segunda-feira, abril 25, 2005

O Medo da Morte

Não tenho lembranças de minha vida antes dos seis anos, com exceção de alguns flashes de memória, como um pesadelo que tive aos três anos, alguns cômodos da casa em que morei nessa época, uma moto de brinquedo que o meu pai me deu de presente quando chegou do trabalho. Entretanto, dos seis anos para cá, lembro fielmente de muito coisa. Curiosamente, as principais atividades da minha vida estão hoje relacionadas às minhas primeiras lembranças, digo, às lembranças que ficaram na minha memória.

Deixa eu ver se exemplificando eu consigo explicar. Aos seis anos de idade eu me deparei pela primeira vez com um microcomputador, um TK-85 (infelizmente, só quem é do ramo vai poder sacar isso) que meu pai tinha. Eu, criança muito curiosa, fuçava nos livros de programação do meu pai e implementava os programas de joguinhos nessa máquina. Hoje, eu sou um analista de sistemas e trabalho desenvolvendo programas de computador. Aos seis anos de idade eu gostava de assistir às propagandas eleitorais e acompanhava com entusiasmo as pesquisas estatísticas para saber qual candidato iria vencer as eleições para Governador do Estado. Lembro-me dos concorrentes daquela ocasião. Paulo Maluf, Antônio Ermírio, Orestes Quércia, Eduardo Suplicy (eram, nessa ordem, os mais qualificados nas pesquisas). Ganhou o Quércia. Aliás, pelas propagandas eleitorais que eu assistia, era justamente o candidato que eu achava que deveria vencer. Para ver que só sendo ingênuo como uma criança para acreditar em políticos e propagandas eleitorais. Hoje, eu estudo Ciências Sociais e pretendo me formar cientista político. Além disso, tenho uma fé incondicional (pleonasmo?) na democracia. Bem como disse Churchill, "a democracia é o pior dos governos, excetuando todos os outros". Bom, eu poderia dar alguns outros exemplos dessa estranha relação da minha vida atual com a minha vida aos seis anos de idade. Porém a idéia aqui é discorrer sobre o medo e essa introdução toda é para dizer que o maior medo que tenho na vida me foi apresentado aos seis anos: o Medo da Morte.

Foi com essa idade que pela primeira vez uma voz me soprou no ouvido, dizendo: "nada do que fizer irá adiantar!". Então compreendi que estava vivo mas que, algum dia, seria morto. Desde então, com uma certa freqüência, o Medo da Morte vem a mim. Às vezes ele fica dias, meses, sem aparecer, mas ele sempre vem. E quando vem, me deixa com os nervos à flor da pele. Algumas vezes ele aparece em lugares públicos, me obrigando a me conter para não causar escândalos. Sim, porque quando ele vem, sinto vontade de arrancar meus cabelos, esbofetear meu rosto, socar a parede ou o que tiver na minha frente. Sinto uma faca me cortando internamente. E fico terrificado, totalmente desesperado, querendo que esse sangrar cesse.

O Medo da Morte. Houve um tempo que achei que poderia vencê-lo. Pensava, "não, eu posso ser imortal". Pensava assim quando era mais novo, quando não tinha chegado nem à adolescência e não conseguia me imaginar adulto. Hoje, estou adulto. Contudo, amanhã estarei velho e, como disse antes, serei morto. Ainda tenho saúde. Ainda penso, "morrer? não, não me imagino morto". Mas sei e já me conformo com a idéia, apesar de não aceitá-la. A vida moderna, que tanto me consome, muitas vezes me faz esquecer que estou vivo e que serei morto. Mas o Medo da Morte não me deixa esquecer. Volta e meia ele volta. Sempre. E como sempre, sussurrando em meu ouvido: "ei, nada do que fizer irá adiantar!".

Eu tenho medo de morrer. Talvez seja por isso que, mesmo quando eu resmungo da minha vida, não tenho vontade de deixar de viver. Desde os seis anos de idade sei que estou vivo. Eu nunca morri antes e gosto muito de estar vivo, apesar dos pesares que a vida acarreta. Creio que será assim até o fim. Gostando de viver e morrendo de medo de morrer. Morrendo de medo do Medo da Morte.

Escrito e publicado na comunidade orkutiana "Atelier:
Literatura Potencial" em 25/04/2005

sexta-feira, abril 22, 2005

Mix de feriado

O dia 21 de abril é um dia especial para o Brasil. Foi o dia em que morreram dois personagens considerados mártires da nossa história. Um deles, o alferes Tiradentes, razão pela existência do feriado, foi executado por liderar um levante contra os portugueses nos idos de 1789. Naquela época o mundo estava agitado, uma revolução abatia a França e estremecia o mundo. Um rei foi decapitado e todas as monarquias européias gelaram até a espinha e tomaram providências para manter seus pescoços intactos. Portugal não fez diferente. Puniu exemplarmente o inconfidente mineiro. Enforcou-o e esquartejou-o, expondo seus restos em praça pública, para que ficasse de exemplo aos que quisessem levar a termo a baboseira da moda naquela época. Uma tal de Liberdade, Igualdade e Fraternidade. A verdade é que o Tiradentes foi um bode expiatório, não um temível líder que pudesse mesmo reverter o status político da principal colônia portuguesa. O temível líder que conseguiu mesmo alterar esse status foi Napoleão, que ameaçou Portugal e fez com que seu monarca cagão atravessasse o Atlântico para escapar de sua volúpia. Com a família real portuguesa no Brasil que as coisas começaram efetivamente a mudar. Já o Tiradentes morreu porque era o menos eminente dos que participaram do levante mineiro. Foram lembrar dele mais de século depois, quando precisavam de um símbolo republicano para o país.

O outro personagem morto num 21 de abril é mais contemporâneo e teve grande participação num momento delicado de nossa história. Tancredo Neves, eleito presidente pelo Colégio Eleitoral, seria o primeiro presidente civil após o negro período em que os militares apitaram no Brasil. Adoeceu dias antes de tomar posse e não resistiu. Governou o seu vice, José Sarney. O resto da história sabemos bem (ou não?). Em 21 de abril foi também inaugurada Brasília. Obviamente, a data foi escolhida propositadamente. Afinal, 21 de abril é especial para o Brasil. Engraçado que o 22 de abril, dia do Descobrimento, uma data que talvez devesse ser mais especial, não tem tanta importância assim. Algo a se pensar mais detidamente o porquê futuramente.

Contudo, o que realmente está me preocupando atualmente é o meu time do coração. Ontem (pois escrevo isso na madrugada do dia 22 de abril) o novo técnico do Palmeiras foi apresentado, o Paulo Bonamigo. Nem sei porque fiz essa puta introdução sobre o dia 21 de abril. Talvez porque subconscientemente eu acredite que esse novo técnico possa ser um salvador, pois a situação do Verdão está de dar dó. Nosso maior rival está com um puta esquadrão. O outro rival acabou de levantar um caneco, e nós estamos nessa draga. Jogadores, com exceção de 4 ou 5, que não honram com as tradições do clube; técnicos fracos e inconsistentes; uma diretoria medíocre, que definitivamente não gosta de futebol. Não sei o que falta para o meu time. Se um Tiradentes ou um Tancredo. Bom, na verdade eu sei o que o Palmeiras precisa para sair da crise. Dinheiro. Porém, com exceção daquele oriundo da máfia russa - enriquecida pelo ouro soviético - não há dinheiro na praça. Bom, também tenho uma teoria sobre as causas e as soluções para os problemas do Palmeiras. A origem está em Mustafá Contursi, que mesmo não sendo mais presidente, ainda apita no Parque Antártica. E o que me deixou um pouco esperançoso nessa semana foi uma notinha que li nas entrelinhas do discurso resmungão de Candinho ao pedir demissão do cargo de técnico. Li que Candinho disse haver problemas políticos na cúpula do clube, que nem eles estão se entendendo. Por incrível que pareça, acho isso bom sinal. Sinal de que o Mustafá está sendo combatido, pois até então não havia divergências nenhuma, a opinião dele era a única que valia. E é bem isso que está havendo. A turma do Della Monica, atual presidente, está enfrentando a turma do Mustafá. A criatura contra o criador, afinal, foi Mustafá quem apoiou Della Monica nas últimas eleições.

Bom, penso que tudo que falei aqui mereceria mais atenção. Poderia discorrer mais e melhor sobre todos os assuntos mencionados. Tiradentes, Tancredo, Brasília, Napoleão, a família real portuguesa, a situação política do Palmeiras. Mas sabem como é. O mundo ainda é mundo. Continua em guerra e em alta velocidade. Ontem mesmo outro presidente sul-americano foi deposto. E eu preciso ir dormir para acordar cedo e trabalhar. Afinal, preciso dar minha cota de sacrifício para a manutenção de nossa sociedade.

São Paulo, 22 de abril de 2005

quarta-feira, abril 20, 2005

20 de abril de 2005

20 de abril de 2005. O Papa é alemão. A China diz que não pede desculpas ao Japão e mantém os protestos. A ONU está no Haiti para avaliar a situação. Enquanto isso, em terras tupiniquins, há um recém-ministro sob fogo cerrado e a opinião pública opina - ou melhor, esbraveja - sobre a instituição do cargo de senador vitalício para ex-presidentes.

Sem dúvida o evento mais importante é a escolha do Papa Ratzinger. Me soa estranho quando dizem "eleição do Papa". Não quero de maneira alguma conjeturar que a Igreja Católica deva ser uma instituição mais ou menos democrática, mas eleições me lembram imediatamente democracia. E a Igreja Católica não é uma democracia. Ponto. Mas voltando... o mundo aguardou ansiosamente por Bento XVI. Ele está aí. É alemão e deve seguir a linha conservadora do Papa Wojtyla. Só não deve durar tanto tempo como João Paulo II. Afinal, já tem 78 anos. A não ser que consiga ser centenário para desempenhar um papado parecido com o do seu antecessor com relação ao tempo de duração.

Creio que ainda por alguns dias o novo Papa será repercutido nas mídias do mundo. Enquanto isso, nas notas menores dos jornais, a China não quer que o Japão tenha assento permanente no Conselho de Segurança da ONU. Para simbolizar isso, o consulado japonês é alvo de manifestações em Xangai. A política do poder. Uma nação armada nuclearmente e com poder de veto no grupo mais poderoso do mundo não quer dividir o seu poder com outra nação com a qual manteve relações de intenso conflito ao longo da história. E a questão nacional sempre presente nos conflitos. E há gente dizendo que os nacionalismos estão minguando. O Papa é outro, o mundo ainda não.

E enquanto tudo isso, os haitianos continuam seu triste desenrolar nesse mesmo mundo imodificado. Mais de 200 anos de história repleta de sangue e miséria. Freqüentemente reclamo da minha vida. Se eu fosse haitiano ia ver o que é bom para a tosse. Muito esbravejaram pelo Brasil ter mandado seus filhos, que não fogem à luta, para controlar a situação, que beira à guerra civil. Não há dúvidas que as intenções brasileiras estão voltadas para outro assento permanente no CS da ONU. Mas vejo com bons olhos essa ação. O Brasil está lá não para fomentar a guerra, mas para evitá-la. O ideal seria que nunca a força fosse necessária. Mas o fato é que a força é usada. Então que seja pela paz, ou para evitar a guerra.

Esbravejaram quando o Brasil foi para o Haiti e esbravejam contra os senadores vitalícios. A triste verdade é que a maioria dos brasileiros nem faz idéia do que está havendo. A vida do brasileiro é triste e ele já tem muita coisa com que se preocupar - como sobreviver - do que meter o bedelho nos assuntos dos políticos. Um velho austríaco, Schumpeter, a algum já dizia. O cidadão comum não se interessa por política. Outros assuntos prendem mais o seu interesse. O brasileiro não é diferente. Particularmente, não vejo nada de mais em fazer uso da experiência que os ex-presidentes acumularam com um assento vitalício no Senado. Concordo que não devam ter direito a voto nem que possam concorrer a outros cargos. Mas o Brasil que opina na política não quer saber. Acha desperdício de dinheiro e um absurdo a volta de algo parecido com os senadores "biônicos" da ditadura militar. O Brasil que opina - mas eu diria que pensa que opina - é o que paga os impostos. E é só para isso que tem prestado ultimamente. Não tiro a razão deles por tanta falta de fé nas instituições políticas nacionais. Eu também não tenho mais fé.

Como se vê, continuo antenado no mundo. E continuo dessintonizado. Não deixo de ter interesse por tudo isso, mas confesso que o fato que mais me interessou nas últimas 24 horas foi a derrota do meu time do coração. A verdade é que no fundo, meu coração, além de palmeirense, é bastante schumpeteriano.

Um último relacionamento que não tem relação alguma. O atual Papa é alemão e hoje um ilustre alemão faz aniversário. A verdade é ele não é alemão, muito menos ilustre. E já está bem morto - Graças à Deus!. Hitler nasceu num 20 de abril. Acho bom que tenhamos ele sempre em mente, para nos lembrarmos do que a humanidade é capaz de fazer. Afinal, o mundo ainda é mundo, ou seja, ainda vive em guerra.

São Paulo, 20/04/2005

terça-feira, abril 19, 2005

O mundo do Papa

Há necessidade em viver? Terrível questão. No significado desse termo no contexto da modernidade, eu acho que não. Capitalismo e modernidade são "coisas" que têm tudo a ver. E o capitalismo não precisa de pessoas que vivem, precisa de pessoas que trabalham.

Há necessidade em viver? Pois bem, se o homem moderno não tem necessidade em viver, por que vive então? Talvez a questão esteja mal formulada. Deixa eu ver se melhoro isso. Vivemos para quê? Hum... pressinto que me infiltrei num terreno espinhoso. No momento, entendo como único motivo para a vida, a morte. O seu antagônico. Se morte é oposição de vida. O que eu começo a suspeitar que não. Não só suspeito. Tenho forte intuição que não.

Radical interseção. O único Papa que conheci está morto. E pela cor da fumaça que saiu da Capela Sistina, o segundo Papa que conhecerei ainda não foi escolhido pelo cardeais. Me interesso bastante por saber quem será o próximo Papa. Assim como me interesso em saber sobre a guerra que a nossa sociedade moderna vive atualmente - a tal guerra contra o terror. Vi as Torres caindo, vi Cabul e Bagdá caírem logo em seguida, e aguardo os próximos capítulos dessa tragédia protagonizada pelos grandes da nossa gente. O último Papa foi escolhido porque em seu tempo havia outra guerra em curso - a tal guerra contra o comunismo. Suspeito que o próximo Papa será escolhido em virtude dessa nova guerra em que vivemos. Suspeito não, tenho forte intuição.

Engraçado que digo: guerra em que vivemos. Não pegamos em armas nenhuma, por que então essa guerra é nossa? Nem eu sei dizer. Sei que é uma guerra entre civilizações: a ocidental e a islâmica. Ultimamente, tenho me percebido dessintonizado desse mundo. Não sou muçulmano e não me sinto ocidental, apesar de ter nascido do lado oeste do Meridiano de Greenwich. Me sinto em dessintonia, mas estou antenado no papel que os grandes atores do mundo desempenham. Minha sina subversiva. Sempre procurando o que subverter. E quando não acho, subverto a mim mesmo. Quando não procuro, o que tem que ser subvertido vem a mim.

Vivo para isso?

São Paulo, 19/04/2005

quinta-feira, abril 07, 2005

Para começar bem o dia

Para começar bem o dia, perca a hora de manhã. Acorde uma hora depois da hora que deveria acordar. E lembre-se das palavras ditas por seu chefe quando lhe chamou a atenção a última vez sobre você estar a algum tempo não chegando mais no horário.

Esqueça-se deliberadamente de tomar café da manhã, para poder sair de casa mais rápido e assim minimizar o atraso. Esqueça-se, durante o trajeto para o trabalho, da conta de luz, que já está atrasada, em cima da mesa. E pense bastante sobre isso no trânsito, que infernal como sempre, irá fazer com que você se atrase meia hora a mais daquela hora que você já está atrasado, pois acordou atrasado.

Aproveitando o ensejo, pense sobre sua semana. Lembre-se de que seu projeto está atrasado também, além dos textos que precisam ser lidos e dos trabalhos que precisam ser entregues na faculdade. Enquanto medita sobre isso, aprecie a paisagem, o cinza-escuro das fuligens que escapam dos veículos ao seu redor, o sol batendo em seu rosto cegando-o, pois também se esquecera dos óculos escuros. Aprecie os caminhões e motos que se jogam sobre seu carro e os funcionários representantes dessa maravilha do homem, o Estado, observando-o e vigiando-o para que não cometa infrações de trânsito e, se por acaso você cometer alguma, talvez conseguir engordar os cofres públicos. Pense em como eles são funcionários dedicados, afinal o Estado tem muitos défices e eles estão ajudando-o a pagar suas contas.

Após vislumbrar e ser vislumbrado por tudo isso, lembre-se de ligar o rádio e escutar as primeiras notícias da manhã e os comentários dos experts em tudo. Política, economia, cinema, esportes, enfim, todos os assuntos do seu interesse. Force o raciocínio para deduzir as lacunas que ficaram nas frases do locutor e dos comentaristas, pois seu rádio não consegue sintonizar direito a estação. Force um pouco mais o raciocínio para compreender ou, pelo menos, assimilar os temas e as notícias ouvidas. Conspiração política, superávit primário, um filme que é documentário mas não parece ou não é, o craque do seu time sendo assediado pelo time rival.

Depois de tudo isso, para relaxar um pouco a mente, troque a estação. Coloque uma musiquinha. Há barulho de sirenes mais a frente. Talvez seja por isso que há alguns minutos você não sai do lugar. Deve ter havido algum acidente. Reflita sobre isso e questione-se se houve alguma vítima fatal. Comece então a pensar sobre como deve ter sido o acidente, tente imaginar as sensações que as vítimas passaram no exato momento da colisão, imagine se o acidente fosse com você... Como você deve ser muito supersticioso, procure alguma madeira no carro para dar aqueles três "tocs" que irão isolar esse mau pensamento. Talvez não tenha madeira nenhuma no carro e você passe a achar que também sofrerá um acidente. Aproveite esse momento de desespero e pense nos livros de auto-ajuda. Conjeture se todo esse discurso de poder da mente, pensamento positivo etc., funciona. Afinal, no momento você se encontra em pânico por obra de pensamentos negativos. Então, comece a se indagar se o homem é capaz de pensar positivo. Negativamente, acabou de constatar que é fato que os homens podem pensar. Mas e positivamente? Indague-se sobre isso. Tente descobrir se qualquer esforço de pensar positivo não seria auto-flagelação ou se seria uma grande exigência intelectual ou mesmo uma grande enganação. O ser humano é um negativista, um destruidor, por natureza, talvez, você conclua.

Finalmente, quando o carro conseguir desenvolver uma média de uns quarenta quilômetros por hora, deixe de conjeturar sobre como é a alma humana e ocupe um pouco da ociosidade que permanecia em sua mente com o trabalho de guiar o carro. Contudo, durante o trajeto, aviste algumas mulheres formosas e volte a rodar pensamentos em sua mente. Vislumbre-se com as calças bem ajustadas, os ombros à mostra, os decotes protuberantes. Perceba que sua mente voltou a rodar pensamentos, dessa vez, de outros departamentos cerebrais, de departamentos mais fantasiosos. Então imagine as calças e as blusas desaparecendo daqueles corpos, imagine as calcinhas e os sutiãs que agora apareceriam a sua vista... e freie bem o carro para não beijar a traseira do carro a frente. Lembre-se de que talvez não tenha conseguido isolar aquele mau pensamento de pouco tempo atrás e que poderia ter se acidentado brutalmente. Sim, talvez fique deprimido, ainda mais se lembrar que já a algum tempo não faz sexo, pois pouco tempo fica em casa e pouco tempo sua mulher fica, ou quer ficar, com você. É, talvez seja inevitável que essa depressão piore.

Quando finalmente chegar ao trabalho, lembre-se de que se esquecera de que tinha uma reunião no primeiro horário. Como se esquecera da reunião e que ia estar chegando atrasado, se esquecera também de avisar que ia chegar atrasado. Nem continue a sentir blasé diante tudo isso que já não funciona mais, a cara do seu chefe vai ser de amedrontar e a depressão vai piorar muito mais. Pelo menos, lembre-se de que hoje é sexta-feira. Tente se fiar que talvez dê para dar uma saidinha mais tarde, beber um pouquinho. Ou talvez seja hoje que a outra abstinência seja findada. Ou quem sabe o seu time consiga se classificar para final do campeonato. Fie-se nisso, porque se não for assim, vai ser bem fácil começar bem a segunda-feira seguinte desse jeito.


Escrito em 02/04/2004