sexta-feira, dezembro 14, 2007

Mais uma vítima da Turma do Amendoim

Tenho que contar essa. Não sei se vocês conhecem, mas existe um jogo de computador muito famoso, principalmente na Europa, chamado Championship Manager. Nele, cada jogador é um treinador, que começa em uma equipe e fica responsável por toda a parte administrativa e técnica de um clube de futebol. Ou seja, você contrata e dispensa os jogadores, define os salários, define os esquemas táticos, os tipo de treinos, pré-temporada e o que mais você imaginar que envolve o dia-a-dia do futebol. Não se trata de um jogo de futebol comum, tipo o Winning Eleven da plataforma Play Station, trata-se mesmo de um jogo de cálculo, de interface gráfica mínima. Quem não tem paciência não vai gostar nunca deste jogo. Mas quem tem, gosta e vira fanático, como eu, que jogo isso desde o ano 2000.

Pois bem, iniciei há uns meses um jogo que começava na temporada de 2003. Como sou palmeirense fanático, logicamente escolhi o Palmeiras para treinar. Como o jogo procura simular praticamente tudo, inclusive os nomes e as características técnicas dos jogadores e também a situação política e financeira dos clubes, minha primeira missão era fazer o Verdão voltar a Série A, já que em 2002, havíamos caído para a Série B.

O elenco era de razoável para fraco. De jogadores notáveis eu tinha o Marcos (goleiro), o Magrão (médio) e o Leandro Amaral (atacante), o resto era de mediano para ruim. Havia também o Juninho (médio-atacante), que estava emprestado, e iria demorar alguns meses para eu poder contar com ele para a temporada. Tive que promover uma grande reformulação no elenco, e ainda tive que conter o assédio dos outros clubes que queriam a todo custo me levar o Marcos e o Leandro Amaral. O assédio foi tanto que acabei sendo obrigado a negociar o Marcos, pois as propostas que ele recebia eram tão sedutoras que ele já estava desanimado por não poder se transferir. Fiz a vontade dele, mas acordei que ele só sairia ao final de 2003 e por uma boa bagatela (US$ 8M). Graças a Deus deu tudo certo. O Paulistão e a Copa do Brasil foram os meus laboratórios para dar uma cara ao time. Fiz uma boa garimpagem pelo país, botei meus olheiros para pesquisar promessas, jogadores com potencial e baratos, e para as posições mais delicadas, recorri aos empréstimos. Além disso, tive a sorte de fazer dois negociões, contratei sem custo Yan (médio-atacante) do Fluminense e o Deivid (atacante), que estava emprestado para o exterior mas tinha o passe preso a uma equipe pequena. Yan se tornou meu homem de confiança no meio-campo e o Deivid virou ídolo e jogador de seleção brasileira. Fomos campeões da Série B em 2003, voltamos à Série A no ano seguinte e dali para a frente foi uma coleção de títulos. Papei 3 Paulistões (2004, 2007, 2008), 1 Copa do Brasil (2006), 3 campeonatos Brasileirões (2005, 2006, 2007), 3 Libertadores (2006, 2007 e 2008) e 2 Mundiais (2006 e 2007). Fora isso, fiz o clube ter lucros, pois meus jogadores não tinham os maiores salários, o atrativo para eles era jogar numa equipe vencedora, ganhava muitos prêmios pelos títulos, e fiz diversas negociações milionárias, dentre elas o Juninho por US$ 14M, o Leandro Amaral por US$ 6M, Martinez (médio) por US$ 5M, e o Marcos, como já havia mencionado. A soma dos valores de venda dos jogadores era bem superior à soma que usei para investir na compra porque eu usava uma estratégia bem persuasiva para contratá-los. Quando aparecia a notícia de que algum time estava com dificuldades financeiras, eu ia lá e fazia propostas para os seus melhores jogadores. Como eles estavam na pindaíba, acabavam negociando por valores bem abaixo de mercado. Assim eu trouxe jogadores muito úteis como o Liédson (atacante), o Anderson (lateral-esquerdo) e o André Bahia (zagueiro), de equipes como Flamengo, Botafogo e Vitória, que no decorrer das temporadas padeceram financeiramente.

Pois é. Mesmo com uma administração arrojada e inovadora como essa, fui vítima da Turma do Amendoim. Devido a alta freqüência de jogos e às dificuldades que o calendário impunha, eu priorizei a Libertadores na temporada de 2008, para isso tive que escalar uma equipe reserva nas primeiras partidas do Brasileirão, que se iniciou concomitantemente com o torneio sul-americano. Resultado, faturei a Libertadores, porém, ocupava posições intermediárias na tabela do torneio nacional. Por causa disso, a torcida se enfureceu e boa parte dos jogadores se desanimou, eles acreditavam que a equipe poderia ocupar posições melhores no campeonato. As rodadas foram passando e, mesmo eu vencendo os jogos e chegando à quarta posição, a diretoria se sentiu pressionada e me demitiu. Simples assim.

Que gosto amargo que fica. Fiz um puta de um trabalho, ganhei um caminhão de títulos e fui demitido porque os torcedores estavam achando que uma troca de treinador seria benéfica para incentivar o elenco. Fui dormir ontem me sentindo um lixo. O que doeu mais é que foi com o meu time de coração, o meu Palestra querido.

Mas a vida continua, e eu tenho que seguir o meu curso. Pintou uma vaga para treinar o Vitória e eu fui aceito. O time se encontra na Série B e o elenco é muito pior do que aquele que eu encontrei no Verdão em 2003. Será um grande desafio, e por isso que estou animado. Para 2008, infelizmente não vai dar para promover o time para a Primeirona. Mas já estou reformulando o elenco pensando em 2009. Felizmente, uma parte do meu elenco no Palmeiras não está sendo aproveitada pelo Tite, o técnico que me substituiu lá. Já trouxe dois reforços, o Paulo Baier (lateral) e uma jovem promessa, o Nilton Ramos da Silva (médio-atacante). Além disso estou tentando trazer o Diego Cavalieri (goleiro) e o Ivan, um bom lateral-esquerdo, que não sei porque foi para o time de reservas. Com eles e mais algumas peças em posições específicas, e vai dar para fazer o Vitória voltar à elite em 2010.

domingo, dezembro 02, 2007

Coração Esclerosado

Estás aí escrevendo
rimas binárias pra deleite de processador?!

Ó coração esclerosado,
por que não amoleces mais?
Perdeste o atributo de realizar lágrimas?

Olha ao teu redor,
para os lados do mundo
e pára de pensar em relações concretas de objetos abstratos!

Olha para mim!
Sou tuas cãimbras emocionais,
que não se compreendem com meras sinapses racionais.

E volta aqui a escrever
as rimas nenhumas pro teu próprio prazer!

sábado, outubro 20, 2007

Registro do tempo

Tanta coisa para fazer nas últimas semanas, tão pouco tempo para desintoxicar meu cérebro, e nem me dei conta que amanhã fará cinco anos que trabalho numa mesma empresa, e que no primeiro dia deste mês eu fiz dez anos de profissão - a de desenvolvedor de sistemas de informática.

Eis o registro. Do tempo, que está passando, e de mim, que estou ficando velho.

terça-feira, outubro 16, 2007

O torcedor, um consumidor?

(O consumidor pode ser um torcedor, mas o torcedor não deve ser um consumidor)

Acabo de ler uma matéria no Globo.com a respeito da última pesquisa sobre as torcidas dos clubes brasileiros, "Pesquisas confirmam os cinco maiores". A pesquisa, realizada pela CNT/Sensus, diz o mesmo que as pesquisas anteriores: as maiores torcidas brasileiras continuam sendo a flamenguista, a corintiana, a sãopaulina, a palmeirense e a vascaína (respectivamente, em ordem de grandeza). As porcentagens divergem um pouco, mas a ordem não.

Pois bem, estou escrevendo agora, não pela pesquisa em si, mas sim pelo que li no último parágrafo da referida matéria. É conhecido que o dirigente sãopaulino, o Marco Aurélio Cunha, gosta muito de provocar os adversários, dar declarações polêmicas, criar um clima sobre qualquer assunto referente às rivalidades entre os clubes. O que não é ruim, pelo contrário, é algo que ele sempre faz respeitosamente. Futebol também serve (aliás, só deveria servir) para diversão, e na medida em que as rivalidades não ultrapassam a linha do fanatismo, as provocações entre os rivais são gostosas de se ver. Porém, não dá para admitir o que ele afirma em sua declaração. Não dá para admitir que "o torcedor quer títulos e administração limpa" somente.

Como eu disse, o referido sãopaulino é um provocador. É fácil perceber que ele só está puxando a sardinha pro lado dele, exaltando o momento atual em que o São Paulo Futebol Clube vive, já que o clube concorre o título de todo campeonato que disputa, o que é fruto de sua administração. É óbvio que o objetivo primário de sua declaração é alfinetar a torcida corintiana que, apesar do desastre que é a sua administração, tendo em vista o noticiário sobre a política alvinegra dos últimos tempos, ainda detém a hegemonia perante a massa de torcedores dos clubes paulistas. Com a manutenção da fase em que Corinthians e São Paulo atravessam hoje, conforme disse o Marco Aurélio, amanhã a torcida sãopaulina ultrapassará a corintiana, o que seria um golpe tremendo no ego dos alvinegros, que se orgulham de ser a maior torcida de São Paulo, e ainda contestam a hegemonia flameguista em nível nacional.

Contudo, o que está no pano de fundo de sua declaração transcende o contexto das rivalidades entre torcidas. Quando o dirigente tricolor diz que o "torcedor quer títulos e administração limpa", ele poderia estar dizendo que o "consumidor quer títulos e administração limpa". E também não seria absurdo nenhum dizer que o "cidadão quer administração limpa", se levarmos a coisa para o âmbito dos direitos políticos. Mas vamos ficar somente no contexto mercadológico, que é o que acho mais importante para a discussão, uma vez que o futebol é um negócio que gera muito dinheiro. Para uma pouca gente, infelizmente.

Eu vou falar por mim. Eu não torço pro Palmeiras só porque eu quero títulos e administração limpa. O Palmeiras passou por uma fase de jejum de títulos justamente na fase em que eu me descobri gente e me interessei por futebol. Eu nasci em 1980, fui ao estádio a primeira vez em 1986, quando assisti a um Palmeiras x Corinthians no Pacaembu, levado por meu pai. Ali fazia dez anos que o Verdão não erguia taça alguma, algo que foi acontecer somente em 1993. Durante esse período de jejum, como eu sonhava em ser jogador de futebol, já cheguei a vestir a camisa corintiana nos campeonatos de mirins da várzea. Já cheguei, inclusive, a pegar autógrafos de corintianos como o Neto e o Ronaldo, uma vez que eu treinava nos terrões do Parque São Jorge, justamente naquele ano em que o Corinthians foi campeão brasileiro pela primeira vez. E nem por isso eu deixei de ser palmeirense. E depois, quando a Parmalat foi-se embora, levando junto os grandes esquadrões alviverdes da década de 90, e em seu lugar veio a pior administração palmeirense de toda a sua história - pois nunca poderemos nos livrar da queda a Série B em 2002, fruto da medíocre administração de Mustafá Contursi que, junto com Vanderlei Luxemburgo, foi o principal responsável por esta mancha na vida de cada palmeirense - nem isso tudo me fez desistir da minha paixão.

Aliás, é justamente por isso, pela paixão que move cada torcedor, que não dá para admitir a declaração de Marco Aurélio. Quando uma pessoa escolhe um time para habitar o coração, não é por causa dos títulos que o time vem ganhando. Se fosse assim, eu não seria palmeirense; a torcida corintiana estaria à beira da extinção em 1977, quando findou o jejum de 23 anos sem títulos (e além de não estar para se extinguir, ainda era a maior de São Paulo); e a torcida sãopaulina já era para ser a maior do Brasil, pois já faz mais de dez anos que o tricolor é bi-campeão mundial (agora é tri), e o Flamengo é somente campeão mundial, título conquistado no longínquo 1981.

Definitivamente, o torcedor não quer títulos e administração limpa. Ele quer é torcer pelo time que ele se apaixonou, só isso. E digo mais, é esta visão mercantil e, a meu ver, tacanha do futebol que vai matar o próprio futebol. Pois hoje é o tempo em que os jogadores trocam de time como se trocam de cueca, o que já limou os ídolos das torcidas brasileiras, salvo às exceções de praxe (Marcos e Rogério Ceni). Hoje é o tempo do futebol brucutu, em que se exalta o pragmatismo burocrático, expressado pelo próprio São Paulo, em detrimento dos craques, como o Kérlon ou o nosso Valdívia, que quando tentam expressar a sua arte, são caçados impiedosamente pelos truculentos de dentro do campo, os zagueiros e volantes do naipe de Gavilán e Sandro Goiano, e de fora do campo, os cronistas do naipe de Paulo Morsa ou Arnaldo César Coelho, que vivem a dizer por aí que tal jogador é cai-cai, ou que tal jogador provoca os adversários.

Felizmente, as razões para que um torcedor seja torcedor são muitas, não só a razão apresentada pelo Marco Aurélio. Porém, as razões para que o futebol brasileiro esteja nesta condição em que se encontra são muitas e, infelizmente, este espaço é pequeno e insuficiente para esmiuçá-las. O que quero deixar explícito é que a minha defesa aos craques e aos ídolos de futebol não é puro saudosismo. É uma tentativa de se fazer abrir os olhos dos empreendedores do futebol. Antes de o futebol ser esse colosso mercantil que é, o futebol foi amador e movido pela paixão. Aliás, ainda é movido pela paixão, pois o torcedor, tanto na frente da tevê como sentado na arquibancada, quer é ver os grandes lances, vibrar com as jogadas espetaculares, comemorar os golaços. O torcedor quer é se emocionar.

quarta-feira, outubro 03, 2007

O pior cego é o mais feliz

"Como ela pode fazer isso? Tão moralista. E tão ciumenta. Mas isso não vai ficar assim!" Telefonou ao namorado da amiga, a fim de marcar um encontro e contar a sua descoberta.

- Então José, o que você me diz disso?

José dá um gole do seu chope bem calmamente, e encara Adriana. Acabou de ouvir que era um corno, mas o que ressoa em seu ouvido agora não é isso. José é um pragmático e um homem muito sensato, um advogado zeloso e ponderado, nunca iria acreditar numa acusação, de quem quer que fosse, sem as devidas provas concretas. Ainda mais uma acusação como essa, que lhe afeta incisivamente. O que orbita a mente de José é sobre o porquê da melhor amiga de sua namorada vir lhe contar tal história. "Se eu conto a alguém que este alguém é um corno, é porque eu espero que este alguém tome alguma providência, para limpar sua honra", deduz José. Queria Adriana que José terminasse com Cecília? Se sim, por quê? Adriana estaria a fim de José? Passa a analisar a moça mais detidamente. Adriana não é bonita, definitivamente. O nariz é torto, o rosto tem uma expressão meio azeda, de quem está sempre de mal humor. E o corpo é magro. Não tem peito, tem uma bundinha bem mixuruca, umas pernas de saracura. Ou seja, não dá para encarar. A não ser, então, que ela estivesse afim de sua namorada? Seria ela lésbica?

- Você tem namorado?

- Como?

- Sim, isso. Quero saber se você tem namorado?

- Mas, o que tem a ver isso? Eu acabei de lhe dizer que a Cecília se encontra secretamente com um outro homem e você quer saber se eu tenho namorado?

- Tem ou não tem?

- Oras, não!

Ah, mas que estupidez! O que prova se ela tem ou não tem namorado? Se tem, prova que não é lésbica e que não está a fim dele. Mas se não tem, não dá para provar nem uma coisa nem outra.

- Ah, sim, entendi. Não é nada disso. Primeiro que Cecília é muito amiga minha, eu nunca iria desejar homem algum dela. Segundo que você não faz o meu tipo...

- Por quê, então?

- Por quê? Oras, você quer saber mesmo? Eu não gosto de homens baixos...

- Por que você está me contando que Cecília está me traindo, afinal?

- Ah, tá, me desculpe, entendi que você queria saber...

- Não se preocupe, eu também nunca comeria você, ficamos assim quites.

Um relâmpago de ódio sai dos olhos de Adriana. Que mulher gosta de ser rejeitada desta maneira?

- Escuta aqui, eu só estou querendo lhe ajudar, mas vejo que você merece chifres mesmo, deve ser um baita dum brocha!

Ela se levanta bruscamente, quase derruba os copos de chope.

- Procure saber o que ela faz nas segundas em que você joga futebol, seu otário!

E vai-se embora. José a vê sair e vê todos que vêem tal cena. Fica enrubescido, mas não dá um pio. Não iria dar créditos àquela louca. Não é brocha, sabe disso. Comparece semanalmente com Cecília. Quer dizer, houve aquela vez em que refugou, mas também foi só uma vez, uma ocasião bem atípica. Estava sofrendo muita pressão no trabalho, o cliente não estava confiando nele, e a firma prescindia daquela causa. E ainda tinha a doença do pai, que estava internado. Mas será que Cecília foi capaz disso? De contar para a amiga da fatal brochada? E pior, seria Cecília capaz de arranjar um amante?

Sorve todo o chope do copo de uma vez só. Calma, José, todos são inocentes até que se prove o contrário. Cecília não tem antecedentes e nunca deu motivos para suspeitas. É verdade, contudo, que não existe ninguém que esteja acima de qualquer suspeita, não é mesmo? Mas será mesmo? A Cecília, uma moça tão recatada, tão moralista, que vive a criticar as prostitutas, as infiéis e as exibicionistas? E ela, que é tão ciumenta, que marca tão junto quanto um cabeça-de-área daqueles bem perna-de-pau? Não, traição não é compatível com o seu perfil.

Vê que Adriana deixou bastante chope dando sopa e também manda pra dentro. "É, não tem jeito. Só investigando."

Segunda-feira à noite. José dá uma desculpa aos amigos e não vai jogar futebol. Toma emprestado o carro de um amigo e se tocaia próximo à casa de Cecília. Ligou para ela minutos antes, para dizer um "eu te amo" e se certificar de que ela está mesmo em casa. No carro, enquanto pratica a sua tocaia, elabora algumas reflexões a respeito de uma nova questão, além da de saber se Adriana tem ou não razão e se Cecília é uma infiel. O que fazer se for verdade mesmo? Oras, terminar a relação, sem dúvida, mas, quer mesmo ter que fazer isso? Se a amiga, aliás, mui amiga, não lhe contasse nada, José continuaria do mesmo jeito, sem saber que pode ser corno e jogando seu sagrado futebolzinho de segunda-feira numa boa, como sempre. Ao passo que, descobrindo a infidelidade de Cecília, teria que terminar tudo, porque é homem honrado, e teria que passar o vexame de responder aos amigos, quando lhe perguntassem o porquê de estar solteiro, "porque peguei ela com outro!". Sim, porque José, como dito, é homem honrado, nunca mentiria. Contudo, se ele não descobrisse nada, não teria que mentir.

E agora, José? Vai ficar até o fim e correr o risco de se descobrir corno, ou vai embora e ficar até o fim com a dúvida pairando na cabeça? "Essa Adriana é uma vaca, uma mal-comida! Aliás, nem comida ela é!"

Taí, questão resolvida. É a vaca da Adriana que quer dar para o José, e ele caindo em seu ardil. "Eu, cair nestes joguetes de mulherzinha? Sou mais esperto!" José engata a primeira e se evapora. Olha só, ainda vai dar para chegar a tempo de bater a religiosa bolinha.

Não dá nem cinco minutos. A campainha de Cecília toca. A porta se abre e um homem adentra a casa. É recebido pela namorada de José.

quarta-feira, setembro 26, 2007

Se meu fígado falasse

Eu já sei que não sou o homem das palavras belas, das idéias brilhantes, dos discursos irrepreensíveis, do carisma arrebatador. Pelo contrário, eu sou impopular, meu discurso é estreito, é maniqueísta, é preto ou branco ou zero e um. Minhas idéias são medianas e minhas palavras são lugares comuns. Aliás, é isso, eu sou um homem comum.

Ou melhor, sou mais que isso. Ou menos... Eu sou pior. Eu tenho dificuldades em ordenar as idéias. Mal consigo capiturá-las e bem tento expulsá-las. Já passei muito vexame. Um amigo me disse uma vez que talvez eu tenha dislexia. Será? Oras, por que não? Se eu vivo a provar consistentemente que sou incapaz de ler e compreender todo esse mundo, toda essa gente, todo o santo dia...

Ah, um dia eu me canso. Sim, me canso, e desisto de resistir ao fato de que os sessenta, setenta, oitenta, ou sei lá quantas dezenas de anos que estarei por aqui nunca serão mais que nada, mas nem um nada a mais, diante do resto de tempo que ainda há por vir. Me canso e paro de querer apreender essas idéias que nunca consigo, e dou um jeito de voltar à ignorância inicial.

terça-feira, setembro 18, 2007

Seleção subversiva

Acho que é inevitável. Depois de viver alguns certos punhados de anos, o indivíduo acaba se dando conta de que a vida é um processo, um sistema, com início, meio e fim, e com subprocessos que, algumas vezes, são cíclicos. Eu olho para a minha vida e vejo um sistema, vejo os processos que estão ocorrendo, vejo os outros que já se encerraram, e vejo uns que se iniciam e se encerram ciclicamente.

Dentre os processos cíclicos, vejo um processo que se dá da seguinte forma. O indivíduo recorre à sua base de experiências e formula (ou reformula) o seu planejamento para o porvir. Geralmente, este processo ocorre quando algum outro processo se encerra. Mas isso não é regra, pois este processo de recorrência às experiências passadas pode ser disparado a qualquer tempo. Creio que a regra para este disparo é quando uma grande decisão está para ser tomada pelo indivíduo. Mesmo que o revisitar das experiências passadas seja infrutífero, o processo ocorre, e algum planejamento é formulado para suportar a grande decisão a ser tomada (mesmo que a decisão seja nenhuma).

Estou beirando os vinte e sete, daqui a pouco Saturno me dá as caras e, logo mais, o dígito da dezena é incrementado. O tempo voa aceleradamente e a vida vai me escapando cada vez mais como areia entre os dedos. E quanto mais vai me escapando, mais vai me deixando marcas. As mesmas que marcam minha base de dados de experiências que eu tenho recorrido sempre que preciso formular ou reformular meus planos de vôo.

Estive executando este processo ultimamente. Estive relendo muita besteira que tenho escrito e publicado neste blog. Senti a necessidade de criar um índice para esta minha base de dados. Criei uma seção, ali à direita, chamada "Seleção subversiva". Não são os melhores textos que já escrevi, porque, tal qual um pai aos seus filhos, eu amo e considero igualmente todas as minhas criações. Mas são os textos que, de uma certa forma, marcam a história deste blog, que também não deixa de ser um processo, por si só, e um subprocesso da minha vida.

quinta-feira, setembro 06, 2007

A volta do mala

Eu sempre pensei em ser escritor, desde pequenino. Eu pensava em escrever um romance, quer dizer, ainda penso, mas conforme fui crescendo, fui gostando mais do estilo crônica. Acho que por causa de uma deficiência intelecto-temperamental minha: não tenho paciência para produzir algo tão grande e demorado. Por isso que quando criei este blog, meu objetivo era dar vazão a esse anseio. Aquilo que antes eu escrevia em papel, ou que guardava em arquivos txt no meu hd, seria publicado aqui. E por ser o formato blog bastante eficiente para a publicação de crônicas, ficou perfeito para mim. Talvez eu não seja o escritor que eu imaginava que seria quando moleque, mas que eu escrevo coisas, eu escrevo. Não posso me negar.

Bom, mas por que eu estou dizendo isso? Ah sim, lembrei... Estou dizendo isso, porque com o passar do tempo eu percebi que escrever, para mim, era como uma necessidade, dessas do tipo fisiológica. Sim, isso mesmo. Descobri que escrever uma crônica me dá tanta satisfação quanto a que sinto depois que vou ao banheiro. Aliás, muitos textos que já publiquei aqui se originaram nos períodos ociosos em que fiquei lá... Tudo bem, podem fazer o trocadilho. Podem falar que muitos textos meus parecem uma merda mesmo, eu não ligo. Muitas vezes eu também acho isso. Mas voltando. Quando fico muito tempo sem escrever, como neste último período, (será que alguém percebeu que eu fiquei muito tempo sem escrever nada?), eu me sinto mal. Sim, mal mesmo. Acho que eu me acostumei a vomitar tudo aquilo que me incomoda nestes textos, e algumas coisas têm me incomodado nos últimos tempos, e eu não estou tendo muito tempo para organizar a coisa toda num formato literariamente aceitável. Quer dizer, até agora, pois consegui um tempinho hoje.

Então, como eu dizia, eu estou muito incomodado com que eu vejo, ouço ou leio por aí. Quero dizer, eu estava. Acho que estou encontrando o meio de lidar com essa situação. Vou dar um exemplo. Domingo passado, salvo engano de memória, assisti no Fantástico a uma reportagem sobre a molecada permanecer tanto tempo conectada na internet e os efeitos nocivos que isso tem causado à vida deles. Assisti à reportagem atentamente. Todos os moleques (e molecas também) entrevistados eram branquinhos, usavam uniformes escolares bonitinhos, estudavam em colégios particulares e moravam em apartamentos bacanas. Não tinha um adolescente negro ou pardo (acho estranho essa terminologia, mas é do IBGE), um aluno de escola pública. Todos eram de classe média. Cocei a cabeça e me sacudi todo no sofá. Não me contive, bradei: "Não tem pobre nessa matéria, não?" Minha namorada, que estava sentada ao meu lado, se assustou. "É, só tem moleque riquinho aí, por quê? Pobre também não se vicia em internet?" Ela deve me achar uma mala sem alça, porque eu vivo resmungando na frente da tv. Ela já me disse que eu implico com o Willian Waack sem motivos. Mas eu acho que não é sem motivo não...

Tudo bem, pode ser que na referida matéria tenham descoberto que o fato, o uso abusivo da internet pelos adolescentes, não ocorram com a turma das classes D e E pelo motivo mais óbvio: eles não têm computador em casa. Mas se for isso, tinham que dizer na reportagem. O Brasil não é composto em sua maioria por estudantes branquinhos, com cara de almofadinha, que moram em apês bonitinhos, que tomam café da manhã todas as manhãs e que vão a escolas particulares, em veículos particulares. Pelo contrário, estes são a minoria. Logo, a minha conclusão é: a tv, ou melhor, a grande mídia, porque eu ponho no meio todo mundo, rádio, jornal e revista também, não se preocupa em passar um retrato da realidade. Na minha opinião, aquela matéria era interessantíssima, poderia ser muito melhor explorada. No mínimo, teria-se que abordar o comportamento internético de toda a juventude. No mínimo, porque se poderia aprofundar muito no tema e, por que não, apresentar conclusões sobre o problema. Mas parece que o negócio e fazer o jornalismo-entretenimento. Aquele que não informa nada, só faz pensar em nada.

Ah, mas existe muito mais coisa que eu tenho entalada aqui. Sim, muito mais. É que se eu continuar, eu vou perder o foco do texto. Mesmo por que, eu já cumpri meus objetivos por ora. Já escrevi alguma coisa e pus para fora algo que me incomodava. Mas ainda vou tratar sobre essas outras coisas no futuro. Ah, vou sim. Como eu disse acima, eu estou descobrindo uma maneira de lidar com isso. E uma pequena amostra desta descoberta é a nova seção de links "Variados" aqui ao lado. Como podem perceber, trata-se de um grupo de sites onde tenho ido beber minhas fontes de informação. As que mais confio, diga-se de passagem.

terça-feira, agosto 21, 2007

Vejam o que vi hoje




Linda, não? Mas o destaque é para o intrépido Dean, que está visível sobre o Mar do Caribe.

(Dica: clique sobre a foto para vê-la ampliada! É mais impressionante ainda!)

Fonte: NASA

quarta-feira, agosto 15, 2007

O Estado brasileiro é raquítico

"O país tem um Estado raquítico. Apenas 8% da mão de obra ocupada pertence ao Estado. Nos Estados Unidos, são 18%. Na Europa, 25%. Na Escandinávia, 40%. Espanha e Portugal tem cerca de 20%." Quem disse isso foi o professor Márcio Pochmann, o novo presidente do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA), em um entrevista à Agência Carta Maior, publicada hoje.

Quem crê que o Estado brasileiro deve diminuir cada vez, que parte de nossos problemas é o tamanho do Estado, deve ler esta entrevista. E quem não crê também.

terça-feira, agosto 14, 2007

A entrevista de FHC

O Luís Nassif, em seu blog, ainda não leu, mas recomendou. Eu acatei a sugestão, li e também recomendo. São dez páginas de HTML, mas um texto bem feito e gostoso de ler. Eu adorei.

Pelas palavras do robô de email da Revista Piauí: "Você, que tem um parafuso a mais, não pode deixar de ler este texto: O andarilho".

sexta-feira, agosto 10, 2007

O dia em que morreu Deus

Filho, nem sei como contar isso a você. Estou até arrepiado, ó. Foi o maior acontecimento histórico desde o nascimento de Cristo. Foi sim. Creio que no futuro os historiadores irão redefinir os calendários. Sim, claro, se houver historiadores, se houver futuro. Porque se houver, não tenho dúvidas de que todos irão considerar este fato como o acontecimento mais crucial da epopéia humana no Universo.

Ah, sim, o fato. O fato. Eu fui testemunha deste fato. Confesso que ainda não assimilei direito o que presenciei, acho que ainda estou em estado de choque. Ai, meu Deus, estou abaladíssimo. Deus?! Ai, meu Deus, não há mais Deus...

Sim, sim, é isso mesmo. Não há mais Deus. Não há, Ele está morto. Escute só, eu estava no boteco do Zelão tomando umas biritinhas. Estava muito frio, uma pinguinha sempre vai bem nos finaizinhos dos dias de inverno, você sabe né?. Então, aí tomei meu trago, dei um alô para a rapaziada e fui espiar o movimento da porta do bar. Já era quase seis da tarde, estavam todos retornando de suas jornadas. Todo mundo parecia bem exausto, o dia deve ter sido bastante puxado, mas estavam todos com uma cara de alívio. Claro, hoje é sexta-feira, todos iam chegar em casa e jantar. Depois, iam assistir a uma tevê, ou talvez dar uma passadinha em algum botequim para tomar uma branquinha, falar um pouco sobre futebol e relaxar, que nem eu. Então, estava eu assistindo às pessoas e refletindo sobre tudo isso lá da porta do bar, com meu copo na mão, sorvendo a minha birita, sossegado, numa boa. Eis que...

Tum, poft, poft, tum! Estava lá o Corpo estendido no chão. Caiu do céu, do nada. Brilhava, parecia uma estrela cadente. Quando chegou ao chão, cegou todo mundo, mas foi apagando aos poucos, e quando ia cada vez mais apagando, as pessoas iam se aproximando para ver o que era. Quando o brilho cessou de vez e todo mundo pôde ver o que caíra, começou uma tremenda choradeira. Uma forte emoção sacudiu a todos ao mesmo tempo. Todos perceberam, no mesmo instante, quem caíra e acabara de morrer ali. Só pode ser isso, sim, só pode ser. Todos sabiam que quem estava ali morto era Deus.

E era como estava escrito na Bíblia. Era feito a nossa imagem e semelhança. Você tem noção disso, meu filho? Consegue vislumbrar o que pode acontecer quando todos souberem deste fato? O sertão vai virar mar e o mar vai virar sertão. Os crentes vão ficar descrentes, não terão mais a quem adorar. E os ateus, vão se tornar crentes, pois terão visto Deus com seus próprios olhos. E os fenômenos da natureza? Os furacões, os terremotos, as enxurradas, as quedas dos aviões? Sim, aviões. Sempre que um avião caía era da vontade de Deus. Esse negócio de culpar o governo é coisa recente... E a queda das Bolsas de Valores? Ah, não, a queda das Bolsas é da alçada de outro deus... Então, e esses fenômenos todos, quem irá controlá-los agora? Quem culparemos quando essas tragédias acontecerem? Não há mais comando. Agora, é o caos.

Ah, a essa hora já deve estar passando no Jornal Nacional. Vai lá ver, meu filho, vai lá ver. Até imagino a voz do Cid Moreira: - O dia em que morreu Deus! Será que vão culpar o governo por isso também? Afinal, Ele caiu no Brasil... Mas vai lá, que já devem ter começado a autópsia do Corpo, devem estar mostrando a choradeira de todo mundo. Inclusive, o Papa já deve estar falando lá do Vaticano.

Então, não acha que este é o fato mais importante de todos os tempos? Não acha que agora a história será reescrita em Antes da Morte de Deus e Depois da Morte de Deus? Quem viver verá, porque o futuro, agora, nem mais a Ele pertence.

Vai lá ver, filho, pode deixar o pai aqui. Vou sentar um pouco nesta calçada e espairecer as idéias. Estou muito chocado com o que vi. Vai lá, porque agora, se fodeu... Se foi Deus!

terça-feira, julho 03, 2007

A vida de Giovani

A vida de Giovani era uma droga, não valia nada. Por quê? Escuta só...

Giovani sempre sonhou em ser médico. De família pobre, teve que ir para a rua trabalhar logo aos quatorze, para ajudar a mãe, viúva e imigrante, a sustentar seus quatro irmãos mais novos. Não deu para ser médico. Só deu para se formar em Contabilidade. E com muito esforço. E com muito mais esforço, conseguiu um emprego em uma empresa boa. Daquelas tipo grande, multinacional, com mais de mil funcionários, que dá orgulho em dizer "eu trabalho na XYZ do Brasil". Conseguiu também um bom casamento, com uma moça de família, honesta, limpinha, batalhadora, que nem ele.

É. Pensando bem, nem sempre a vida de Giovani foi uma droga... Mas, continua escutando. Algum tempo depois de casado, ele e sua esposa tiveram um ragazzo. Esse vai ser médico! Dizia ele. Calma, é o menino que vai decidir isso quando crescer! Dizia ela. Que nada! Eu vou dar todas as condições para ele estudar! Ele vai escolher a Medicina! Una carriera cosí bella! Eis que o menino virou um varão. Mas até a parte do "indivíduo de idade adulta; homem destemido e viril". A parte do "homem digno de respeito, venerável, ilustre" ficou só por conta da malandragem que se juntou a ele. Il ragazzo è diventato un ladro. Ladrão de banco, e dos bons. Mas deu que um dia a polícia o pegou.

Como dizem por aí: desgraça pouca é bobagem. A XYZ Corporation, matriz da XYZ do Brasil, para onde eram remetidos os lucros, considerou que as remessas haviam diminuído demais e já não valia mais a pena manter a filial sul-americana. Desfecho: mais de mil na rua, dentre eles, o recém-pai-de-detento Giovani. Porca miséria! Trinta anos de dedicação, fidelidade, litros de sangue e rios de dividendos para eles, que nem sabia quem eram, para quê? Para quê? Olha o Giovani agora! Um desgraçado! E desempregado! Com a casa e o carro alienados no banco! Ah, mas, pelo menos, Giovani tem sua digníssima esposa...

Ai, ai. Estou até com dó de continuar. No mesmo dia em que Giovani levara um pé na bunda dos patrões, sua esposa, desgostosa da vida e cansada de um marido indiferente a ela, que só pensava em trabalhar e em fazer do filho um cirurgião, o fez o mais novo galhudo do bairro. Foi-se embora com um outro dez anos mais novo.

Dez anos mais novo que quem? Ah, tanto faz! É corno mesmo! Aham... Por isso eu disse que a vida de Giovani não valia nada. Era um desgraçado. Estava desempregado e endividado. E ainda com chifres. Não tinha mais nem coragem de andar pelo bairro. Por isso estava do outro lado da cidade, com seu umbigo encostado no balcão de um boteco qualquer. Estava em transe, rodava em suas retinas todo o filme de sua vida, e ingeria o seu primeiro e último trago de cachaça. Logo, logo, iria pôr um ponto final em tanta desgraceira...

- Apita o árbitro! Está encerrada a partida! E o Palmeiras consegue pôr um fim a um jejum de cinco partidas sem vitórias! E justo em cima do seu arqui-rival! Gabriel, agora é com você! Vamos falar com os heróis do dia! Bradou o radialista no botequim.

- Perdemos pros porcos de novo! Oh, não! Que desgraça! Bradou o corintiano dono do botequim.

Giovani despertou do transe. O Palmeiras ganhou do Corinthians? Vinciamo il Curíntia? Vinciamo il Curíntia, Santo Dio! Esse é o meu Palestra! Nunca me deixa na mão!

- Meu senhor, não tem desgraça nenhuma! Não tem desgraça nenhuma! Bradaram as mãos (com aquela típica maneira italiana de falar) de Giovani ao dono do botequim.

Giovani largou em cima do balcão sua última nota de cinco reais ao lado do copo inacabado de cachaça, e saiu do boteco, saltitando pela rua à Carlitos (batendo as palmas dos pés a cada salto). Com a nota e o copo, largou também a idéia de sair da vida. De troco, levou mais uma chance de poder viver essa loucura que é a vida. Com todas as paixões, desilusões, sofrimentos e o que mais lhe for de direito.

quinta-feira, junho 28, 2007

Pensação II

Na vida, nada é fácil, tudo é difícil. Examinemos a vida. Imaginemos que estamos num ponto do espaço sideral que nos permita assistir à vida, como ela é, no planeta. Iremos ver trocentas pessoas nascendo, vivendo, matando-se de trabalhar para continuar vivendo, e morrendo. Acham isso fácil? Viver, se matar para viver e, no fim, morrer?

Fomos feito para o sofrimento. Se não, o mais lógico é estourar os miolos com uma bala e findar de umas vez por todas com essa palhaçada... ops, quero dizer, sofrimento.

Ou senão, só se na vida nada é fácil mesmo. Até isso é difícil.

terça-feira, junho 26, 2007

Pensação I

Os capitalistas têm muito poder. Mais poder para quê? Era o que poderia se perguntar antes de inventarem a democracia moderna.

Então veio essa democracia (o que foi uma benção, porque simplesmente estavam querendo riscar do mapa os capitalistas...). Veio junto com um pouquinho de sangue, alguns golpezinhos, umas ditadurinhas, etc. e tal e piriri pororó... Mas veio! Com alternância no poder e tudo!

E os capitalistas continuaram com mais poder?!

terça-feira, junho 19, 2007

Uma matéria sobre a vida

"Lex I: Corpus omne perseverare in statu suo quiescendi vel movendi uniformiter in directum, nisi quatenus a viribus impressis cogitur statum illum mutare;

Lex II: Mutationem motis proportionalem esse vi motrici impressae, etfieri secundum lineam rectam qua vis illa imprimitur;

Lex III: Actioni contrariam semper et aequalem esse reactionem: sine corporum duorum actiones in se mutuo semper esse aequales et in partes contrarias dirigi;"

- Isaac Newton, in Philosophiae Naturalis Principia Mathematica, 1687.

O trem desliza pelos trilhos da linha leste-oeste do metrô paulistano, a famosa Linha Vermelha (talvez não tão famosa quanto aquela carioca, e nem tão famigerada também) que costuma ligar o bairro de Itaquera ao da Barra Funda, fazendo conexão pela Estação Sé com a linha norte-sul, a Linha Azul. Em um dos vagões, que está extremamente lotado de corpos, está Isac, com sua mente lotada de pensamentos sobre mais um indiferente dia em sua vida. Uma dia em que levantara cedinho, tomara banho, e saíra correndo sem tomar café, para pegar três conduções para o conduzir ao trabalho...

- Preparem-se! Aí vem os espartanos!

O alarde, proveniente de um sujeito que está colado a Isac (nos metrôs das manhãs paulistanas, ninguém fica perto de ninguém, fica colado mesmo), irrompe seus pensamentos.

O trem de Isac parara na Estação Brás, quando... záz! Uma turba adentra o trem e empurra, como se fosse uma falange do famoso e famigerado exército de Esparta, as pessoas mais para dentro, compactando-as ainda mais, e reduzindo ao nada os poucos espaços vazios restantes do vagão.

"Uff! Somente sendo indiferente para suportar tal suplício!" Isac olha para o teto, e deseja tentar encostá-lo com a palma de sua única mão livre (a outra segura sua pasta) para poder se sustentar por si próprio, uma vez que está encostado nos corpos das incontáveis pessoas que o rodeiam, e que o pressionam e mantêm seu corpo ereto. Frustra-se. Volta o olhar para a frente e dá de cara com o sorriso do sujeito que alardeara a chegada da falange brasense.

- Queria ver o Newton sustentar aqui aquela história de que dois corpos não ocupam o mesmo lugar no espaço!

Isac tenta conter o riso, mas não consegue. O riso sai explodido. O sujeito continua, ainda sorrindo.

- Está rindo, né? Mas eu sei do que você está rindo! Só que você não sabe...

Isac estanca o riso, franzindo o cenho e encarando o sujeito, que finaliza confiante.

- Só quem é ridículo vive a vida sem medo de ser ridicularizado!

O trem chega na Estação Sé. Uma nova falange se forma e sai, empurrando Isac para fora do trem, rumo ao seu destino. Destino que foi radicalmente marcado pela descoberta que aquele sujeito o fizera ter. Neste dia que acabou sendo diferente de todos os outras dias de sua vida.

Calminha, minha gente! Eu não ia deixá-los sem a devida tradução. Eu mesmo não sei latim! Eis as Leis Fundamentais da Dinâmica, as famosas e famigeradas Leis de Newton:

Do "Princípios Matemáticos da Filosofia Natural", publicado em 1687 por Isaac Newton;

Lei I: Todo corpo continua em seu estado de repouso ou de movimento uniforme em uma linha reta, a menos que seja forçado a mudar aquele estado por forças imprimidas sobre ele;

Lei II: A mudança de movimento é proporcional à força motora imprimida, e é produzida na direção da linha reta na qual aquela força é imprimida;

Lei III: A toda ação há sempre oposta uma reação igual, ou, as ações mútuas de dois corpos um sobre o outro são sempre iguais e dirigidas a partes opostas;

terça-feira, abril 03, 2007

Jogo do Espelho

Rotineiramente, vou a um lugar onde costumo ter idéias. Não sei se boas ou más, mas as melhores, pelo menos para mim, vieram de lá. Outro dia eu explico onde é esse lugar. Pois bem. Hoje, neste lugar, tive um idéia de que gostei. Pode ser que a idéia não seja original - se não for, peço encarecidamente que me avisem a fonte - mas eu pensei num jogo interativo para a blogosfera, que eu chamaria de o "Jogo do Espelho".

O nome seria esse porque eu me baseei num conto do velho mestre Machado de Assis chamado "O Espelho". Neste conto, que eu considero um dos mais fantástico da literatura universal, o autor tenta esboçar uma nova teoria da alma humana. Na história, Jacobina, o protagonista, conta um relato de sua vida e a utiliza para embasar a sua teoria, a qual diz que "cada criatura humana traz duas almas consigo: uma que olha de dentro para fora, outra que olha de fora para entro...". Recomendo fortemente a leitura deste conto. Podem clicar aqui para isso.

E o meu jogo se baseia no referido conto porque sua proposta é tentar identificar a alma de cada blog que olha de fora para dentro. Como? Assim: todo blog tem um título, certo? Podemos considerá-lo como a alma do blog que olha de dentro para fora. Tentaremos esboçar a alma de fora para dentro, se os leitores de cada blog sugerirem um título que eles acharem que o blog deveria, ou poderia, ter. Fácil, né?

Como eu criei o jogo (acho), inicio a brincadeira. Peço aos meus leitores que dêem um título para o meu blog que vocês pensam que deveria ou poderia ter. Se algum leitor quiser entrar na brincadeira, basta postar em seu blog alguma mensagem parecida com essa aqui, que eu irei lá e retribuirei a sugestão. Se a coisa pegar, isso vira uma reação em cadeia, e todo blogueiro terá uma tentativa de esboço da sua alma que olha de fora para dentro... Quer dizer, da alma do blog.

Então, está valendo!

sexta-feira, março 30, 2007

S.O.S. Carta Maior

O advento da Internet revolucionou, e continua a revolucionar, as nossas vidas. Como não é raro de ocorrer, a Internet surgiu com finalidades de guerra. Ela foi desenvolvida pelas Forças Armadas dos EUA no contexto da Guerra Fria. A idéia era manter o funcionamento da rede de computadores militares em caso de ataque soviético ao território americano. Com o passar do tempo, as universidades passaram a contribuir com o desenvolvimento da tecnologia, e quando a URSS caiu e a guerra acabou, a Internet se tornou pública, passando a ser utilizada inclusive com fins comerciais. Hoje, ela é um dos principais, e mais eficazes, meios de comunicação. Isso porque ela permite meios de acesso a informação muito mais democráticos do que os meios convencionais, tais como televisão, rádio ou jornal. Tal fato se torna tão evidente, pois hoje temos todos os grandes veículos de mídia com páginas eletrônica. Na Internet, hoje é possível ler o conteúdo de um jornal, ouvir uma rádio e até assistir a programas de um canal de tevê. O indivíduo pode ir a um cybercafé e com R$1,00 por hora ele acessa a Internet e a todo este conteúdo. Para assistir aos programas televisivos, o mesmo cidadão necessita antes desembolsar uns R$300,00 para comprar um aparelho televisor. Porém, ele só terá acesso aos programas das tevês gratuitas. Para assistir a programas mais variados, ele terá que gastar muito mais.

Bom, esta introdução serviu para falar da importância da Internet no cotidiano moderno e no papel que ela desempenha, permitindo o surgimento de meios de comunicação alternativos, o que contribui para o desenvolvimento da democracia, tanto aqui como em qualquer lugar do mundo. Nos últimos tempos, eu descobri a Carta Maior como um bom exemplo de mídia alternativa e democrática. Esta agência provê artigos de notícia, de opinião e de cultura gratuitamente pela Internet com muita qualidade. Entre seus colaboradores estão profissionais de notável saber científico e ilustres escritores, como o Moacyr Scliar. Assumidamente, a Carta Maior tem uma posição de esquerda no espectro político brasileiro, mas isso não significa que a leitura de suas produções deva se restringir aos que tenham formas de pensar parecidas. Seus artigos podem muito bem servir para os que pensam diferentemente, para quando se quiser obter uma visão contraposta.

Entretanto, tomei conhecimento que a Carta Maior passa por dificuldades financeiras (clique aqui para ler seu editorial) e pode vir a encerrar suas atividades em breve. Como, creio, eles não têm a intenção de deixar de ser gratuito, a melhor maneira de eles manterem suas atividades é conseguindo mais patrocínio. E para ter mais patrocínio, o veículo de comunicação tem que ter "ibope", ou seja, tem que ser acessado por um grande número de pessoas. Por isso, o maior ativo da Carta Maior, imagino, é seu cadastro de assinantes, que recebem diariamente um newsletter com um resumo e o link para todos os artigos que são produzidos pela agência.

É por isso que eu peço para quem tiver disponibilidade, que acessem o site da Carta Maior, analisem seu conteúdo e, se se sentirem satisfeitos, que façam o seu cadastro. Será uma forma de tentar manter este excelente meio de comunicação alternativo e democrático, que produz material não só em português, mas também em espanhol e inglês.

quarta-feira, março 28, 2007

Memórias de um camisa um

O Chico tem uma música, "Doze Anos", que é um sarro. Mais sarro ainda, foi eu explicando pra minha namorada o que é o teste da farinha... É que numa versão da música, tem um diálogo em que um pergunta ao outro: - "Ô Mangueira, você já fez o teste da farinha?". Bom, não vou explicar aqui o que é o tal teste, mas que esta música também meu deu uma saudade ingrata dos meus doze anos, quando dava banda por aí, fazia enormes planos e chutava bola (não lata).

Sim, porque meu maior plano, naquela época, era ser jogador de futebol. Sim, desde a tenra idade, dizia a minha mãe: - Vou ser o número sete do Palmeiras! Sim, porque eu gostava do número sete, e naquela época tinha um tal de Jorginho que jogava no Verdão com a sete, que eu gostava muito. Só que na época eu não sabia que o sete era o ponta-direita, e eu sou canhoto, logo, seria mais provável que eu fosse o onze. Apesar de que hoje a numeração não tem mais importância nenhuma no futebol. Porém, na época que comecei a jogar tinha, e todo time de categoria de base jogava no 4-3-3, com dois zagueiros e dois laterais atrás; um volante e dois meias na meio-campo; e dois pontas e um centro-avante na frente. E todo time de categoria de base tinha a mesma numeração, com o sete de ponta-direita. Mas as ironias do destino fizeram com que eu estreasse nas várzeas com a número um. Isso mesmo, eu era um goleiraço. Na rua, eu jogava em qualquer posição, e no meu quintal, jogava em todas as posições - porque eu jogava sozinho, chutava a bola na parede e fazias as plásticas defesas de fotografia para evitar os meus próprios gols. Quando eu me apresentei ao técnico dos mirins, disse que queria jogar na linha, mas estava faltando goleiro e minha mãe me dedurou: - Ele joga de goleiro! Eu, que nunca fugi de responsabilidade, fui para o sacrifício. Fui para as metas e no fim do campeonato me tornei o goleiro menos vazado do torneio. O troféuzinho lá no quarto é prova material deste pequeno feito.

E olha só a outra ironia. Este título me rendeu uma convocação para jogar no Corinthians. Só que nos treinos, por incrível que pareça, faltava um meia-esquerda, um camisa dez. Eu, que não fujo das responsabilidades, disse ao professor: - Eu jogo com a dez! Sim, eu, palmeirense, vesti a dez do Timão, e justo no ano de 1990, o ano em que eles foram campeões do Brasileirão... Mas eu não me importei com isso, pelo contrário, estava é muito feliz. Pois eu não só jogava de meia-esquerda, jogava de lateral-esquerdo, de ponta-esquerda, de quarto-zagueiro, de goleiro também. Sim, porque o professor sabia que eu era um jogador polivalente. E quando faltava jogadores nas outras categorias, ele me punha para completar o time. Teve dias que eu joguei três partidas seguidas. Eu não queria nem saber, queria era ser escalado, jogar e ajudar a equipe (olha o discurso de boleiro!)

No ano seguinte, não joguei mais no Corinthians, mas fui convocado para jogar em outra equipe da região, e continuei a disputar os campeonatos da várzea. Porém, voltei a ser arqueiro. Como disse antes, eu era um goleiraço. Até o fim de minha "carreira", fui o titular, o número um absoluto. Joguei até os dezesseis anos, quando mais uma ironia do destino me ocorreu. Eu parei de crescer aos cento e sessenta e cinco centímetros. Aí não dá. Nem Jorge Campos tinha essa altura. E estamos no Brasil, não no México, aqui tem goleiros muito bons. Logo, fui para o banco. Como nunca fui acostumado a este lugar, pendurei as luvas, as chuteiras e o meu grande projeto de ser jogador de futebol.

Por muito tempo, amarguei essa frustração. Hoje em dia, estou superando-a, mas o que não consigo superar é a ausência de material das lembranças desse tempo. Na época não tinha câmera digital, e teve que eu tive que enfrentar algumas adversidades, tais como uma pindaíba financeira e um pai alcoólatra. Deu que por muito tempo eu ia jogar meu futebol sozinho, sem um alguém conhecido que fosse lá para me assistir, torcer por mim ou registrar as minhas partidas. Tudo o que eu tenho desta época está aqui, nas minhas lembranças. Dá uma dor no peito... Lembro de algumas partidas, como a primeira da Copa São Paulo de 1994 e a primeira oficial pelo Guimarães F.C., um time lá de Ermelino Matarazzo, em que eu defendi uma bola rasteira dificílima no canto direito, e evitei a derrota de nossa equipe. Ou quando, no ano seguinte, fiz uma defesa de cinema, um chute da meia-lua, de primeira, no ângulo direito, em que eu pulei e, não espalmei, mas sim, agarrei a bola com as duas mãos, e como um gato, caí rolando e ficando de pé logo em seguida. Uma pintura. Fiquei semanas colhendo os louros por aquela defesa. E o melhor, naquele jogo ganhamos de 1 a 0, na casa do adversário. Ou seja, naquele dia, eu ganhei o jogo. Ou então, quando defendi dois pênaltis numa mesma partida. Num dos pênaltis, eu encaixei a bola, mas ela bateu na barriga, e até hoje eu sinto a ardência daquela defesa. Mas a ardência mais feliz da minha vida. Sim, porque o que eu gostava era de jogar bem, de fazer as defesas mais difíceis e salvar o time.

Que saudade ingrata! Olha, são tantas as lembranças que está difícil conter a emoção... Ah, como eu queria ter uma lembrança desses momentos e poder mostrar aos meus netos daqui a alguns anos! Ai, como isso me dói no peito... Só me resta fazer uma prevenção. Vai saber se um dia terei Alzheimer (toc, toc, toc) e não terei mais essas lembranças?

Eis o registro.

segunda-feira, março 26, 2007

Linguagem nova

programa terUmBomFimDeSemana() {

    selecione boa_saude, dinheiro_no_bolso, pessoa_maravilhosa
    de sua_vida
    onde tempo = "AGORA";

    se boa_saude = OK {
       se pessoa_maravilhosa = "AO SEU LADO" {
          // desconsidere dinheiro_no_bolso, é desnecessário...
          executar serFeliz();
          mostrar "Cara de sorte, hein?";
       }
       senão {
          se dinheiro_no_bolso > 0.00 {
             executar inventarCoisaParaFazer();
             mostrar "Com unzinho no bolso até que não é tão ruim...";
          }
          senão {
             executar chorarNaCama();
             mostrar "Companheiro, chora na cama que lá é lugar quente...";
          }
       }
    }
    senão {
       executar recuperarSaudeEmCasa();
       mostrar "Melhor sorte da próxima vez!";
    }
}

sexta-feira, março 16, 2007

Faço de tudo para elas

Desde sempre elas lêem o que escrevo. Elas simplesmente adoram. Ávidas, interpretam direitinho tudo o que escrevo. E, compulsivas, compilam e me respondem tudo, indicando os erros e o que tenho que fazer para corrigi-los e melhorá-los. Algumas vezes elas só indicam os erros, e cabe a mim a tarefa de quebrar a cabeça e descobrir o que fazer para melhorar. Elas são exigentes, sabe? Querem tudo rápido. O escrito tem que ser eficiente, não só bem feito - eis a arte! Elas têm que ler e entender o texto sem muitas delongas, por mais que com o passar do tempo elas estejam mais evoluídas.

Escrevo desde os seis anos. No começo era sem compromisso, uma brincadeira. Via meu pai escrevendo e, metido, imitava-o. Como não tinha muita base, no começo, eu só copiava dos livros. Depois, quando mais velho, aos quinze, aprendi algumas linguagens e comecei a escrever mais seriamente. Ainda brincava um pouco, por gosto, mas logo comecei a ganhar dinheiro com a brincadeira.

Hoje eu vivo disso, minha vida depende do que escrevo para elas - minhas clientes e leitoras fiéis - por isso escrevo todos os dias. E minha obsessão é melhorar cada vez mais para satisfazê-las cada vez mais. Por isso acato a todas as suas exigências. Comparar meu trabalho ao de um garoto de programas é injusto. Sou um verdadeiro analista, pois só eu consigo entendê-las realmente.

Se eu já sai com alguma delas? As daqui do trabalho é complicado, dá justa causa. A de casa sabe como é né? Sair por aí é arriscado, o mundo é muito perigoso. Por isso não saio com nenhuma delas. Mas quero comprar uma portátil...

Como? Mulheres?! Você está perguntando sobre as leitoras mulheres? Vixi... Cara, viajei! Pensei que você estivesse falando das máquinas... Do que você acha que eu estou falando? Sim senhor, sou um escritor. Escritor de sistemas de computador, ué? Literatura?! Pára! Escrevo uma rasura ou outra e gosto muito de ler, mas eu não sei nada sobre isso.

quarta-feira, março 14, 2007

Loas a Mefisto

Para que existir? Para que viver uma vida inteira e, no fim, morrer? Para que Deus? Para que existe tudo, o Universo, os planetas, os seres vivos, nós?

Lembro-me de uma história em quadrinhos, da editora Marvel, uma série chamada "Desafio Infinito". O enredo da história era o seguinte: a luta pela posse de seis gemas que davam ao portador poderes ilimitados, o que ensejou a confrontação entre todos os seres mais poderosos do Universo - neles incluso, os heróis da Terra. Um dos protagonistas da história, Thanos, um ser oriundo de um dos satélites de Saturno, havia conquistados as gemas, tornando-se o ser mais poderoso do Universo. Num dado momento da história, Thanos conversava com Mefisto, um ser imortal, parecido com um demônio, que o bajulava, mas que, implicitamente, desejava as gemas. O tema da conversa era sobre a razão da criação da espécie de Mefisto. A explicação: aplacar a solidão de Deus. Ele sentia-se completamente sozinho no meio de tudo, com todos os poderes, sem demonstrá-los para ninguém. Faz sentido. Não existe poder absoluto. Alguém só é poderoso se existir quem não seja poderoso. Então Deus criou a raça de Mefisto. Mas no desenrolar das coisas, eles se extinguiram, sobrando apenas o próprio Mefisto - para contar a história.

Eis a metáfora. Existimos para aplacar a solidão de Deus. Para atestarmos seu poder. E para temê-lo. Afinal, qual a graça de ser poderoso e não ter ninguém que o tema?

Mefisto me fascinou. Tanto que até um gato já batizei com seu nome. Ele era preto, tinha uns olhões amarelos, era demasiadamente preguiçoso e libertino. Uma personalidade tentadora, afinal, quem nunca pensou em ser Mefisto? Mefisto foi morto, atropelado ou envenenado, como a maioria dos gatos libertinos. Porque ser Mefisto tem lá seus bônus, mas tem também seus ônus.

Por favor, não praguejem contra minha prolixidade, ela tem motivos. Já perguntei muito sobre os porquês de tudo. Com o tempo, fui condicionado a perguntar os "paraquês". Mas no fundo, qual a diferença? Não sei as respostas.

Só me resta ser prolixo, com todos os significados que o verbete acarreta.

terça-feira, março 13, 2007

Heresias

A morte rondou por esses dias, mas não causou pânico. É o Medo da Morte que tem esse dom. Nem meia lágrima caiu, o que causou espanto. Espanto?! Nem isso, o flag da apatia estava on. Só quando o caixão fechou (ainda há coração!), mas foi só meia...

A morte rondou muito por esses dias. A cabeça. Deitada numa cama, pensando em muitas mortes, umas possíveis, outras não (oh que estupidez! morte impossível?!), pensando nas dores, nos sofrimentos... Deitada numa cama, tranqüilidade, de domingo esperando a segunda, a sensação de fim de mundo... Essa sensação não é boa, mas não é má, não causa pânico. O Medo da Morte, sim. Mas não dessa vez. Não dessa vez. O flag da apatia estava on. Quanta perplexidade! A foice dela ceifou perto. E inesperadamente. Mas era só apatia (coitada da tia...)

O que será isso? Destemor? Enfim, o Medo da Morte sucumbiu? Como? O fim do Medo da Morte não é o fim da vida, o começo da morte? "Gostando de viver e morrendo de medo de morrer. Morrendo de medo do Medo da Morte".

A morte ronda sempre. Estupram todo mundo nas guerras. Mulheres, meninas, crianças, até homens. No Iraque, soldados das forças de seguranças, iraquianas e americanas, estupram a roldão. Por quê? Tática de guerra. Quem estupra, domina. Quem é estuprado, é dominado. Leiam: "O estupro de iraquianas como tática de guerra".

O flag ficou off, graças a Deus (ai, meu Deus, que heresia!). Parecia que estava morto.

quarta-feira, fevereiro 28, 2007

Liquidado

Enquanto me dirigia para o trabalho e escutava das ondas do rádio vozes dizendo que os interiores do país estão ficando cada vez mais violentos que as metrópoles e que as bolsas de valores estavam despencando pelo mundo, refletia sobre a minha cotação numa outra bolsa de valores.

Em meio às minhas reflexões e a uma voz dizendo "engraçado que escuto pessoas dizerem que estão indo para o interior porque lá é mais tranqüilo", uma nuvem no céu desviou a minha atenção. Ela tinha o formato de um disco voador.

Cenas do filme "Guerra dos Mundos" vieram a minha retina. Imaginei aquela nuvem sendo mesmo um disco voador e o pânico estampado nos rostos de todos que contemplariam tal imagem. Imaginei os detalhes de tal nave, sua forma, suas dimensões, e me deparei vislumbrado com minhas próprias imaginações.

Diante desse vislumbre, ponderei que se eu estivesse ali realmente vendo uma nave alienígena, eu não ficaria em pânico, não num primeiro momento, ficaria em transe. E minha primeira atitude seria praguejar por não estar com uma câmera fotográfica a mão para registrar tal maravilha do Universo. O pânico viria depois, quando a ficha de que eles estariam aqui para nos liquidar caísse.

Pensando bem, talvez o pânico nem viria, talvez eu já estivesse liquidado.

quarta-feira, fevereiro 21, 2007

Rotinas

Em um farol que controlava o fluxo dos automóveis de um cruzamento de duas grandes avenidas da cidade, um homem pedia esmolas.

Olha, estou limpo... Levantou a puída camiseta e exibiu o abdômen, enquanto o vidro do automóvel se levantou automaticamente. Enfiou uma das mãos no bolso da calça jeans. Trinta centavos. Dá para comprar dois pãezinhos. Mas e o leite? Meu moleque não toma leite há mais de semana. Por favor, senhora, não teria alguma moeda para me dar? Muito obrigado, Deus lhe abençoe... O bolso continuou com as três moedinhas de dez centavos. Deus me abençoe. Eu vejo tanto carro passando aqui, tanta gente bonita, bem vestida, devem ter problemas, é claro, quem não tem problemas? Eu tenho problemas. Não consigo arrumar emprego, nem arrumar o telhado lá de casa. Quando chove, é muito ruim para eu e meu filho dormirmos secos, mesmo estando debaixo do viaduto, a água escorre e cai sobre o telhado e também sobre a gente. Eu sei arrumar o telhado, mas eu preciso de algum material para o conserto, mas eu preciso também dar comida pro moleque. Se sua mãe estivesse viva, ela também poderia me ajudar. Eu acho que é mais fácil para as mulheres conseguir esmola, os motoristas não pensam que uma mulher vá assaltá-los. Olha, eu não vou lhe assaltar, eu só queria algum dinheiro para comprar um litro de leite para meu menino... O farol abriu e o carro partiu sem deixar moeda. Eu já pensei em assaltar. Eu não consigo emprego, como vou conseguir dinheiro para sobreviver? Já ouvi os políticos falarem em programas de transferência de renda. Nunca vi melhor programa do que o roubo. Mas eu não consigo. Acho que sou um covarde. Tenho medo de revólver. Poderia uma vez arrumar um, mas eu tinha que comprar remédios para minha mulher. Ela chorava tanto de dor, e o moleque chorava tanto com a agonia da mãe, como é que eu ia assaltar sem saber atirar? Como é que eu ia deixar minha família sofrendo daquele jeito? Eu já pressentia que minha mulher não ia agüentar, eu teria que ficar sozinho com o menino. Eu o amo muito, eu poderia ser morto pela polícia ou pelos motoristas, muitos andam armados. Eu tenho um baita medo de morrer. Sou mesmo um medroso, um baita de um covarde...

Em uma dessas duas grandes avenidas, um carro aproximava-se do cruzamento que acabara de se fechar.

Ai meu Deus, qualquer dia desses é a minha vez. Qualquer dia desses um se irrita e saca um revólver. Sempre aqui pedem dinheiro e sempre digo: "puts, cara, hoje não tenho!". Eu até tenho dinheiro, mas, puts, ter que pegar a carteira na bolsa, abri-la, dar o dinheiro, guardar a carteira, olha quanto tempo vulnerável? O cara pode aproveitar a brecha e me pegar. E eu sou um covarde, tenho um baita medo de morrer, se o cara saca uma arma o que eu faço? Eu vejo na tevê, escuto no rádio, leio no jornal, todo o santo dia, casos de violência no trânsito. Não é possível, um dia desses chega a minha vez. Passo todo dia aqui, esses caras já devem ter marcado a minha fuça. E o trânsito desta cidade é permanentemente congestionado, não tem nem como correr. Parou no farol, já era, só se sai quando não tiver carro na frente. Mas se me vem um de noite, com pista livre, ah, passo por cima, passo por cima. À noite, todos os gatos são pardos, todos os faróis são verdes, e quem chegar perto é suspeito. Mas de dia... Por isso que é olho nos retrovisores, olho nos lados, olho no semáforo. Vermelho. Olho nos retrovisores, olho nos lados... Um homem se aproximou levantando a puída camiseta e exibiu o abdômen. Ai meu Deus, não consegui levantar o vidro, chegou a minha vez...

- Olha, estou limpo! O senhor não tem algum trocado...

O farol abriu. O motorista percebeu a mudança do farol e olhou para frente.

- Puts, cara, hoje não tenho...

sexta-feira, fevereiro 09, 2007

Semana Google

Esta semana eu descobri a Página Inicial Personalizada do Google. Fascinante. Fucei um monte. Pus metereologia, resumo de notícia, fotos de satélites, horário de cidades do mundo, etc.

Aí, descobri o Google Calendar. Adorei. Marquei meus compromissos lá, inclusive as "marditas" das contas a pagar...

E agora, o blog foi para o Google também. Ainda não explorei todos os seus recursos, mas pude perceber facilmente que já havia postado 100 mensagens aqui... E não resisti, 101.

O Google vai dominar o mundo. Se já não o fez.

quarta-feira, janeiro 31, 2007

Guerreiros têm medo

Ontem à noite eu sonhei que ia para a guerra. Eu estava de farda, me despedia da minha mãe e embarcava no encouraçado da marinha que me levaria à batalha. Eu queria muito estar lá, achava que seria uma experiência muito rica. Mas eu já não queria mais, estava com medo. Estava com o pressentimento de que iria morrer.

Ontem à noite eu guerreava no computador. Eu era o líder dos japoneses. O ano era 2029 e minha nação era a mais poderosa do mundo, posição alcançada há muitas décadas. E desde essa era, não houve mais momentos de paz. Fomos sempre perseguidos pelas demais nações que queriam nos destroçar. Após muito esforço, consegui pacificar o país, restaurar a democracia e tornar mais felizes meus cidadãos, mas os traiçoeiros romanos nos puseram em guerra novamente. Eles se aproveitaram do tratado de livre passagem, que lhes demos para aniquilar os egípcios, e invadiram nosso território, não deixando que desfrutássemos nem um ano de paz.

Hoje de manhã eu fui para a guerra. Não estava de farda nem plugado no computador. Eu não queria essa guerra e nem fiz esforço para provocá-la, mas eu tive que ir. Estou com muito medo, estou com o pressentimento de que irei morrer. É muito tempo em guerra e eu já não agüento mais. É muita batalha atrás de batalha, eu quero paz. É muito tempo em guerra. Deve ser a minha sina, eu não queria ser guerreiro, mas parece que foi o que escolheram para mim. Eu já não agüento mais, eu sinto muito medo. Eu não acredito em guerreiros que não tenham medo.

Hoje à noite eu acabo com os romanos.

terça-feira, janeiro 16, 2007

Irraciossinos

"Eu sei que eles tem razão
Mas a razão é só o que eles tem"
- "Cidade em Chamas", Humberto Gessinger


Discussão boa é aquela que não chega a lugar nenhum. Apenas chega-se à conclusão do ponto de discórdia, o ponto em que ninguém abre mão. Nada como uma boa discussão para fazê-lo entrar em depressão...

A velha discussão sobre pena de morte e o velho intelectualzinho tentando iluminar os medíocres que não sabem discernir o racional do emocional. O Estado, que serve para proteger a vida dos indivíduos, ganha, com a pena de morte, ou a instituição do assassinato, a licença para matar. Não seria isso uma contradição? Dar o direito de matar a quem tem o dever de garantir a vida? Mas eles dizem: pena de morte resolve tudo. Olha só a democracia que tanto defende, proto-candidato a déspota esclarecido, olha! Eles têm a liberdade de se expressar como quiserem, inclusive de expressar idéias que podem fazer mal a eles mesmos.

Se tem tanta gente assim que defende pena de morte, por que, então, ela não está instituída? E não vivemos numa sociedade democrática? Que raio de democracia é esta em que não se faz a vontade da maioria?

Que retórica medíocre, meu velho! Desdenhar da democracia é um predicado típico dos déspotas, se esqueceu? E essa espada hobbesiana que empunhou para atacar a pena de morte? O Leviatã é soberano, você sabe disso: se ele quiser, ele mata!

É só você que não quer saber que eles têm razão...