terça-feira, setembro 26, 2006

Mal passado político

Eu não tinha nem seis anos, estava na pré-escola, e via na tevê as propagandas políticas, as pesquisas eleitorais - que naquele tempo eram ainda involuídas, a contagem das intenções de voto era literal: x mil votos para Paulo Maluf, y mil votos para Antônio Ermírio, z votos para Orestes Quércia, w votos para Eduardo Suplicy, e assim ia. Era 1986. Eram as eleições para Governador. O país acabara de ser redemocratizado. Eu mal sabia disso, mal sabia que nascera sob uma ditadura. Eu assistia a tudo admirado. Sempre fui curioso. Devido a essa curiosidade, já era alfabetizado, sabia fazer contas primárias de matemática, adorava ler histórias em quadrinhos e sabia escrever programas de computador elementares em linguagem Basic num TK-85.

Como dizia, sempre fui curioso. E metido a dar opiniões. Assisti a todas as propagandas políticas e, baseado nelas, vaticinei: quem vai ganhar as eleições é o Quércia. E ele ganhou. E ele nem era o mais bem cotado nas pesquisas. Dali até os meus doze anos, considerando meu histórico de opiniões eleitorais, fui peemedebista. Pois até tal época, sempre opinei por candidatos do PMDB em todas as eleições. Suas propagandas políticas eram as melhores.

Do ponto de vista de minha formação política, esse período pode ser considerado como uma era em minha história. Pois por volta dos meus treze anos, um fato relevante aconteceu em minha vida, marcando-me profundamente. Meu pai ficara desempregado e nossa família passou severas dificuldades financeiras. Até então, eu estudava em escola particular, tinha brinquedos, freqüentava clube, praticava judô, meu pai tinha carro, eu pensava em ser rico quando crescesse. Eu era um almofadinha. Daí, tudo escasseou. Fui para a escola pública, ganhava brinquedos e roupas usadas de tios e primos, não ia mais ao clube nem ao judô, ficamos à beira da fome. Lembro uma vez quando meus tios chegaram em casa com uma compra inteira de supermercado. Na época eu não entendi nada, mas tempos depois a ficha me caiu. Faltou dinheiro para pôr comida em casa.

Um ser tão curioso como eu não poderia deixar tudo aquilo sem explicação. Eu tinha que descobrir um culpado. E eu sempre tive um senso de justiça muito aguçado. Na época, eu havia começado a brigar com meu pai - porque ele sempre brigava com minha mãe - mas nunca o culpei pela má fase que vivíamos. Eu culpei o sistema. Tive contato muito superficialmente com o marxismo, mas que foi o suficiente para eu ter a sensibilidade de que o problema que minha família passava era estrutural. O sistema capitalista, inevitavelmente, levava as pessoas a passar por situações semelhantes a da minha família. Quer dizer, levava a maioria das pessoas. Uma privilegiada minoria não sofria disso. E cada vez mais essa minoria era minoria. E cada vez mais essa minoria era privilegiada. Me revoltei. E como eu tinha que ter um culpado, mirei meus canhões de ódio para aquilo que eu considerava o epicentro do sistema capitalista. Passei a odiar os Estados Unidos da América. E passei a idolatrar a União Soviética e a ser um seguidor da teoria marxista. Só que o Muro caíra há cinco anos e a URSS desmoronara há três...

Mas para mim isso não era relevante. O que me importava é que eu tinha a minha opinião, que eu sabia aquilo que causava o mal para o mundo, e eu tinha que salvar o mundo. O mundo não poderia sofrer o que eu sofrera. Eu tinha fé de que ainda veria o sistema capitalista ruir e a aurora de novo sol socialista raiar sobre todos trazendo paz, justiça e felicidade. Eu tinha quase dezesseis anos quando passei a ser mais ativo politicamente. Na época eu estudava num colégio técnico público, e por motivo de uma greve que os estudantes fizeram contra a Reforma do Ensino Técnico promovida pelo governo FHC, que julgamos ser maléfica, tive contato com um pessoal ligado ao PSTU. Me senti identificado por essa gente. Passei a freqüentar reuniões promovidas por alguns de seus militantes. Meu primeiro voto para o Congresso Nacional foi para o PSTU.

No entanto, não cheguei a ser um trotskista ("filosofia" de pensamento seguida pela turma do PSTU) completo. Muito menos cheguei a me filiar em algum partido político. Uns dois anos depois, conheci outras pessoas pela Internet, por intermédio de um hobby comum denominado micronacionalismo, que também eram marxistas, mas não eram trotskistas. Eram stalinistas. Com eles, passei a ter contato com toda a história que permeou a luta marxista pelo mundo. Percebi que o socialismo era muito mais complexo do que eu imaginara, e foi conhecendo mais sobre Marx, Engels, Lênin, Trotsky, que fui amadurecendo mais politicamente. Continuei sendo um ativista político. Novamente estive mobilizado em greves, dessa vez, em defesa do Ensino Tecnológico. Aí eu já era um universitário, cursava Processamento de Dados na Faculdade de Tecnologia de São Paulo, e nos anos de 2000 e 2001, os alunos fizeram greve para impedir que o Governo do Estado quebrasse o vínculo que as Fatecs tinham com a Unesp (Universidade do Estado de São Paulo) e perdesse o caráter de graduação superior. Continuei a ter contato com o pessoal do PSTU, e por continuar a ter esse contato, tive oportunidade de conhecê-los melhor. E por conhecê-los melhor, descobri que eu não tinha muito a ver com suas proposições - eles não tinham compromisso com democracia. Passei a me afastar deles, e nunca mais votei no PSTU.

Porém a minha "idade da razão" política veio pós-2003, quando ingressei no curso de Ciências Sociais da USP. Lá tive contato com a Ciência Política e diversas teorias sociológicas e antropológicas. Caí perdidamente apaixonado pelas liberdades políticas. Concebi que eu não poderia ser condizente com algum sistema político que não desse o mínimo (e para mim, esse "mínimo" era bastante exigente) de liberdade aos indivíduos. Logo, me desgarrei de vez da minha "comunistice", e passei a ser um defensor intransigente do regime republicano e democrático. Não desejei mais dinamitar o sistema capitalista, porém, não me sucumbi a ele. Passei a conhecê-lo melhor e a criticá-lo mais ainda. No entanto, conhecer Maquiavel, Hobbes, Locke, Rousseau, Mill, Montesquieu e outras facetas de Marx e Engels, me tornou mais cético quanto ao mundo político prático. Me desiludi. Percebi que a situação de nosso país está inserida num contexto que tanto faz o PSDB ou o PT no poder, a economia não sofreria drásticas mudanças. Como não sofreu. No entanto, meu compromisso com a Democracia e a história dos agentes políticos brasileiros me impedem de não tomar partido em cada eleição. Nunca será com o meu voto que um antidemocrata estará no poder. E o PFL é o principal herdeiro do principal partido do período ditatorial brasileiro de 1964-1985. Como diz aquela passagem: "diga-me com quem tu andas, e eu te direi quem és", não confio em quem anda com golpistas, e desde que me tornei eleitor, tenho votado no PT para as eleições majoritárias. E por enquanto, continuarei votando, pois eu não consigo atravessar o rio para a margem direita. Meu estômago é muito sensível à acidez desse neoliberalismo, conservadorismo, progressismo e outros etcterismo que essa ala costuma se alimentar.

Contudo, eu sei dar minha mão à palmatória. Se algum dia, não houver mais um ser humano digno do meu voto, das duas, uma: ou eu mesmo entro para a política, ou eu mesmo fundo um exército. De um homem só, como fez o Capitão Birobidjan, do Moacyr Scliar. E iniciarei "neste momento a construção de uma nova sociedade".

Algumas fontes (mas sugiro consultar outras):

http://pt.wikipedia.org/wiki/Guerra_Fria
http://pt.wikipedia.org/wiki/Trotskismo
http://pt.wikipedia.org/wiki/Moacyr_Scliar
http://pt.wikipedia.org/wiki/Partido_da_Frente_Liberal

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