sexta-feira, maio 26, 2006

Diabólica

(de "Crônicas da Guerra Civil")

Madrugada de uma sexta para um sábado qualquer. Três motocicletas e sete indivíduos estavam estacionados à sombra de uma rua sem saída, num bairro suburbano qualquer da cidade. Fumavam cigarro e maconha, e conversavam em voz baixa sobre o clima e sobre o que iriam fazer dali a pouco.

- Me explica essa história, o chefe é mulher?, argüiu um deles, novato no grupo e que atendia por Cabecinha.

- É. E o que tem?, respondeu um outro.

Então chegou uma moto. Estacionou à mesma sombra em que se encontravam os outros sete. O motociclista desceu da moto e tirou o capacete. Lindos louros cabelos, apesar de tingidos, surgiram, e a tal figura aproximou-se deles.

- Vamos! É chegada a hora!, comandou uma voz doce e firme.

Conferiram pela última vez o arsenal. Uma dúzia de granadas, sete pistolas automáticas e um três oitão, arma predileta do chefe. Subiram dois em cada moto. Em sua moto, o chefe ficou na garupa.

- Malucão, como é gostosa essa mina! Ah, se eu pego ela!, comentou o Cabecinha com seu parceiro, que pilotava a moto.

- Cabecinha, se tem amor a sua vida, não se esqueça do estatuto e das regras que lhe falei! E principalmente: trate o chefe como homem!

- Ah, vou mesmo! Que nem tratei os homens lá do xadrez: traçando-lhes o cu!

O chefe tinha nome: Diabólica. E não à toa. Corpo atlético, sensual, cabelos louros, tingidos, é verdade, e de propósito. Para ficar tipo mulher fatal. Mulher que tem poder. Ela é a namorada de um dos maiores figurões da facção, um tal de Leão, que hoje está preso. Mesmo na cadeia, ele não corre o risco de ser corneado, Diabólica é fiel. Pelo menos, enquanto ele tiver poder. Antes de namorar esse figurão, Diabólica namorava um ex-dirigente do grupo criminoso. Foi ela quem ajudou o atual namorado a liquidá-lo para tomar-lhe o posto. Ela pressentiu que o ex estava se enfraquecendo e perdendo apoio. "Sou mulher de um malandro só, mas não vou me tornar viúva.", e Diabólica farejou que Leão estava em ascensão dentro do grupo e seduziu-o para manter seu status na organização.

Mas Diabólica não é qualquer uma dessas mulheres de malandro que se tem por aí. Ela não só faz sexo em troca da proteção e do status de ser a companheira de um alta patente do mundo do crime. Ela gosta da linha de frente. Gosta de pegar o três oitão e fazer as diligências, comandar os capangas em missões e elaborar as estratégias. Tem QI elevado e é o principal conselheiro de Leão. Quantas idéias já não chegaram aos seus ouvidos após as noitadas de sexo selvagem!

A missão da noite era simples. Passar fogo em todos os polícias do DP mais próximo dali. E depois, atirar as granadas contra o prédio. Simples e seria fácil. Tinham a informação de que eles não estariam esperando tal ousadia.

Foi cena de cinema. As quatro motos pararam em frente à delegacia. Os que estavam na garupa desceram, sacaram as armas e atiraram em qualquer um que viram se movendo. Quando outras balas começaram a vir em resposta, saltaram de volta nas garupas, de costas para os pilotos, e mandaram as granadas. Não sofreram um arranhão. Em compensação, os policiais...

- Putaquepariu! Quantos será que apagamos?, perguntou o eufórico Cabecinha, quando estacionaram de novo à sombra de uma outra ruela qualquer.

- Amanhã saberemos pelas páginas dos jornais!, respondeu Diabólica.

- Ah, meu amorzinho, então vem cá, vamos comemorar! Aí rapaziada, vamos fazer uma festinha agora...

Cabecinha só teve Diabólica em seus braços por míseros instantes. Os outros seis o agarraram, atirando-o ao chão em seguida. Deram-lhe várias botinadas. Cabecinha cuspiu sangue.

- Porra Malucão, você é meu irmão! Por que fez isso comigo? Vamos comer a gostosa? Você não é macho?

- Eu não sou é vacilão! E sem vacilar, deu-lhe dois tiros no meio dos olhos.

Um comentário:

Soraya disse...

Saudades de nossos papos.
Beijos.