sexta-feira, julho 15, 2005

"Sobre a Liberdade"

"O que é a Liberdade? Deve-se ter sempre em mente o que é independência e o que é liberdade. A liberdade é o direito de fazer tudo o que as leis permitem; se um cidadão pudesse fazer tudo o que elas proíbem, não teria mais liberdade, porque os outros também teriam tal poder."

Do Espírito das Leis - Montesquieu

Parafraseio John Stuart Mill no título deste texto porque também tenho a pretensão de discorrer sobre a liberdade, assim como bem fez o referido inglês na obra filosófica de mesmo nome. Entretanto, o conceito de liberdade a que disponho tratar aqui não tem nada de filosofia. Se tiver alguma, é daquelas bem baratas, de botequim de esquina. O caso é que se trata daquilo que entendo hoje por liberdade, baseado na minha experiência de vida.

Apenas para ilustrar o que digo, irei pincelar um pouco sobre a obra de Mill. Em "Sobre a Liberdade", o autor discorre sobre a "liberdade civil", ou seja, sobre "a natureza e os limites do poder que a sociedade legitimamente exerça sobre o indivíduo". Isso porque o objetivo dele era "orientar de forma absoluta as intervenções da sociedade no individual". Para tal, ele estabeleceu um princípio: "a única finalidade justificativa da interferência dos homens, individual e coletivamente, na liberdade de ação de outrem, é a autoproteção". Contudo, como bem frisei anteriormente, do que falarei não tem nada a ver com isso. Irei começar, para que melhor se entenda.

Entendo a liberdade de diversas maneiras. Entendo que haja uma liberdade plena ou, diria melhor, utópica, que seria aquilo de poder fazer tudo o que se quer e de poder não fazer tudo aquilo que não se quer. Só para ilustrar mais essa minha noção de liberdade, posso citar outro filósofo vivido no século 17 que considerava que os homens eram livres por natureza. Thomas Hobbes, inglês filósofo de que trato, disse em sua obra "Leviatã" (aliás, um nome bastante sugestivo e, diria mais, bonito) que essa noção de liberdade que apresentei era o que ele considerava como a forma da liberdade dos homens em seu "estado de natureza". Porém, numa situação onde todos podem tudo, o homem, ser mau por natureza, tornaria seu próprio lobo, e assim a vida seria impossível, pois a vida de todos estaria em risco permanentemente. Daí, os homens transfeririam sua liberdade a um soberano, o Estado, e assim, passariam do estado de natureza para o "estado civil" - onde a vida em sociedade é possível, pois ela seria preservada pelo Estado (o Leviatã). Pois bem, apesar do que disse até agora já ter sido dito antes, não tenho a intenção de construir modelos sobre a gênese do Estado, como era a de Hobbes. Quero dizer apenas que considero a liberdade plena irrealizável, pois ela levaria fatalmente ao fim de quem a possui. A não ser que se queira viver isolado, aí sim, uma tal liberdade tem condições de se realizar. Aliás, essa é uma relação que depreendi da minha experiência de vida: liberdade e solidão estão intimamente ligados. À medida que se queira se compartilhar com os outros, mais da sua liberdade deve ser cedida. Todos têm desejos, porém, freqüentemente a realização de um desejo implica no impedimento da realização do desejo de outro, e esse dilema é constante na vida em grupo. Tomemos um relacionamento amoroso, por exemplo. Um quer assistir um filme, a outra quer sair para dançar. Eis o dilema! Para que o "estado de natureza" não se estabeleça, alguma concessão terá que ocorrer. É algo óbvio, concordo, talvez trivial, mas é nu e cru: se quiser não ficar só, conforme-se em perder parte da sua liberdade.

Essa é uma das visões que tenho da liberdade. Há uma outra que está relacionada ao livre-arbítrio, que é aquilo que Deus nos facultou quando nos arremessou para dentro desse caos que é a vida, ou que é a "faculdade do homem de determinar-se a si mesmo", como se diria em Filosofia. Com o livre-arbítrio os homens passaram a tomar decisões, e tomar uma decisão implica, necessariamente, em fazer uma escolha. Quando se tem a possibilidade de poder escolher algo dentre outras, pode-se dizer que se tem a liberdade de decidir o que é melhor para si. Claro que esse "melhor" é algo relativo, pois pode-se muito bem se escolher o "pior". Contudo, eu diria que essa noção de liberdade é a que realmente se pode realizar, uma vez que é impossível poder fazer tudo o que se quer, como já exposto antes. Nem tudo que se quer é possível de fazer, mas parte desse tudo é possível, assim como há aquilo que não queremos fazer mas podemos optar por não fazê-lo, com algumas exceções, é claro, se não seria a liberdade plena, e essa, é claramente limitada. Novamente uma ilustração sobre isso, dessa vez mais prática do que teórica. Uma certa vez conheci uma garota numa festa e nos beijamos nesse dia. Mantive contato com ela, conforme os dias passavam, e tive outras oportunidades de encontrá-la. Dei-me por apaixonado por ela, então, decidi - e friso esse "decidi" - abrir meu coração. Escrevi cartas de amor, fiz declarações ao telefone, etc. Contudo, havia um grande problema. Como disse, tive oportunidades de encontrá-la que, porém, eram poucas. Nós morávamos em cidades distintas e distantes, e por esse motivo ela, apesar de confessar que também nutria um sentimento por mim, refutou minhas intenções de aprofundar a nossa relação. Notem bem, eu quis uma coisa e tomei uma decisão para conseguir essa coisa, tudo isso porque sou livre, entretanto, por a garota ser igualmente livre, ela decidiu não ter essa coisa, por não a desejar. A forma com que exponho isso pode ser muito formal, admito, mas vivi essa experiência intensamente. Senti todas as emoções dos desdobramentos que tiveram essa minha infeliz relação amorosa. Não me arrependo de nada, pois foi uma experiência edificante. Por isso não se impressionem com a maneira descalorada com que relato isso.

Agora reflitam sobre esse verso da música "Guardas da Fronteira" de Humberto Gessinger. "Acontece que eu não tenho escolha, por isso mesmo é que sou livre". Uma antítese? Uma contradição? Um paradoxo? Como afirmar que se é livre, após todo esse discurso sobre liberdade, quando não se tem escolha, quando só há uma coisa a se fazer? Para mim, Gessinger não está errado. Esse verso é para nos lembrar que tomar decisões implica também em criar a dúvida sobre aquilo que não foi decidido. Como saber se aquilo que não foi escolhido poderia ser melhor do que aquilo que foi? É impossível, pois a liberdade plena não existe! Uma escolha implica em conseqüências que não podem ser desfeitas ou ignoradas, logo, não é possível se remeter à situação anterior à tomada de decisão e tentar a outra alternativa. Por isso mesmo que quando não se tem escolha se está livre. Livre da dúvida. Tem-se, aqui, mais uma perspectiva distinta sobre o que é ser livre.

Vejamos agora a coisa por um viés totalmente oposto. Quando não se é livre podemos dizer que somos presos. Um sujeito quando é punido por um crime tem a sua liberdade privada e a situação que passa a estar é a de "preso". Não seria a consciência uma forma explícita de limitante da nossa liberdade? Oras, quando estamos conscientizados de uma situação ou de alguma coisa, muitas vezes deixamos de tomar certas decisões. É a consciência que nos impede de certos atos. É quando inconscientes que beiramos o "estado de natureza". Quantas vezes, deixados se tomar pela raiva, agredimos outras pessoas. A consciência, por um lado, nos liberta da ignorância quando nos permite o esclarecimento, e por outro, nos prende, pois toma parte da nossa liberdade.

Por fim, gostaria de discorrer sobre um outro tipo de relação a que a liberdade está submetida, e que já foi implicitamente citada anteriormente. Trato da relação entre liberdade e poder. À medida que podemos fazer mais coisas, também podemos deixar de fazê-las, logo, somos mais livres. E eu concluiria: poder é a chave da liberdade. Pela forma como nossa civilização tem se desenvolvido, há dois fatores que contribuem para o acréscimo do poder de alguém: dinheiro e informação. Dinheiro, porque com dinheiro pode-se comprar aquilo que se quer. Com dinheiro eu posso aquilo que eu quero, eu posso aquilo que eu não quero também. Antigamente, para influenciar as pessoas era preciso ter posses, riquezas e uma espada bem afiada. Atualmente, onde tudo é nivelado pelo valor monetário, não se é preciso tanta coisa para ser poderoso. Ter dinheiro é meio caminho andado, para exercer influência sobre os demais. E informação, porque com informação pode-se tomar decisões com mais segurança. Tente sair de casa para ir trabalhar sem saber a previsão do tempo do dia, por exemplo. Se você mora em São Paulo, é possível até que não volte para casa, haja visto às enxurradas que costumam acontecer nessa metrópole, mas na maioria das vezes pode-se voltar molhado ou resfriado. De manhã o tempo está ameno, mas no fim da tarde a temperatura cai, e se você não tem a devida informação, talvez saia de casa sem agasalho ou guarda-chuva e aí já viu né? A verdade é que esse exemplo climático que apresento é bem banal, mas acho que serve bem para ilustrar que é muito melhor decidir por alguma coisa munido de informações do que sem saber nada de nada.

Bom, eis aí o que entendo sobre "essa tal liberdade" (como já cantaram alguns pagodeiros). Não é algo definitivo, pois enquanto estiver vivo, estarei aprendendo novas coisas e revendo meus conceitos. Mas me deu a vontade de discursar sobre a liberdade agora, e confesso que isso é algo que tenho como valor em minha vida. Muitas vezes já me imaginei vivendo os tempos da ditadura ou vivendo em qualquer país onde não se possa se expressar livremente. Temo que talvez não vivesse por muito tempo.

São Paulo, 04/07/2005

3 comentários:

Anônimo disse...

Olá. Bem, pra escrever a respeito deste texto eu tive que imprimí-lo e levá-lo p/ casa para poder tirar as minhas próprias impressõees. Finalmente consegui lê-lo hoje cedo a caminho do trabalho, após uma brava luta contra o sono (rs). Bem, a minha primeira impressão a respeito deste texto é q vc escreve muito. Sim, eu ñ entendo muito de muitas coisas, mas posso dizer que vc escreve como escritor. A maneira como discorreu a respeito do tema e a forma minunciosa como narrou sua visão sobre a liberdade, acrescentando experiências pessoais de maneira tão formal (ou "descalorada" como vc mesmo citou)... poxa, eu fiquei boquiaberta e só podia ser a primeira coisa q eu podia fazer hoje - de dar um baita de um parabéns. Concondo com quase tudo q vc escreveu, minha visão é muito parecida com a sua, mas claro, tbém tenho meus pontos de vista isolados e obviamente ñ irei acrescentá-los pq ñ tem "o dom" pra lidar com o assunto de maneira tão sóbria como vc o fez. Parabéns resume tudo, ficou ótimo (na minha opnião)!

Anônimo disse...

Oi, primeiramente gostaria de concordar com o comentario anterior: vc escreve muito bem. Tenho 14 anos e estava fazendo uma pesquisa da escola, cheguei nesse site por acaso, mas gostei muito. Pra falar a verdade, odeio esses textos longos, mas com o seu texto a coisa foi diferente, gostei muito de ler e to ate entendendo algumas coisas sobre essa tal liberdade... lendo esse texto a gente nao quer mais parar de ler, e muito bom. Parabens.

Ivo La Puma disse...

Vc podia deixar algum contato seu, mas valeu meu caro Anônimo! Agradeço a suas palavras...