terça-feira, janeiro 27, 2009

O retorno de Saturno

"E aos vinte e nove com o retorno de Saturno
Decidi começar a viver"
("Vinte e Nove" - Renato Russo)

Não sei quando foi que eu ouvi, mas ouvi que quando se está perto dos 29, quando Saturno está perto de estar onde esteve no momento em que se nasce, a nossa vida passa por profundas transformações. Ainda faltam 9 meses para eu reencontrar Saturno e ainda ontem me perguntaram o que eu esperava da minha vida. Engoli seco.

Um dia desses, ouvia um menino, que acabara de se sagrar campeão de futebol júnior, contar como foi a sua história até chegar ali, e fui remexer minhas memórias, da época em que eu também tentei ser como o menino. Mexi naquele dia em que fui jogar minha primeira partida nas categorias de base, quando o técnico me perguntou: "Ivo, você joga no gol?". O time estava sem goleiro e minha mãe denunciou que eu gostava de jogar de goleiro. Só que eu queria era jogar na linha.

Às vezes penso que Deus é um artista. Ele faz arte com as nossas vidas - aliás, a Criação é Sua principal. E às vezes penso que Deus é um velhaco! - pois inventa de fazer ironias com a minha vida. Durante todas as partidas nos campos de futebol imaginários da minha infância, eu fui o camisa 8 do Palmeiras, mas nos campos de várzea por onde joguei, o que cheguei a ser foi o camisa 1... do Corinthians.

Que inveja do menino! Que arrependimento! Por que eu não disse não ao técnico? Por que eu não imaginei que não passaria dos cento e sessenta e cinco centímetros? Hoje, a lateral-esquerda da Seleção está vaga, ela poderia ser minha! Na verdade, na verdade, poderia ser qualquer lateral-esquerda, que hoje eu seria feliz...

O que eu espero da minha vida? Saturno está chegando para me dizer que acabaram os sonhos. Que o remorso é opcional. E que a felicidade é sentir as emoções, mesmo as mais doídas. Na verdade, na verdade, em todos os campos da minha vida, eu fui feliz. É verdade, também, que eu nunca sonhei em ser analista de sistemas, muito menos sonhei ficar subvertendo tudo por que passo, mas eu não escolho não ter vivido tudo o que vivi, não ter sonhado tudo o que sonhei.

Não sei se os sonhos acabaram, como me diz Saturno, mas concordo com ele quando me diz que a minha vida é para os que virão. Eles é que esperam algo dela agora.

sexta-feira, janeiro 16, 2009

As mãos que não se lavaram - II

Continuação de As mãos que não se lavaram - I

 

Disse que era, porque quem dizia era um sonho. Acabara de acordar. O filme onírico ainda passava pelas minhas retinas, enquanto esfregava os olhos e me espreguiçava. Deus do Céu, um sonho! Mas parecia real, assustadoramente real! O que seria de tudo se Pilatos deveras tivesse poupado Jesus da cruz? Mal terminara de mentalizar a questão, quando percebi que algo estava errado. Eu não estava ali. Eu não estava ali onde eu deveria estar. Eu não sabia onde estava.

 

Na verdade, eu estava deitado numa espécie de rede, dentro de uma espécie de oca, pequena. E estava, também, quase nu. Apenas vestia algumas peles, que cobriam algumas partes de meu corpo. Saí da oca. Era uma praia. O céu estava sem nuvens. O sol devia ter nascido há pouco mais de uma hora. Fazia calor. O que estou fazendo aqui? Cadê o hotel em que estava hospedado? Cadê a gente da cidade, os turistas? Para onde foi todo mundo? Por que não vejo as ruas? Por que não vejo rua alguma? Estou sonhando, só pode ser, estou sonhando!

 

Não sei com que força eu me esmurrei. Só sei que cuspi sangue. E uns dois dentes. Depois chorei, chorei, chorei. Não pela dor dos meus murros, mas por eu não ter acordado, ou melhor, por já estar acordado. Caí em prantos. Esmurrei o chão não sei por quanto tempo. Só sei que adormeci de desespero.

 

(continua mais tarde)

terça-feira, janeiro 06, 2009

Órfão

- Menino, por que estás tão angustiado pela questão se Jesus é humano ou divino? Acaso não tens fé?

 

- Tenho, mas se Jesus foi humano...

 

- Ora, se tens fé, por que a angústia?

 

- Mas se os próprios bispos do Concílio de Nicéia tinham a dúvida...

 

- Ora, se tens fé, moverás qualquer montanha!

 

- Eu tenho fé! Mas não posso ter dúvidas! Sempre quis ter um pai, e quando consigo, finalmente... Não posso perde-lo! Não posso! Não posso! Não quero!