quinta-feira, junho 30, 2005

666

Seis seis seis
Pensam que eu não existo
Penso logo existo
Não penso só erro
Exatamente existo

Seis seis seis
Irracionais não pensam
Superiores pensam ser
Medíocres são
Mediocremente iguais

Sete sete sete
Não sete seis
Não erram não sentem
Não pensam não são
Superiormente perfeitos

Sou sou sou
Tudo que pensei
Tudo que senti
Tudo que errei
Inferiormente imperfeito

Ivo La Puma, escrito em 20/05/2005

quarta-feira, junho 29, 2005

Dias de deus

Dias longos
Dias úteis
Dias de sacrifício

Dê sangue a um deus
De mãos invisíveis
De pecado Kapital

Ivo La Puma, escrito em 31/05/2005

terça-feira, junho 28, 2005

Nascer no mundo

Você nasce e o mundo já está aí
Com terra, água, plantas, animais
E um monte de outros iguais a você

Você nasce e o mundo já está aí
Com sociedade, governo, máquinas, guerras
Com tudo inventado por esse monte igual a você
Mas que veio um pouco antes

Você nasce e o mundo já está aí
Com esse monte de outros iguais a você
Com inveja, ódio, ambições, paixões
Com tudo que é praticado e causa o mal
Tudo que é considerado da natureza humana

Você nasce e o mundo já está aí
Com esse monte de outros iguais a você
Todos infelizes, desesperançados, aprisionados
Em um mundo condenado
A ser sempre esse mesmo mundo

Você vive e o mundo não está nem aí
Tenta sentir, pensar, amar, mudar
Fazer o que pode e o que não pode
Para salvar um mundo indigno

Você morre e o mundo continua aí
Esperando todos os outros morrerem
Mas o mundo também vai morrer...

A verdade é que
Você, os outros, o mundo
São todos natimortos

Ivo La Puma, escrito em 29/03/2005

sexta-feira, junho 24, 2005

Indiferentes impressões

O Presidente falando na TV para dizer que a corrupção está sendo combatida e que tudo está numa boa - a economia, os projetos sociais - enquanto o Congresso vira um ringue, deputados se degladiam e as CPI's se instalam. Dejà vu.

Carros-bombas explodindo em Bagdá. Mais atentados dos partisans de Saddam contra a ocupação bushiana e mais 35 mortos no último dia. Já virou rotina, não impressiona mais.

Uma quadrilha invade um condomínio no litoral paulista e faz um arrastão em sete apartamentos que estavam fechados. Normalíssimo, está previsto no nosso sistema de vida.

Na semana passada mesmo, um morador do bairro onde moro foi brutalmente assassinado, com dois tiros, quando ia à padaria comprar pão. A vítima era um idoso, tinha fama de "fofoqueiro" e a fofoca era que esse teria sido o motivo: ele estaria falando coisas que estavam desagradando à bandidagem local. Confesso que nem isso me causou impacto. Meu irmão me relatou o fato totalmente transtornado, pois ele vira o cadáver - foi à padaria minutos depois do ocorrido - e eu o escutava todo tranquilão.

Na Romênia, um padre e quatro freiras são indiciadas pela morte de outra freira. Eles a prenderam numa cruz, amordaçaram-na e a privaram de água e alimentos. Ela morreu de inanição após 15 dias. Opa! Isso não é normal!

O fato gerou polêmica no país com relação às práticas medievais toleradas pela igreja ortodoxa. Bom, meu interesse aqui não é questionar o que uma ou outra igreja tolera ou deixa de tolerar. Apenas atestar que o fato em si me causou espanto. E creio que isso foi por causa da crucificação em si. Em épocas passadas existiram, além de crucificações, outras formas de execução como empalamento, enforcamento, esquartejamento, decapitação. Formas de se assassinar brutais e sanguinárias sempre me causaram horror, e não me conformo em saber que isso ainda ocorre nos nossos dias. Acredito que nossa espécie tinha evoluído ao longo do tempo. Ou acreditava... Um outro ponto que me chamou a atenção é que o padre indiciado alegou que "lutava contra o diabo", pois a religiosa estaria possuída. Por isso ele não se arrepende do ato, pois alegou estar cumprindo a sua missão terrena.

Eu tenho plena consciência desse fenômeno que me ocorre - a indiferença diante a certos fatos do cotidiano. Chama-se blasé e é caracterizado como uma resposta comportamental do indivíduo frente ao conteúdo da vida na cidade grande, que é opressora e ameaça sua autonomia. Se um morador de uma metrópole reagisse adequadamente, com a mesma energia, aos estímulos que recebe diariamente, entraria em colapso. Um pensador alemão do começo do século passado estudou esses e outros fenômenos sociológicos. Trato de Georg Simmel.

Por isso que me alentou o meu espanto diante do fato da crucificação na Romênia. É um sinal de que não perdi totalmente a capacidade de me impressionar com todos esses acontecimentos que, para mim, são todos totalmente sem sentido. Mas qual é o sentido de tudo, afinal?

Eu não sei, mas tenho uma suspeita. Contudo, confesso me deprimir só de vislumbrar conjeturá-la. Acho melhor continuar indiferente.

sexta-feira, junho 17, 2005

Cúmplice perfume

"O amor que trago no peito
É carga pra mais de dez
Morena de endoidecer
Morena de endoidecer"

Morena de Endoidecer - Djavan

Está imerso em pensamentos. Meditando. Quase dormindo... De pé. Está num vagão do metrô paulistano rumo ao centro da cidade, rumo ao templo do deus mercantil que exige diariamente sua cota de sacrifício para sua manutenção. Do deus e dele.

Ouve as noticias matinais num walk-man. Escândalos nos porões do Poder. O tesoureiro do partido do presidente da república é acusado de comprar a fidelidade de deputados nas votações dos projetos governistas. O tal "mensalão". A política tupiniquim está em crise. Chiado... O trem acabara de entrar no túnel.

Mergulhado em sua mente, ele continua alheio a tudo. O trabalho, o escândalo, o chiado. Ele está longe, bem longe... E bem acompanhado.

Uma coceira nas narinas. Snif, snif! Desperta. Se vê no meio de um mar de gente. Suadas, taciturnas, apáticas. Cadê? Procura-a ali. Cadê? Snif, snif!

Não a encontra. Mas descobre o que o despertara. A moça a seu lado está usando o perfume dela. Sim, é o perfume dela! Nunca se esqueceria do odor. Todos seus maravilhosos momentos vividos com ela estão compactados em sua memória e ligados à percepção olfativa do perfume que essa moça a seu lado está usando. Quanta decepção. Por um momento julgou estar no paraíso...

- Que horas são? É a moça do perfume. Aponta para seu relógio.

- Como?! Fora pego de surpresa. Ah, sim... Tira o fone do walk-man e olha para o pulso. Sete e meia!

- Obrigada!

Que fragrância! Não se conforma de não a ter ali. Também não se conforma por não saber quando a teria novamente, se fosse tê-la. Olha a moça. É loira, bonitinha. Mas a vê morena, lindíssima.

- Me desculpe, mas que perfume é esse?

- Como?! Ele a pegou de surpresa agora.

- O perfume que está usando? É delicioso!

- Ah, sim... Cúmplice! Da L'Acqua di Fiori!

- Qual o seu nome?

- Graça!

Graça! Que graça! E que engraçado! É o mesmo nome dela...

Engraçado nada! Já há muito tempo que não acredita em coincidências. Vira-se de frente para ela e segura-a pelos braços. Tasca-lhe os lábios. Ela esquiva. Ou tenta. O vagão está lotado. Sua sorte é que no momento seguinte o trem para na estação e a turba que sai extrai o rapaz de seus lábios.

É a Estação Sé. Mas para o rapaz, é o Paraíso.

Ivo La Puma
Escrito em 07/06/2005

quinta-feira, junho 16, 2005

Surto de consciência

Oito da manhã. Ao canto da mesa, no chão, põe a mala. Em cima, põe o celular. Liga o computador e vai ao banheiro. Na volta, passa na copa, bebe um copo de água e pega um pouco de café. Vem para a sua mesa. Senta. Estrala os dedos e digita a senha de acesso à rede corporativa. É o começo de seu produtivo dia. Seu dia...

Tem uma tarefa planejada para a manhã. Confeccionar uma planilha com informações sobre os resultados das vendas dos seis meses anteriores. Haverá uma reunião com os diretores da empresa às catorze horas. Essas informações serão imprescindíveis para nortear o que será decidido nesse conclave. Se e o quanto cortarão na carne, para equilibrar as contas da empresa e continuar mantendo as metas de resultados anuais. Se as metas não forem atingidas, os investidores ficarão decepcionados e será difícil obter recursos para os projetos de crescimento do ano seguinte. A empresa, para crescer e se demonstrar rentável e atrativa aos capitalistas, se endivida. Para honrar as dívidas, corta despesas. Não tendo mais como diminuir os custos, encolhe sua capacidade produtiva demitindo. Uma lógica inefável. Para crescer, a empresa diminui. Para crescer, a empresa aumenta... o desemprego.

Tem consciência da capitalidade de sua atual tarefa. Está ansioso. Receia o produto que advirá de seus esforços. Receia parir um anticristo. Respira fundo e começa com um destemor, reconhecidamente falso, a produção da inexorável planilha.

Então digita, e clica, e abre arquivo, e importa dados, e elabora fórmulas, e digita, e clica, e digita, e clica, e abre outro arquivo, e importa mais dados, e digita, e clica, e executa programa para produzir mais dados, e abre arquivo, e importa mais dados, e digita, e clica, e elabora fórmulas e fórmulas e mais fórmulas, e digita, e clica, e digita, e clica... Por fim, executa as fórmulas e calcula as informações que encerram sua tarefa da manhã. Porém, antes de finalizar de vez, ainda formata os dados produzidos e clica no botão que grava a planilha no disco do computador.

Suspira. É a hora da verdade. Vai avaliar a planilha para ter o seu juízo final. É o anticristo ou não? De repente, um clarão de pensamento lhe irrompe. Fica em transe.

Uma explosão. A Grande Explosão. Espaço se expandindo. Rochas frias e incandescentes se consolidando numa harmonia tão perfeita de tão caótica. Água, ar, terra e seres animados e inanimados surgem. Um grande apêndice de pedra brota e rareia o que era floresta densa. E os que ali vivem dependurados, passam a viver ao nível do chão e de coluna ereta. Então, surge você. Surge você no meio de um mundo já feito, sem nada entender como tudo foi feito. Você está ai. Quem é você? O que faz você? O que será você? É um monte de carne, sangue e osso que inexplicavelmente tem duas capacidades que o distinguem de qualquer outro tipo de ser que habita ou habitou esta terra. Pensa e sente. Está vivo. E será morto...

Após o clarão, sente vontade de sumir. Não se move, não pisca, parece que não respira. Quando pensa que sumiu, sente que dormia e acorda. Assim, puf, do nada. Por ínfimos instantes não sabe aonde está. Não tem noção nenhuma de quanto tempo ficou cataléptico.

Olha para o relógio. Treze e cinqüenta. Também não tem noção de quanto tempo havia passado fazendo o trabalho. Imprime algumas cópias da planilha e as deixa na mesa do seu chefe. Um ruído chama sua atenção. É o seu estômago que grita roucamente. Se dá conta que está com fome... E vai almoçar.

Ivo La Puma
São Paulo, 16/06/2005

terça-feira, junho 14, 2005

Uma matutina cena paulistana

Ia com seu carro ao trabalho. Parou no farol vermelho de uma avenida. A dois carros a frente viu um rapaz jovem, alto, forte. Um rapaz negro. Como o viu abordando os carros sua preconceituosa mente já pensou, "está pedindo dinheiro!" Pensou isso porque viu que estava com as mãos livres, pois se estivesse com algo que lembrasse uma arma pensaria coisa pior.

Viu uma mão saindo da janela do carro dando moedas ao jovem. Estava realmente pedindo dinheiro. O jovem veio para o carro a sua frente, encostou o rosto perto da janela, falou alguma coisa. Nenhuma mão se estendeu. O farol continuava fechado. "Droga, ele virá pedir dinheiro para mim!"

E veio mesmo. "Aí cara, tem dez centavos sobrando aí?" O rapaz olhou pela janela vasculhando o interior de seu veículo. Viu sua mala no banco do passageiro, viu o rádio ligado e viu umas tranqueiras no porta-moedas.

Olhou calmamente para o jovem abordador com um leve sorriso, sorriso de pseudo-autoconfiança. "Ih velho, hoje não tenho!". Realmente não tinha dez centavos sobrando ali. Tinha dinheiro em sua carteira guardada na mala. Mas mexer nela apenas sob a coação de uma arma. O jovem se certificou que não tinha nenhuma moeda visível e deu as costas. O farol abriu. Engatou a primeira e partiu. Mas antes escutou o jovem abençoá-lo, "obrigado, fica com Deus!".

Ironicamente, não percebeu nenhuma ironia nas palavras do rapaz.

São Paulo, 13/06/2005

quinta-feira, junho 09, 2005

Subversivo e ignorante

Além de subversivo, sou muitas vezes impulsivo. Na ânsia de expressar meus pensamentos e sentimentos sobre os conflitos terrenos e celestiais que me afligem, esqueço-me de tomar canja de galinha - que assim como a cautela, não faz mal a ninguém.

A campanha que citei no texto anterior movida pela Abrafarma não é para pressionar o governo nacional, e sim o governo estadual paulista. A alíquota de imposto em questão é o ICMS, de competência do Governo do Estado de São Paulo.

Faço o mea culpa. Assumo ser tão subversivo quanto as bananas comedoras de macacos e, além disso, assumo que estava mal informado sobre a natureza jurídica dos impostos que criticava. Estava mal informado, mas disse tudo aquilo com fé, sem levianidade nenhuma. Sou subversivo, às vezes sou subvertido, mas não sou hipócrita.

quarta-feira, junho 08, 2005

As subversivas bananas brasileiras

O país está subvertido. Não sei desde quando, mas passarei a pensar nessa questão a partir de agora, uma vez que eu, como subversivo convicto, preciso me inteirar sobre como é, qual o nível e os demais que tais da subversividade brasileira. Se uma vez eu intencionei subverter o Brasil - hoje já não tenho tal pretensão - estaria despendendo esforços inúteis? Se os militares, quando governaram despoticamente o país, acreditavam enxergar subversividade em cada canto, haveria necessidade de tanta atrocidade? Se a subversividade brasileira vier de longa data, as justificativas minhas e dos milicos para algumas atitudes do passado seriam injustificáveis.

Pois bem. Isso é assunto para depois. Para agora é que o país está subvertido. Prestem atenção: não é nenhuma novidade que se paga impostos para tudo. Quando eu vou comprar uma bala na bombonière da esquina, eu estou pagando imposto ao governo para consumir essa bala. Exemplo. Se a bala custa 10 centavos e se 1 centavo é do governo, significa que o valor do imposto da bala é de 10 porcento. Uma matemática ginasial. O que vai justificar meu argumento sobre a subversividade brasileira é o valor dessa porcentagem para os demais produtos que consumimos cotidianamente.

É do senso comum que bens de primeira necessidade para o bem estar da sociedade devam ter impostos menores, e bens supérfluos, impostos maiores. Cigarro, bebidas alcoólicas e carros de luxo se enquadram nesse último quesito. E, pasmém, remédios também. Remédios são considerados bens supérfluos! Remédios são considerados bens supérfluos? Se olharmos para a carga tributária atribuída a eles, sim. Como dizia um grande amigo meu, "banana está comendo macaco"! Essa frase é a síntese da subversividade. Quando as bananas estão comendo macacos, a coisa já foi. Já ficou de pernas para o ar.

Há uma campanha, incentivada pela Associação Brasileira de Farmácias, anunciada nas farmácias e em alguns veículos de comunicação, tratando sobre o valor dos impostos dos remédios. A campanha pede a assinatura dos cidadãos para um abaixo-assinado que pressione o Congresso a fazer com que os impostos dos medicamentos sejam reduzidos. Eu já havia tomado conhecimento disso antes, já dei minha assinatura em apoio ao projeto, mas confesso que estava meio dessintonizado com relação a real gravidade da questão. Me dei conta hoje de manhã, quando escutei um jornalista-economista, o Joelmir Beting, no rádio, comentando sobre o assunto. Ele disse que os remédios de uso veterinário têm impostos menores que dos remédios de uso humano. E disse uma frase que me arrancou uma gargalhada, por ser terrivelmente irônica: "se, ao invés de tossir, você entrar numa farmácia latindo, vai pagar 14 (porcento) ao invés de 31".

Isso tudo é mesmo terrivelmente irônico. É melhor viver um mundo de cão, onde as bananas comem os macacos, mas, pelo menos, os impostos para tomar remédio são menores.

São Paulo, 08/06/2005