terça-feira, junho 27, 2006

Eu tenho que falar de futebol!

Eu tenho que falar de futebol. Eu tenho que falar de futebol. Não posso deixar de falar sobre futebol.

E futebol, hoje, é Copa do Mundo.

Daqui a pouco o Brasil joga contra Gana. Então já lanço meu palpite: 3 a 0, com gol do Ronaldo Bussunda. (Ah, essa morte foi chocante, né? Eu sou o maior fã da turma do Casseta e adorava o Bussunda!).

E por falar em Casseta, falo de Rede Globo e do incidente das leituras labiais do Parreira. Verdade ou não o que Parreira disse no campo, sei que seu conceito está aumentando comigo. Não estava nada contente com seu discurso pré-Copa. Um discurso confiante demais. Algo do tipo, só pôr o time em campo que a orquestra toca a sinfonia. Nossa Seleção não pode entrar de salto alto. Isso não funciona com a gente, não sabemos administrar isso. O time brasileiro precisa sempre jogar motivado, por provocação, por comoção, o que quer que seja. É da nossa cultura. Não gostamos de empáfia. Eu não gosto. E o Parreira estava com um blablablá estranho. Algo assim, "só na Semi estaremos 100%". Porra, só na Semi? Já está contando que vai chegar lá? E até o jogo contra a Austrália eu estava descontente com a Seleção. E havia jurado a mim mesmo, se empatasse qualquer jogo na primeira fase, iria torcer para a Itália e Portugal. Quer dizer, ainda estou torcendo por eles, mas numa escala de prioridades menor. Por exemplo, agora a escala é: primeiro Brasil, depois Itália, depois Portugal, depois qualquer sul-americano. Se o Brasil não ganhasse tudo, caia do ranking. Mas como eu dizia, o conceito do Parreira aumentou porque eu achei correto ele bancar o Ronaldo até agora. Eu mesmo estava muito descontente com o Ronaldo. Não pelo seu futebol, pois sabia que ele poderia ressurgir. Mas por sua conduta até então. Reclamando como se fosse uma mulher quando tem seu peso criticado pelo marido, batendo boca até com o Presidente da República. O Ronaldo, jogador renomado e talentoso como é, só tinha que aceitar as críticas e responder no campo, como fez. Porque depois vir na tevê dar entrevista é mais fácil, né? Voltando ao Parreira, o que me cativou mesmo foi a sua desbocadura decifrada pela leitura labial que revelou um outro lado do técnico. Um lado mais emotivo, que também desabafa. Um lado humano. Eu xingaria da mesma forma como ele xingou.

E já que falei em Semi, meu palpite é: Brasil e Portugal de um lado, Alemanha e Itália de outro. Pero soy argentino desde niñito contra los alemánes. Meus amigos, a Alemanha é esse time assim. Joga feio, mas ganha jogo. E eles estão em casa e querem desforrar 2002. Eu confio que chegaremos à Final mas já arrisco, se for contra a Alemanha, seremos vice. E eu também quero muito ver uma final Brasil e Argentina. Uma final assim seria um retrato justo do que é o futebol mundial. As duas nações que formam os melhores jogadores. As duas melhores fornecedoras de matéria-prima. Sim meus caros, porque futebol é um puta negocião. E como sempre, nós, que estamos abaixo da Linha do Equador, fornecemos matéria-prima e a Europa, o centro, transforma-a em produto acabado, como numa indústria.

Radicalizando a troca do assunto. Meu sangue italiano não pôde deixar de ferver e não pude deixar de me emocionar com o jogo da Azzurra contra a Austrália. O pênalti pode até não ter existido, mas a Itália mereceu vencer. A expulsão de Materazzi foi injusta, e o time italiano soube jogar eficientemente com um a menos. São insuperáveis na defesa e conta com jogadores de refinada técnica, como o Totti. E a Austrália não soube se aproveitar da vantagem no número de jogadores. Logo, mereceu voltar para Sidney mais cedo. E eu fiquei quase tão contente como numa vitória do Brasil ou do Palmeiras. Torci muito pela Itália.

E a Suíça caiu sem levar um gol sequer. Por isso futebol é futebol. Fascinante, imprevisível, subversivo. E tira-se uma lição disso. A melhor defesa é o ataque. Ou como disse o técnico de Gana sobre como fazer para ganhar do Brasil: "to score more goals!". Se no jogo contra a Ucrânia, a Suíça fizesse mais gols do que levou, estaria nas Quartas. E por falar em Ucrânia, aquela da propaganda da Fiat foi ótima. Os ucranianos são os mais perigosos por causa do crânio! Ingênuo, mas inteligente. Aliás, muito inteligente. Pois futebol é inteligência. Um time pode ter os mais altos e mais fortes jogadores, mas se eles forem uns gansos (para pegar emprestado um termo que um amigo usa freqüentemente), nunca serão campeões. E o Romário, baixinho, franzino, é o Romário, porque é inteligente. O Tetra foi por ele.

Pronto. A mão já parou de coçar. Já falei de futebol. Por ora, já está bom.

sexta-feira, junho 23, 2006

Filhodaputa é você!

Hoje acordei às 5h20. Me levantei e fui tomar banho. Às 5h50 já estava na rua, rumo ao sagrado dia de serviço.

No meio do trajeto, ouço o noticiário vindo pelas ondas de rádio:

- No início da manhã, uma carreta derrubou cilindros de gás inflamável na Marginal Pinheiros. Dois cilindros vazaram e a CET interditou as duas pistas, no sentido Castelo Branco.

Eu estava a caminho da Marginal Pinheiros, sentido Castelo Branco.

Acompanhei o noticiário. Dizia que se levaria pelo menos umas três horas para liberar o local. Os motoristas deveriam evitar a região interditada. Enquanto eu parava no trânsito da Avenida Bandeirantes, que já havia se formado em decorrência do bloqueio na Marginal, pensava no que eu poderia fazer para chegar o mais rápido possível ao meu local de destino.

Entro no trabalho às 7h30. Tenho que acordar muito cedo para chegar lá nesse horário. O trânsito da cidade é crônico, aliado à distância que tenho que percorrer, faz com que a falta de pontualidade seja um dos meus piores defeitos profissionais. Já cansei de escutar meu chefe reclamar dos meus atrasos.

Devido a um brutal esforço, e a uma ajuda que sou eternamente grato, e que não convém descrever aqui e agora, tenho conseguido me levantar religiosamente às 5h20, para sair às 5h50 e chegar no trabalho às 6h40. Eu descobri que chegar às 7h30 em ponto é tarefa para um semideus, pois além de acordar cedo, é preciso prever variantes de clima, acidentes de automóveis e outros problemas que influenciam na parca fluidez do trânsito paulistano. Logo, o negócio é chegar bem antes. Pois o trânsito é menor e menos estressante. Além disso, posso cochilar no carro no estacionamento até dar a hora da entrada.

Pois bem, enquanto eu pensava e descobria que nada eu poderia fazer para encurtar o tempo de chegada no trabalho, lutava contra o sono. Havia acordado bem cedo e por essas tantas, era por volta de 6h30. O horário do meu cochilo estava se aproximando.

Após mais ou menos uma hora e meia de pensamentos vãos e de intensa luta contra o sono, escuto, vindo da janela do meu carro:

- Seu filhodaputa!

Tomei um susto, olhei para o lado. Repetiu: "Filhodaputa!".

Era um motoqueiro. Eu estava parado, o que fiz foi andar para a frente, em linha reta. E eu estava na pista, a mais à esquerda da avenida. Oras, por que fui xingado? Só se ele se assustou com o meu movimento. Mas, porra!, um movimento para frente?

Oras, eu sei o quanto é perigoso a vida desses motoqueiros. Tanto sei que sempre dou a seta quando mudo de faixa, e tomo o maior cuidado, olho e reolho no retrovisor se vem algum motoqueiro desvairado. Eu sei que, por mais que eles não tenham razão em andar nas entrepistas como andam, eles são a parte mais fraca nesse embate cotidiano pelo espaço do trânsito entre automóveis e motocicletas. Mas por que fui xingado? Por quê?

Uma raiva me tomou. Me senti injustiçado. Eu que tanto prezo pela segurança desses motoqueiros fui prejulgado por um movimento totalmente legal, e fui condenado a ser um filhodaputa! A raiva me tomou de tal forma que cogitei descer do carro e tomar satisfações. Mas parei novamente atrás de um carro e o motoqueiro se foi pela entrepista:

- Que morra! Que morra! Eu quero que esse filhodaputa morra!

Me descontrolei. Quando me dei conta, me arrependi. Só uma vez na vida desejei a morte de uma pessoa antes, um desafeto da adolescência, um outro filhodaputa. Que me arrependi também.

Porém, o estado de descontrole me trouxe algumas ponderações. Eu sou justo no trânsito, e benevolente. Tenho compaixão pelos desvairados e ilegais motoqueiros que transitam pelas entrepistas. Mas mesmo assim sou injustiçado por um deles. Compensa ser justo?

Recentemente fui injustiçado outras duas vezes. Como são assuntos delicados e particulares, não irei descrever aqui. Mas minha reação foi idêntica. Revolta. Numa dessas ocasiões eu dizia a quem me injustiçava, "sou franco e justo e o que ganho?".

Acalmem-se, é só um desabafo. Eu não irei mudar meu comportamento e agir como os injustos que critico. Eu não me corromperei - foi o que disse a mim mesmo também.

Contudo, se por acaso algum motoqueiro ler esse texto e não gostar do que escrevi - principalmente porque eu me refiro a "motoqueiros" e não a "motociclistas", como reivindicam alguns dessa classe de trabalhadores - pois bem, que diferença isso faz, eu não vejo mal nenhum em me referir a motoqueiros ou motociclistas. Eu acho a palavra "motoqueiro" mais expressiva.

E se algum desses motoqueiros-leitores já tiver xingado algum motorista injustamente. Ah, a esses eu digo:

- Filhodaputa é você!

terça-feira, junho 06, 2006

O outro

Entrou no buraco. Estava escuro.

- Ei, estou te vendo! Sai daí!

O menino chorava. Ele tinha medo de sair do buraco.

- Ei, a infância já passou! Já é hora de enfrentar os medos, se livrar dos pesos e viver! Vem!

O mundo é muito grande, os homens são todos grandões. O menino era pequeno, ele se via muito pequeno.

- Já és homem! Não vês? És forte, saudável, bonito! És inteligente! És bom! És grande!

- É mentira! Não sou! Aí fora é perigoso, eu só me machuco! Aí fora eles me pegam! Eles são fortes, são bons, são grandes! Eles são invencíveis! E eu não posso com eles!

E o menino continuou o choro compulsivo. Repulsivo. Rangeu os dentes.

- És tu! Tu! Tu que te vês assim: fraco, feio, pequeno, vil! Não percebes? És tu! Eles têm medo de ti! Porque és igual a eles e porque também és diferente! Eles não suportam essa diferença, não suportam que a ordem seja subvertida! E há outros que te admiram também, é tu que não vês!

Enterneceu.

- Vem, meu filho! Eu sou teu pai agora. Estou contigo, sempre estive. Espero ansiosamente por este momento. Vem, sai daí! Já é hora de viver!

O menino engoliu o choro e se levantou. Ele saiu do buraco e se viu de igual para igual ao outro que lhe falava. Ele viu que era o outro.

Transparência

Como todas as manhãs, olha-se no espelho. Essa barba já está grande. Mas não estou com saco de fazê-la. Essa olheira nunca sai daí. Adianta ir dormir mais cedo?

Ainda está nu, olha-se. Espera! O que é isso?

Apalpa-se. Cadê minha pele?! Cadê minha pele?!

Vê seus órgãos. O fígado é o mais feio, parece doente, mas não sente dor nenhuma. Sofro do fígado? Como o homem do subsolo? Preciso terminar de lê-lo...

Continua diante do espelho, perplexo. De repente, um desatino. Olha o coração, olha o estômago, tão frágil. Sou assim, frágil. Por isso tanta dor, tanto sofrimento. Não há couraça! Tanta fragilidade não pode ficar assim exposta... Eis a resposta! Por isso eles não sentem dor, não sofrem. Só eu que me exponho, que ponho tudo para fora. Quanto tempo será que ainda duro assim?

Veste-se. Não vou tomar banho hoje, está frio. E estou atrasado. Depois eu penso sobre essa revelação.

Como todas as manhãs, sai apressado.