terça-feira, maio 16, 2006

A guerra da janela do carro

Eu vi o maior congestionamento de carros que eu vi na vida. O maior congestionamento da vida as autoridades não viram, pois não mediram precisamente o tamanho do congestionamento. Mas eu vi milhares de motoristas desafiando as leis da física, querendo todos ocupar os mesmos lugares ao mesmo tempo.

Eu vi um motociclista atropelando uma senhora gorda. Ele não a feriu seriamente, mas ela caiu no chão. Enquanto ela chorava de dor, eu vi um outro homem tentar levantá-la. E eu vi o motociclista indo embora, fugindo. Imaginei o que aconteceria se o atropelado fosse ele...

Eu vi uma moça no carro ao lado em desespero. Não entendi porque estava desesperada, mas eu senti seu desespero. Eu quis baixar o vidro, perguntar-lhe se precisava de ajuda, mas não o fiz. Imaginei que a deixaria mais desesperada.

Eu vi policiais cautelosos, montados em motocicletas, passando pelas entre-pistas. Vi outros policiais cautelosos, de pé nas calçadas, com armas em punho.

Eu ouvi no rádio as notícias, as autoridades e os jornalistas dizendo as batalhas, as mortes e as decisões que aconteceram e ainda aconteceriam, até ali, dali em diante.

Eu senti minha bexiga apertar, quase estourar. Eu parei no meio do caminho para urinar.

Eu fui buscar minha mãe no trabalho. Eu sabia que os ônibus não estavam circulando e ela não conseguiria chegar a salvo em casa.

Eu fiquei cinco horas no trânsito para chegar até minha casa.

E eu ainda vi, no dia seguinte quando parei num farol, um velho senhor grunhindo-me coisas ininteligíveis para me pedir esmolas. Oras, ininteligíveis?! Ele queria esmolas! Tentei responder que não poderia ajudá-lo. Nem me ouviu. Entendeu que minhas palavras não ditas não o ajudariam. E eu senti que mesmo se o ajudasse, não poderia ajudá-lo...

Eu vi a cidade em pânico, eu senti pânico. Eu vejo a cidade em guerra, eu estou em guerra.

Um comentário:

Anônimo disse...

Ouvi muitas histórias, e tbém senti muito medo. Simnceramente não por mim, mas pela minha família. Procurei palavras pra escrever, mas descambei pra política, e sobre isso eu ñ escrevo mais. Poucos textos me fizeram voltar às sensações de segunda como o seu. Muito bem escrito, parabéns. (tbém estou em guerra, como minha cidade)
p.s.: concordo com o Alvaro, é bem ruim não saber quem diz a verdade. É bem ruim não saber o q está acontecendo ao certo, bem ruim.