minhas palavras não ditas não o ajudariam. E eu senti que mesmo se o ajudasse, não poderia ajudá-lo...

Eu vi a cidade em pânico, eu senti pânico. Eu vejo a cidade em guerra, eu estou em guerra.

segunda-feira, abril 24, 2006

Me ignorem

Ter sorte ou azar é coisa que vem de berço. A humanidade se desenvolveu até o momento de tal forma que poucos têm muito e muitos têm nada. Logo, sortudo é quem nasce em família rica. Como eu não nasci rico, me conformo com meu azar e sigo a vida trabalhando para sobreviver, ignorando esses lances de Mega Sena, promoções para ganhar milhões e qualquer outra gaiatice para tolher meu suado dinheirinho.

E veja como eu sou azarado. Fiquei doente de sexta-feira até domingo. Segunda-feira (hoje), acordei bonzinho, bonzinho, para trabalhar. Ah, comigo não tem esse papo auto-ajuda-calvinista. O trabalho enobrece o homem, Deus ajuda quem cedo madruga, a vida é o trabalho, etc. Quem cedo madruga ajuda a quem tem dinheiro não precisar trabalhar. Os sortudos ou os que nasceram em família rica, que são sinônimos, têm dinheiro, têm capital, e no nosso sistema o capital não trabalha. O trabalho que trabalha para o capital.

Mas há pessoas que não se conformam com esse azarismo de nascença. Há pessoas que querem ser ricas a qualquer preço. Eu sou realista, o trabalho não torna ninguém rico. É apenas um meio que nós inventamos para sobreviver. E eu também não estou falando de jogadores de futebol, cantores de música popular nem de top models. Eles são exceção à regra, pontos fora da curva. Estou falando daqueles que se conformam que trabalhando não vão enriquecer mas não desistem do objetivo, e também não caem na criminalidade. Pois os que tentam a sorte no mundo do crime, eu dedico um capítulo à parte, eu trato de maneira diferente dessas pessoas que falarei agora. Então, esses que desistem da via mais simples de levar a vida e procuram o enriquecimento, o status, a boa vida, uma vida parecida com a dos capitalistas, esses são os tais alpinistas sociais. Ouvi esse termo na boca da Taís Araújo, no Domingão do Faustão, sobre a nova personagem que ela vai interpretar na nova novela. O apresentador perguntou: "Ô louco! E aí, Taís? Sua personagem é vilã ou é mocinha?". E ela: "Ela não é mocinha, mas não é vilã, é uma alpinista social...". Caralho! É vilã ou não?!

Bem, geralmente, essas pessoas que buscam a vida boa, por outra via que não seja o trabalho, só buscam essa vida porque nasceram com a aparência física de maneira que é palatável aos padrões da nossa civilização capitalista. No popular, porque são gostosonas ou são boas pintas (vocês não acham que eu ia usar o termo "gostosão" né? sou machão!), são tipo belos para o gosto geral. São aquelas pessoas que tentam grudar num sortudo da vida, dando sexo em troca de vida boa. Quem usa sexo em troca de bens materiais é o quê mesmo? Ok, ok. Prostituir-se não significa sinal de vileza. Mas acho mais puras as meretrizes assumidas!

Olha, reconheço que meu fígado está doendo. Não era do fígado que sofri neste feriado, mas depois de tomar achocolatado à catarinense - sou palmeirense - e amargar mal estar no corpo e inflamação na garganta, meu humor está péssimo. Ainda, como disse no começo, porque hoje estou bonzinho, bonzinho de saúde. Quer dizer, ainda estou com tosse e a garganta ainda pega um pouco, mas tenho saúde suficiente para estar no batente. Mas garanto que não é inveja que sinto. Não desejo a vida boa e não me sinto inferior, por ser azarado, com relação aos sortudos. Já escolhi o trabalho como forma de levar a vida e não tenho ambições de enriquecer. Quero só poder sobreviver e dar um pouco de dignidade àqueles a quem eu for deixar o legado da miséria da existência. Porém reconheço que remo contra a maré. Olha, o Muro já caiu faz tempo, e eu não atiro pedras ao capitalismo porque quero o comunismo ou qualquer outra coisa. Atiro pedras porque têm que ser atiradas. É apenas uma questão de coerência com minha inteligência. Afinal, posso ser azarado, mas sou dotado da capacidade de pensar, tenho livre-arbítrio e tenho liberdade de expressão (importantíssimo esse bem!).

Mas me dói muito no fígado saber que sou ponto fora da curva. A maioria não critica os alpinistas sociais como eu critico. A maioria, quando podem, viram alpinistas sociais.

Confesso que minha maior frustração é não ser jogador de futebol. Seria a pessoa mais feliz do mundo se pudesse viver do futebol, mesmo se eu jogasse num time da Segunda Divisão. Com certeza, eu jogaria com muito mais raça e profissionalismo que esses pangarés que vestem a camisa do meu time (com exceção ao Marcos, infelizmente, o meu último ídolo). Eu tenho paixão por futebol, não pela fama, pelo status ou pelo dinheiro.

Ah, confesso também que meu fígado não doeria se meu time estivesse bem... Então me façam um favor. Ignorem tudo que escrevi.

segunda-feira, abril 17, 2006

Esboço de quadrilha

Giovana é modelo. Giovana parece nome de modelo, mas não é pelo nome, é porque é bonita mesmo. Anda pelas ruas sonhando desfilar em passarelas, mas ainda faz recepções em eventos publicitários. Enquanto não anda em passarelas, desfila pelas ruas.

Jeferson é pedreiro. Jeferson não parece nome de pedreiro, mas ele mistura areia, água e cimento. Junta tijolos, ergue paredes e vê Giovana desfilar pelo passeio. Vê se misturando àquele traseiro e suspira. "Êta bicho bom!"

Edna é crente. Não sei se Edna é nome de crente, mas ela é religiosa fervorosa. Anda atrás de Giovana, vê o suspiro de Jeferson, lê suas fantasias e ferve indignada. "Um tarado!", diz ao namorado ao lado.

Rovílson é o namorado. Não sei do quê Rovílson é nome, mas ele também é crente, convertido recentemente. Anda ao lado de Edna e atrás de Giovana. Vê o traseiro dela, o suspiro de Jeferson e a indignação de Edna. "É sim, meu amor!", diz ele muito prudente.

Naquela noite, no quarto, Giovana se deita em sua cama enquanto um homem de negócios, vindo do estrangeiro e que foi sua acompanhante numa festa há poucas horas atrás, se mistura ao seu traseiro. No chuveiro, Jeferson se desmistura do cimento enquanto se desmistura nas imagens em que se mistura à Giovana. No quintal, Edna chora e sente vontade de morrer enquanto descobre que seu namorado se convertera só há pouco tempo num presídio. E no mesmo quintal, Rovílson explica a sua namorada que apenas se converteu para não ser morto enquanto se mistura com violência e sem consentimento em seu corpo.

quarta-feira, abril 05, 2006

Diversas maneiras

(Diversas
Maneiras
De responder
Às perguntas
Não perguntadas
Sem respostas)

A vida,
Uma guerra
Numa estrada
Sem sentido
Com direção
Ao norte.

A morte,
O oposto,
O complemento,
O fim
Da guerra
Da vida.

Ordinária,
Sem liberdade
Ou libertária,
Com felicidade
Ou infeliz,
Solitária.

Triste,
Perene,
O complemento
Da liberdade,
A verdadeira
Companheira.

Caótica,
Sem fim,
Com fim,
Ao norte,
Na morte
-A ordem.

Na perene solidão,
Na efêmera liberdade,
Em meio à caótica ordem,
Dessa estrada infinita,
Dessa guerra invicta,
Entre a vida e a morte,

Onde está,
Aonde vai,
Onde fica,
Onde cabe,
Como é
O amor?

terça-feira, abril 04, 2006

Irraciocínio

Sou assim mesmo, sentimental.
Pois se começo sendo racional,
Percebo no outro um irracional
E termino do mesmo jeito, mal.

segunda-feira, março 27, 2006

Só uma digressãozinha

Digressão, aqui, é exceção. Não costumo comentar sobre o que escrevo. Costumo mesmo é cuspir o texto na mão e jogá-lo na parede... digo, na Grande Rede. Mas agora vai ser diferente. Afinal, sou subversivo. Se virou rotina, desrotinizo (neologismo, é neologismo)...

O texto anterior foi escrito num dia desses. Publiquei-o sem sua data de concepção propositadamente. Escrevi-o e me arrependi. Não o suficiente para que eu o apagasse, mas não gostei de nada que escrevi. Como estou numa fase seca - pigarreio, pigarreio, mas não escarro nada - resolvi catar aquele escarro seco e purulento e colocá-lo lá, agora.

Afinal, sou subversivo, sou subversivo...

Alguns excrementos cerebrais

Estive reflexivo esses dias. Não sei se porque jantei comida pesada, sonhei com fantasmas e conversei com colegas sobre assuntos da matéria, mas passei bastante reflexivo esses últimos dias.

Não há dúvidas de que o que sou hoje, o que tenho hoje, é oriundo das minhas decisões do passado. Eu sou o que decidi ser. E foram decisões sacrificantes. Mas eu não sou o que eu gostaria de ser. Não, não mesmo. E não serei o que gostaria de ser, se eu não tomar as decisões certas, hoje.

Dez em dez pessoas que ouvi disseram que gostariam de ter a oportunidade de morar no exterior, mesmo que trabalhando em subemprego, para falar outra língua, conhecer outra cultura. Pois teriam experiência de vida, teriam vivido e teriam melhores oportunidades de emprego. Ah, emprego...

Eis um ideal de vida. Curtir a juventude estudando, vivendo num outro país, conhecendo pessoas diferentes, para ficar bem qualificado e voltar à terra natal para trabalhar. Trabalho...

Aprendi nesses últimos tempos a me conhecer. Descobri que sou movido por um sentimento: paixão. Eu só consigo fazer algo com tesão. Estudar, trabalhar, foder... Ah, mas quem não é assim?

Não sei. Mas eu sou assim. Até hoje, se estou onde estou, se andei por onde andei, foi porque havia paixão em mim. E estou percebendo que não está havendo paixão no que faço atualmente. Meu fim está próximo.

Porque nessa porra de vida maldita, que quando nasci estava tudo pronto, é preciso trabalhar para sobreviver, algo que até concordo. Um sacrifício individual para um bem coletivo. Só que essa porra maldita é uma só. Não é justo e eu não aceito sacrificar parte de minha vida para o trabalho sem pelo menos ter alguma satisfação com que faço. A vida é muito estúpida se for para se sacrificar para ter e fazer outras coisas estúpidas, como ter propriedades e ser um cidadão de bem.

Eu queria ser jogador de futebol. Quero trabalhar com jornalismo esportivo ou político. Quero escrever um monte de besteiras iguais a essa mas achar que faço a melhor coisa do mundo. Quero aprender línguas mas não para arrumar emprego mas sim porque quero ser árbitro internacional de judô. Quero uma família que me ature e me faça me sentir importante. Pelo menos já tenho uma família que me ature...

Estou em novo momento crucial de minha vida, onde novas decisões serão necessárias. Qualquer decisão exigirá sacrifício. Escutei muita baboseira nesses últimos dias. O que não posso me esquecer é que eu preciso de paixão para viver.

Eu não vou para exterior nenhum, não vou fazer trabalho que gente que se acha superior, mas é inferior a mim, não quer fazer. Só para estar bem qualificado, para ser um peça utilizável num sistema que eu nego e nunca aceitarei.

A minha vida é uma só. E eu sou o que eu decido ser.

terça-feira, março 21, 2006

6h05 da manhã

6h05 da manhã. Atravesso a ponte para pegar a via expressa da Marginal Tietê. Olho para o leste e vejo que o sol ainda não surgiu no horizonte, mas já tinge as nuvens e o nada em que elas estão suspensas de dourado. A oeste, uma combinação do azulado ao violeta compõe o restante do espaço. Me lembro de Vanilla Sky e do céu com cores de Monet daquele filme. Me lembro que ele realizava sua vida nos sonhos.

Ultimamente tenho sonhado muito. Sonhos reais. Acordo sempre com a sensação de que tudo realmente havia acontecido. Tenho sonhado muito com o que tenho vivido ultimamente. E ultimamente, fórmulas financeiras, carros sem documento e cavaleiros brancos têm convivido comigo. Até quando durmo.

A Marginal Tietê me conduz ao oeste, mas vou ao norte. Já faz muito tempo que sempre vou a oeste, mas antes não ia a lugar nenhum. Agora, sempre vou ao norte. Não para derrubar as estrelas e as listras, como quis antes, mas porque ao norte é o sentido de tudo, de tudo que há na vida, e da vida... Acho que ainda desejo derrubar as estrelas, as listras, as foices, os martelos, os feixes, os cata-ventos, as mãos invisíveis, tudo que surge e que responsabilizo por desgraças da nossa espécie. Hoje desejo muito derrubar um monstro, mas este tem muitos asseclas e tem um formidável poder corruptor. Ele corrompe e coopta com muita facilidade seus fanáticos. E eles são muitos, e eu acho que estou ficando muito velho para sustentar rebeldismos. Não sucumbo a ele, mas não tenho mais energia para combatê-lo e para combatê-los.

Principalmente, porque os cavaleiros brancos insistem em querer minhas entranhas. Eles são invencíveis e eu já perdi muito tempo combatendo-os. Não luto com mais nenhum deles. A vitória contra um invencível só é possível sem confronto.

E eu sou invencível.

quarta-feira, março 08, 2006

Pelo menos tem início

Estou sem escrever uma crônica há um bom tempo. Para quem se propôs a escrever um diário, mesmo que subversivo - que não é diário porque diário escrito todo o dia é ordinário - um mês já é justificativa para eu mudar o título deste blog para "Mensalão de um Subversivo" ("mensalão" é uma palavra subversiva, não acham? [irônico]). Bem, na verdade, não estou sem escrever todo esse tempo, eu estou é sem terminar um texto todo esse tempo. O que me é agoniante.

Comecei a escrever uma autocrônica, quero dizer, uma crônica sobre a subversividade. Não terminei. Depois, devido ao fato do Exército estar cercando as favelas cariocas na tentativa de recuperar os armamentos que lhe foram roubados, iniciei outro texto, que não consegui concluir. E hoje, por ser o Dia Internacional da Mulher, pensei em começar a escrever mais um texto, para discorrer sobre o evento. Queria dizer que reconheço a importância da data, mas que não considero isso motivo para comemorações ou felicitações. Eu, se fosse mulher, ficaria incomodado com o fato de necessitar haver um dia para lembrar que as mulheres são iguais aos homens e têm os mesmos direitos. Faço uma comparação com o Dia do Trabalho. Com exceção do 1º de Maio, todos os outros dias do ano são dos Dias do Capital. Quem precisa lembrar que o Capital é predominante, não é mesmo?

Mas não sei o que me acontece, eu não estou conseguindo terminar os meus textos. E isso me incomoda bastante. Escrever é um prazer para mim e eu gostaria de torná-lo um hábito em minha vida porque

quinta-feira, fevereiro 09, 2006

O amor das flores

Rosa amava Cravinhos. Mas ele não demonstrava seu amor. Ela se aproximava dele e ele se afastava. Quando por força das circunstâncias não conseguia se afastar, ele tremia todo. E quando tinham que trocar algumas palavras era evasivo, frio, quase seco. Era assim porque temia ser humilhado. O Rosa era muito tímido.

Cravinhos amava Flores. E ela também não demonstrava seu amor. Ela era muito orgulhosa, fingia indiferença quando ele se aproximava. É que ele não a notava e ela não gostava de parecer que corria atrás de quem quer que fosse. Era assim porque temia ser rejeitada. A Cravinhos era muito orgulhosa.

Flores era um rapaz vistoso que sempre se fazia notar. Todas as moças do departamento sentiam-se atraídas por ele. E ele não fazia por menos, queria chamar a atenção de todas e queria atraí-las todas para a sua cama. Flores não amava ninguém.

Então o Flores quis a atenção de Cravinhos e passou a cortejá-la. Cravinhos caiu no ardil de Flores e se abriu feito uma rosa. E o Rosa, que sempre notou Cravinhos, notou tudo e só chorou.

Mas Flores não tinha sentimento, não amava ninguém e Cravinhos esperou que ele a amasse. Porém, ela não suportou a indiferença e se fechou, rejeitou Flores e ficou com os espinhos e seu orgulho. E o Rosa chorou mais ainda. Ele via o choro de Cravinhos, via que o choro não era por ele, e chorava. Só chorava.

Já saciado de Cravinhos, Flores foi cortejar Margarida, cujo perfume lhe era ainda inédito. Flores continuou não amando ninguém pois o tipo de sentimento que queria era de um tipo diverso. Cravinhos ainda amou Flores mas, por não suportar amar sem ser amada, conteve seus sentimentos e continuou sofrendo por não ter o amor de Flores. O Rosa também amou Cravinhos mas, por temer ser humilhado, continuou sem demonstrar seus sentimentos e a sofrer por ficar sem Cravinhos.

E assim, por toda a história, o amor não existiu. Pois o amor só acontece quando os sentimentos são expressados. Quando os sentimentos são contidos, são como se não existissem.

Assim como o amor de Flores.

sexta-feira, fevereiro 03, 2006

Olhos lêem

Doze pares de olhos me observam
Será que escutam meus pensamentos?

Finjo, mas confesso que não sei dissimular
A mente voluntaria ao corpo não voluntariar
Sair correndo, chutando, esmurrando
Tudo que aparecer se manifestando

Finjo, mas confeso que não sei dissimular
A vontade de os vinte quatro espiões furar
Se escutam meus pensamentos, daqui não saio vivo
Se escutam meus...

(cabeça espatifada espalhando
miolos sangrantes no chão)

Escrito em 20/05/2005

terça-feira, janeiro 31, 2006

Indivíduo medieval

Está atomizado a sua motocicleta. Assim, tudo o que ocorrer a um, ocorrerá à outra. É o risco que corre por correr para chegar ao trabalho. Mora a quarenta quilômetros distantes do escritório. Entra cedo e o chefe já dissera que não toleraria mais atrasos - a carne será cortada!

Está na pista expressa da Marginal Tietê. Vendera o carro para comprar a moto e assim não perder o emprego. Não tem mais o rádio para lhe ocupar a mente enquanto enfrenta o inexorável trânsito paulistano. Não tem mais o trânsito - transita pelas entre-pistas. Mas tem o vazio que agora é ocupado pelos pensamentos desenfreados que surgem na mente.

Ultrapassa os carros e caminhões. E a vida passa em si - uma vida desmotivada. Que não justifica a necessidade de passar suas melhores horas do dia em benefício de outros que passam essas mesmas horas de melhor maneira. Que não lhe permite que essas horas possam ser passadas com algo que lhe satisfaça. Que não lhe dá explicações sobre as angústias que o afligem. Que não tem sentido. Que talvez nem Deus tenha. Onde não há diferença entre existir e não existir. Uma vida onde o único fim é a morte!

Imagina-se na cela de um cavalo, empunhando uma espada. A cada golpe, uma cabeça decepada. Ah, como seria fácil a vida assim! Uma vida cujo único motivo é a luta - franca e justa! Onde se sabe quem são os inimigos. Onde se sabe como será a morte.

Nos ferros do guard-rail da via. Onde seu corpo é arremessado. Um carro não dá seta mas vira. Viajavam em alta velocidade, o automóvel, ele e seus pensamentos - todos freados repentinamente.

Num só golpe, outra cabeça decepada... A carne foi cortada.

terça-feira, janeiro 24, 2006

Abstinência de você

Secura na goela, batimentos acelerados, dor de cabeça. Concentração é impossível. Terrível! Deve ser isso que um dependente químico deve sentir quando fica sem a droga...

Dou um salto, me levanto. Corro para o carro e corro para a rua. Quarenta quilômetros que levarão quarenta minutos. Ai meu Deus! É muito tempo! Não sei se aguento...

Ponho um CD. "Filmes de Guerra, Canções de Amor". Quarenta minutos! Quarenta minutos! Vai dar para me distrair enquanto não passam os quarenta quilômetros. Acompanho o CD cantando. "Mapas do Acaso", "Além dos Outdoors", "Pra Entender", "Quanto Vale a Vida?"...

Acaba a voz. A goela, a boca, os lábios. Tudo seco. Sem voz. Com tempo demais para chegar lá, sem tempo para aguentar...

Sussuro as músicas. Preciso de distração. Vinte e cinco minutos. Ainda! Vinte e cinco minutos! "Crônica", "Pra Ser Sincero", "Muros e Grades", "Alívio Imediato"... Alívio?! Imediato?! Sacrilégio!

É o alto de um viaduto. Consigo ver a cidade de relance. Os prédios, as luzes. Está uma noite bonita. O que seria de mim se fosse dia e se essas ruas estivessem congestionadas? Oitenta quilômetros por hora. Estou em velocidade constante desde meia hora atrás. Não reconheço o vermelho dos faróis. "Ando só", "O Exército de Um Homem Só", "Às Vezes Nunca". A minha preferida do álbum. Saboreio a canção. "... o que você faria se estivesse no meu lugar... se tivesse que fugir e não pudesse escapar?"... Opa! Cheguei...

Saio do carro e disparo para o portão. Entro no quintal, paro na porta, toco a campainha. Até ela abrir leva alguns segundos. Uma eternidade! Abriu...

Agarro-a. Fecho os olhos e a levo a minha boca. Isso sim, alívio imediato! Cessa a dor na cabeça, a frequência cardíaca se normaliza, a via bucal se entumece. Faço uma pausa e respiro...

Vejo você. Os verdes olhos, os doces lábios, o lindo rosto. E volto a beijá-la...