sexta-feira, dezembro 16, 2005

Con-sentimento des-sentido

Eu tinha seis anos. Ou por volta disso. É possível datar o dia, pois foi quando meu pai chegou em casa, após um dia de labuta, com o primeiro exemplar da revista Super Interessante, que tratava sobre o Big Bang, que me dei conta que estava vivo e, um dia, seria morto. Interessante. Não foi casual a dita revista começar com uma matéria sobre o começo de tudo...

E assim começou meu maior pesadelo. De uma só vez, entraram na minha cabecinha coisas como a infinitude do Universo e o que havia antes do Início. E de lambuja, entrou que eu não seria infinito como o Universo. Desde então, eu passei a temer o fim de tudo, entre eles, o mais genuíno dos fins - a morte.

Porém, eu não era apenas um medroso. Era teimoso. Teimei que poderia fazer algo para reverter essa situação. Planejei ser imortal.

Então passei a fazer de minha vida um instrumento para atingir esse fim. Todo o tempo do mundo, e que era pouco, estava destinado a meus grandiosos projetos - que deveriam marcar os corações de todos e assim garantir um registro de mim na eternidade. Alexandre, o Grande, era minha maior inspiração. Seus feitos seriam lembrados até o fim, e assim eu queria que os meus também fossem.

Sempre foi difícil essa empreitada. Sempre sentia o medo da morte. Sempre um vento aterrorizador soprava meu ouvido, lembrando-me que "nada do que eu fizesse iria adiantar". E nada eu fazia, de paralisia, quando escutava tais palavras. E sempre faltava pouco para eu entrar em colapso quando imaginava me tornando em nada. Meus nervos ficavam em frangalhos - a sensação que sempre me acompanhou.

Contudo, num outro dia desses - há pouco tempo - descobri que até o Infinito teria fim. Já havia descoberto antes que o Sol, a Terra, a humanidade, um dia acabariam. Mas o Universo, tinha para mim que era sempre eterno. Numa outra matéria de revista científica, li sobre as teorias do fim do Universo. Uma delas, versava que o Universo terminaria no Big Crunch, quando parasse de se expandir, pois se expande desde o início do início, e começasse a encolher, até o nada. Uma outra, dizia que o Universo acabaria quando se expandisse a tal ponto em que nada mais se movimentaria e nenhuma luz mais existiria - seria a sua Morte Técnica.

Mas mesmo assim não desisti do meu plano imortalizante. Os argumentos de que nada poderia ser imortal, pois tudo um dia acabaria, não foram suficientes para me convencer a desistir. O que me fez desistir disso foi quando, num outro dia, me dei conta que essa ânsia em ser imortal era a origem de algumas angústias minhas, que o não saber quando iria morrer, e se conseguiria finalizar meu intento, era o que me fazia fazer tudo precocemente. E isso me fazia sofrer.

Eu parei de sofrer, pois parei de ansiar a imortalidade. Porém, continuei sofrendo pois fiquei sem sentido para minha vida. Estava parado e minha bússola girava. De ímpeto, voltei a me movimentar. Ainda não sei onde irei parar, apenas que pararei.

Já conjeturei que não haveria diferença entre existir e não existir, já que tudo não existirá mais. Se tudo tem um fim ou se o fim é o nada, para quê viver? Porém, antes de perguntar "para quê", eu sempre perguntava "por quê" - foi há pouco tempo que passei a pensar nas finalidades, além das originalidades - e o porquê disso tudo que me intriga. Por que, então, existe tudo isso?

Eu sei que há um sentido para tudo isso. Do por quê até o para quê. Até para a minha vida. Eu só não sei o sentido ainda.

E o que sei também é que ainda hoje aquele vento atemorizante me é soprado. É o sopro que me mantém vivo. Ainda não desejo a morte.


Escrito em 15/12/2005

Inspirado no texto "Um pouco de realidade" do site Mimpormimmesm@ (http://www.didizinha.blogse.com.br/),
escrito por Didi Sandrini. É inspirado pois a idéia de escrevê-lo surgiu após a
leitura do referido texto.

quinta-feira, dezembro 08, 2005

Era desnecessário

"When the night has come
And the land is dark
And the moon is the only light we'll see
No I won't be afraid, no I won't be afraid
Just as long as you stand, stand by me"

Stand By Me - John Lennon

Há vinte e cinco anos, John Lennon levou um tiro à queima roupa. "O Pop não poupa ninguém", cantaram os Engenheiros do Hawaii onze anos depois. Abri meu e-mail com o resumo diário do New York Times (sou chique!) e pensei que leria esse fato na seção "On This Day". Li sobre os quarenta e quatro anos da declaração de guerra dos EUA ao Japão e a conseqüente entrada na Segunda Guerra do então Gigante Adormecido. No dia anterior, 07/12/1941, os EUA haviam sofrido o primeiro ataque da história a seu território, quando os kamikazes japoneses investiram contra a frota naval americana do Pacífico, estacionada em Pearl Harbor. Considerando que por causa desse evento, os EUA entraram e ganharam a guerra, levando como prêmio a posição de superpotência mundial, o ataque a Pearl Harbor foi importante para a história mundial contemporânea. Mas não é bem sobre isso que eu queria falar hoje.

Pelo que conheço de meu pai, Lennon era seu ídolo. Desde os seis anos, quando me conheci por gente, ouvia John Lennon em casa e no carro, no toca-fitas. Foi o primeiro músico que conheci e que admirei. "Stand by me" era a música que eu mais gostava. Tem também que Lennon foi meu primeiro ídolo musical que não vi vivo. Os quarenta e quatro dias que passamos na mesma terra não foram suficientes para isso.

Há dois anos atrás, mais precisamente em 07/12/2003, nasceu minha irmã, que ainda hoje não a vi ao vivo. 07/12, Pearl Harbor. O meu foi trezentos e sessenta e cinco dias depois, 06/12/2004, dia em que despejei minhas maiores bombas até então. Um dia que destrui meu porto.

(É porque algumas coisas são necessárias, outras não. Era necessário que eu bombardeasse àquela vez. Mas não é necessário o porquê eu não conheço ainda minha irmã agora. Sinto muito.)

Ainda não sei se falei o que queria falar hoje. Mas eu quero meu pai, minha irmã e John Lennon. E quero nunca mais precisar de um Pearl Harbor em minha vida.

terça-feira, dezembro 06, 2005

Haikais de Mel

Tomei conhecimento dos haikais no ano passado, ao ler um romance de Érico Veríssimo, o "Senhor Embaixador". Nele, o protagonista trocava haikais com uma amiga japonesa em Washington. Isso porque ambos, no contexto da história, eram funcionários das embaixadas de seus países nos Estados Unidos. Recomendo esse romance.

Hoje, fuçando por ai, descobri um pouco mais sobre haikais. Trata-se de uma forma poética de origem japonesa. Há uns links abaixo que pesquisei, para quem se interessar. Como eu gostei bastante do estilo, resolvi começar a escrever alguns.

Então, eis "Haikais de Mel", que será uma coletânea de haikais. O link é http://haikaisdemel.blogspot.com.

Contudo, não serão haikais avulsos. Serão todos dedicados. Uma homenagem que presto a alguém especial.


Links:
1) http://www.paubrasil.com.br/haikai/
2) http://www.kakinet.com/caqui

quarta-feira, novembro 30, 2005

Erradical

Um dia desses, numa aula na faculdade, o professor palestrava sobre as circunstâncias que culminaram no Golpe de 64 e no recrudescimento da ditadura perpetrada pelos militares.

Em linhas gerais, a coisa se deu da seguinte forma. Inicialmente, os golpistas eram civis. O Presidente Jango e seu partido, o PTB, queriam implementar a Reforma Agrária à sua e de qualquer maneira. O PSD, partido de centrão e o maior do país, e a UDN, partido dos liberais - e dos conservadores também - aceitavam negociar. Não concordavam muito com a maneira dos petebistas, mas se propuseram a conversar sobre alguns pontos, pois julgavam importante a questão agrária para o desenvolvimento do país. Aliás, até hoje essa é uma questão importante, e ainda não resolvida a contento. Contudo, o Presidente não quis conversa. Havia levado vantagem em contendas anteriores contra a oposição, como quando persuadiu alguns golpistas que tentaram impedir que assumisse após a renúncia de Jânio e quando restaurou o Presidencialismo, após a instituição do Parlamentarismo, que tinha sido sugerida pelos oposicionistas como meio-termo ao golpe, mas na verdade era um subterfúgio para amarrar suas mãos e limitar seu poder. No popular, Jango e seus aliados estavam com o salto bem alto.

Mas com a reforma agrária a coisa era mais em baixo. Ainda hoje envolve questões e interesses referentes a muita gente poderosa. A manutenção do jogo institucional não seria imprescindível, poderia ser sacrificada pela manutenção do status quo. Nomes como Juscelino Kubistchek (PSD) e Carlos Lacerda (UDN) apoiaram o golpe. Antes que Jango apelasse, eles apelaram e chamaram o síndico. Os militares, seus amigos. E em 31 de março de 1964, deu no que deu.

Contudo, a idéia era apenas alijar Jango do poder e essa sua idéia de reforma agrária. Os militares ficariam no poder apenas até o fim do mandato previsto a Jango. Em 1966, um novo presidente eleito popularmente deveria ser empossado. Entretanto...

O que acontecia era que o Exército era fracionado. Havia os liberais (na acepção que esse termo tange a quem é militar, lógico), também conhecidos como a turma da Sorbonne, ou o grupo do Castello Branco, que encabeçou o golpe. Mas havia também os nacionalistas, os comunistas, os anticomunistas, os linha duras, e as diversas combinações desses anteriores. O que não havia era comunista e anticomunista de mãos dadas. Deu que a turma da Linha Dura ganhou força e também impôs a sua agenda para o país, a segurança nacional. Para isso, era preciso eliminar o comunismo. Tanto fizeram que conseguiram limpar o Exército e o Congresso da corja que o ameaçavam. Militares foram afastados e políticos foram cassados ou exilados. Radicalizaram o movimento.

Daí, tem-se um questionamento: a ditadura poderia ter sido abreviada? Nunca a intenção foi os militares se perpetuarem no poder. O poder seria devolvido aos civis em 66. Porém, houve a radicalização da Linha Dura. Àquela altura, se os militares deixassem o poder, aqueles que sofreram com os desmandos ditatoriais vingariam-se. A radicalização era um caminho sem volta para o recrudescimento da ditadura militar.

Antes de assistir a essa aula, eu já tinha para mim isso. Que o radicalismo é um caminho sem volta. Há aqueles que dizem "eu sou radical, comigo é oito ou oitenta". Oras, radicalismo não é genético, é uma opção que se faz e que acarreta sérias conseqüências. Uma certa vez, me envolvi numa situação em que precisei ser radical. Conclui que oito era oito, fechei com isso e fui até o fim. Mesmo que me arrependesse no futuro, oito não deixaria de ser oito. E não me arrependi, pois tinha ciência disso quando tomei minha "oitava" decisão. Oito era oito pois eu não me arrependeria de achar isso.

Entretanto, percebo que essa forma de pensar não é tão disseminada assim. Freqüentemente me deparo com pessoas que se dizem radicais, adotam posturas radicais, mas futuramente dão o braço a torcer, e acabam sofrendo severas conseqüências. Voltar atrás numa decisão radical sempre acarreta em perda de credibilidade, quando não do pescoço, como no caso da Linha Dura militar. E comigo, essas pessoas só perdem mesmo. Se um dia dizem que "oito é oito", oito será oito e pronto! Não adianta vir depois e dizer, "não, agora é oitenta" ou "vamos chegar nos quarenta e quatro?". Após a opção pelo radicalismo, não há meio-termo. Depois de oito ou oitenta, não há mais qualquer número.

Por isso compreendi a postura dos militares. Com mal-estar no estômago e horror no coração, entendi que não havia outra alternativa aos militares naquela época. A Política tem sua moral e sua dinâmica. E tenho aprendido isso na teoria e na prática.

Para mim, foi duro perceber que, desse ponto de vista, penso politicamente parecido com os militares linha dura do pós-64.

Escrito em 29/11/2005

terça-feira, novembro 29, 2005

Todo apaixonado é um teimoso

Se não me engano, já deixei escapar anteriormente que sou um palmeirense apaixonado. E que sou apaixonado por futebol também. Sei que é inútil buscar explicações para paixões, assim como sei que está difícil de se entusiasmar com futebol nesses últimos tempos.

Como reafirmei, sou palmeirense e ver o arquirival levantar uma taça é doloroso. Pois assim é o futebol e é assim que a coisa tem graça, na rivalidade. Mas há uns que insistem em desvirtuar a coisa e propalar o terror nas arquibancadas e fora delas. Apenas porque os outros não torcem para o time deles. O que fazia com que há algum tempo estivesse desanimado com futebol. É o cúmulo que se tema ir a um estádio por causa da irracional violência despropositada de uma minoria. Poucos prejudicando a liberdade de muitos. Isso não me entra e tenho uma opinião radical. Que sejam proibidos de entrar num estádio de futebol!

Aí, somando-se a esse desânimo, tem o Corinthians faturando um título e tem todas as sujeiras que estão marcando esse campeonato. Repetindo, sou palmeirense e, como tal, dói ver corintiano comemorar título. Mas tenho ciência que isso faz parte da brincadeira. Duro mesmo é assistir a uma partida, a um campeonato inteiro, de cartas marcadas. Pois está difícil de acreditar na lisura desse Brasileirão. Em texto passado, conjecturei a existência de uma conspiração e roguei que fosse uma conspiração do bem, para que a final do campeonato fosse emocionante. Mas logo de cara a Ponte Preta avisou que ia jogar com time misto contra o Corinthians. Aí é brincadeira, né? Não entrou com time misto, mas não ganhou do Corinthians, furando meu prognóstico para a última rodada.

Parece que conspiração do bem não existe. Mas a do mal, suas suspeitas ainda não foram dissipadas. Ainda na última rodada, houve pênalti inexistente a favor do Internacional. Uma média, para compensar o dano causado no jogo contra o Corinthians, o que valia mesmo.

Contudo, lá estarei eu torcendo pro Palmeiras domingo que vem novamente. Afinal, meu time pode voltar à Libertadores, e isso é um pouco animador.

Além do mais, eu já desisti de tentar entender o por quê das paixões.

quinta-feira, novembro 24, 2005

E viu a imagem vil

Olha o espelho e vê um rosto envelhecido. Olha olheiras, uma palidez cadavérica. Ainda bem que não se acha belo, a imagem é deprimente. Mas é jovem, sua idade não é a que aparenta. A imagem é reflexo, nem sempre da realidade.

O rosto continua o encarando. Sabe o que está olhando? A realidade ou uma distorção? Estou envelhecido pois envileci.

Em inglês, vil é evil. E demônio é devil. Digressiona para obliterar a verdade, mas sabe que é inútil. Faz muito mal.

Uma mentira ou uma verdade? A verdade, não sei se a realidade, é que envileceu. Mas sempre acreditou fazer o bem. Os desastres que causou, as tragédias que viveu, a destruição resultante, foi tudo pelo bem. O mal pode acontecer pelo bem? Ou o bem pelo mal?

Lembrou de um certo alferes. Continua vendo um homem que se recusa a ser eliminado. Ah, pelo menos, o homem não foi eliminado! O homem continua, sendo refletido e se expressando. Mesmo que pelo mal.

Não foi eliminado mas foi vencido, ficou envilecido. Porque fez o bem mas só fez o mal. Talvez porque não fez bem ou talvez porque é mal mesmo.

Ainda olha o espelho. Distorção ou realidade, a imagem é sempre reflexo. Estamos tristes!

terça-feira, novembro 22, 2005

Futebolando

É difícil não falar de futebol nesses tempos. Tempos escandolosos. Os poeminhas abaixo me inspiraram e agora arrisco uma jucakfourisse.

A próxima é a penúltima rodada do Brasileirão 2005, que para alguns (e me incluo nessa) está sendo chamado de Vergonhão 2005. Pois bem, sendo verdadeira a hipótese de que há conspirações agindo e influindo no futebol, a rodada dos sonhos seria, principalmente para a mídia, derrota do Corinthians para a Ponte Preta, derrota do Palmeiras para o Internacional e derrota do Fluminense para o Juventude.

Pois com todas essas derrotas, teria-se na última rodada, pelo menos olhando-se para o topo da tabela, três jogos decisivos, fora os jogos que definirão os rebaixados.

Corinthians jogando contra o Goiás e Internacional conta o Coritiba pelo título, e Palmeiras contra Fluminense por uma vaga na Libertadores. Seria o fim de campeonato, desde a instituição dos pontos corridos, mais emocionante até o momento.

Sendo verdadeira a existência de conspiradores, essa não seria uma má conspiração.

De futebol e poesia

Navegando no blog do Roberto Torero (http://blogdotorero.blog.uol.com.br/) encontrei as pérolas que publico abaixo. Tratam-se de plágios futebolísticos de poemas de mestres da nossa literatura. O link vem a seguir.

O menor gol do Tévez
é mais belo que o maior gol do Sobis.
Mas o maior gol de Tévez
não é mais belo que o menor gol do Sóbis.
Porque gol do Coringão não é gol do Colorado.


- Leo Cunha, plagiando Alberto Caieiro

E agora, José?
O Inter se f...oi,
O Goiás não subiu,
a coisa melhorou,
e agora, José?
e agora, Você?
que não torce pro Timão,
que zombou da gente,
e agora, Você?
ouça nosso hino,
veja o agito da nossa bandeira,
e agora, colorados?
que foram goleados,
mandem o recado, aos familiares: cheguemo, joguemo e perdemo.

- Zenóbio Saraiva, plagiando Carlos Drummond de Andrade

Timão, Inter, Goiás em jogos noturnos.
Campeonato inteiro que podia ter vencido e que não foi.
Corre, corre, corre.
Mandou chamar o técnico:
- Faltam só mais três.
- Só mais três, só mais três, só mais três...
- Respire.
.................
O técnico tem a escalação de cabeça e o coração cheio de superstição.
- Então, torcedor, não é possível já adotar o discurso de campeão?
-Não. A única coisa a fazer é chamar o craque argentino!


- Jorge Augusto, plagiando Manuel Bandeira

O Dia da Decisão

Hoje é sábado, amanhã é domingo /
As rodadas vem em ondas, como o mar /
O bonde do Corinthians parece que sai dos trilhos /
E somente o Inter ou o Meu Goiás para nos salvar. /

Hoje é sábado, amanhã é domingo /
Não há nada como o tempo de 90 minutos para passar /
Foi muita bondade do Sr. Zveiter /
Mas por Kia das dúvidas livrai-nos Rafael Sóbis e Paulo Baier de todo mal. /

Hoje é sábado, amanhã é domingo /
Amanhã não gosta de ver o Futebol bem /
Hoje é que é o dia do presente /
O dia é quarta, quinta, sábado e domingo /

Impossível fugir a essa dura realidade
Neste momento todos os bares estão repletos de torcedores com suas calculadoras /
A equipe do Inter está de mãos dadas /
O Meu Goiás está funcionando regularmente /
Torcedores Corintianos estão atentos ("aflitos" estão os do Náutico) /
Porque hoje ainda é sexta-feira, 18.11.2005.

- Al-Chaer, plagiando "O Diada Criação" de Vinícius de Moraes

Links:
1) http://blogdotorero.blog.uol.com.br/arch2005-11-20_2005-11-26.html#2005_11-20_18_11_14-10024933-0
2) http://blogdotorero.blog.uol.com.br/arch2005-11-13_2005-11-19.html#2005_11-19_19_26_52-10024933-0

quarta-feira, novembro 16, 2005

Auto-psia

Não vou viver para sempre, nem morrer a toda hora, porém, morri uma vez. Estava doente, definhava. Demorei a perceber que morria e quando morri. A consciência do fato foi estarrecedora. Fiquei de luto.

Eu morri. Morri! E não compreendia o que me aniquilara. E o fedor da carne em putrefação enturvava ainda mais a minha capacidade de discernir a situação. Mas assim fiquei. Apodrecendo, enlutando e enjoando, enquanto jazia e nada fazia. Precisava de ajuda. Tomei uma resolução. Autópsia.

"Tem certeza de que é isso que quer?", perguntou-me o legista. Certeza absoluta. Desde que descobri que o Universo era infinito e eu não, nunca me acovardei ante a iminência da verdade. Vai fundo. Abra-me, disseque-me, órgão por órgão, osso por osso, até a medula, e me mostre.

A revelação. Causa mortis: infecção generalizada. Uma chaga no meio do peito que tentei fechar, mas só fiz infeccionar. A infecção tomou meu corpo, minha mente e faltou pouco para tomar meu espírito. Não tomou porque, para não ser corrompido, o espírito desencarnou. Fiquei pasmo, senti-me triste, deprimi-me, mas aceitei a verdade. Doeu muito, mas só no começo. No fim, acabei suportando.

Enfim, a ferida cicatrizou. Dói um pouquinho ainda, quando o tempo esfria. Uma marca daquele que se foi, para que não seja esquecido. Mas fui enterrado. Não havia motivos para continuar sem funeral após ser dissecado e estar revelado. Descansei em paz.

Eu, que tenho medo da morte, morri para descobrir que não tenho medo das mortes. Pois na vida, não se morre a toda hora, apesar de se morrer sempre, mas se morre algumas vezes. A vida é singular, já a morte é plural. E toda morte é uma oportunidade de renascer, de poder recomeçar. Não do zero, mas com alguma experiência, o que já é alguma coisa. É muita coisa, para dizer a verdade.

quinta-feira, novembro 03, 2005

Oceano íntimo

"Você é profundamente ligado à sua casa e família."
- Aleatória mensagem de sorte do Orkut

Meia noite e trinta e quatro minutos de uma dia qualquer que se iniciava. Pelo menos convencionalmente, já que o dia começa quando o sol está para raiar e um mundo de gente desperta, iniciando mais uma jornada em suas cíclicas vidas. Para o sol raiar, ainda faltariam algumas horas - apesar de que em algum lugar do planeta o sol raiava naquele momento. Porém, para o rapaz, esse não era um dia qualquer...

Existe uma expressão de uso popular: "o bom filho à casa torna". Naquele momento, o rapaz estava retornando à casa onde passou a infância, depois de uns anos fora. Chegou com seu carro e alguns pertences pessoais que ali cabiam: roupas, livros, um cobertor, alguns documentos, seu cachimbo e uma bússola. Veio também o seu gato de estimação, que dormia engaiolado no banco do passageiro. Guardou o carro na garagem e iniciou o descarregamento das coisas para dentro da casa.

A casa estava vazia. De pessoas. As mobílias estavam ali. As mesmas que compuseram sua infância. Talvez uma coisa diferente aqui ou acolá, como um eletrodoméstico mais moderno, mas, no geral, tudo era o mesmo. Foi rápido o descarregamento. Eram poucas as coisas, afinal. O grosso de seus pertences viriam depois. Um caminhão iria trazer o restante de suas roupas, livros e outros pertences como uma televisão, uma escrivaninha, um computador, um armário e uma estante.

Abriu a gaiola onde o gato dormia. O bichano despertou, saiu, bocejou e espreguiçou, olhou para a cara do rapaz e desviou o olhar para outro canto em seguida, num típico gesto felino de desdém.

- Está com fome, moleque? - e o gato deitou sobre as quatro patas - Sem fome? Milagre!

Estava sem sono. Ligou a TV e sentou na poltrona. Zapeou até parar num filme dessas sessões da madrugada. Sentiu vontade de pitar o seu cachimbo. Foi buscá-lo.

- Folgado! Sai daí! Mal chegou já quer dominar os melhores lugares? - e empurrou o gato, expulsando-o da poltrona. Sentou novamente e, enfim, acendeu o cachimbo.

Percebeu que passava um filme de época. Não reconheceu o filme, mas não sabia se já o tinha assistido. Manteve os olhos na tela, porém não via mais o filme. Conforme cachimbava, sua mente se esfumaçava com nebulosas lembranças do passado que passavam em sua frente.

- Veado! Isso mesmo, você é um veado! Fica dormindo na casa dos seus amigos para quê? - rasgou a voz do pai na sala. A mãe e o irmão também ali estavam. O garoto se encontrava parado na escada que dava acesso ao andar superior. A mãe voou no pescoço do pai.

- Não fale assim, seu bêbado! - esbravejou - o irmão intercedeu e apartou os dois. O garoto continuava inerte.

- Mãe, deixa... - de súbito, falou - Não vale a pena. O que ele fala não me atinge. Isso não me ofende.

Subiu as escadas e foi para o quarto. Ficou várias semanas sem sequer olhar na cara de seu pai.

- Vai embora! Vai embora! - tum, tum, tum, e batia a cabeça na parede - Me deixa em paz!

O menino estava em pânico. Ouvia na sua mente a terrível voz que o atormentava desde os seis anos de idade, e que dizia: "Você vai morrer um dia! E não há nada que você possa fazer para evitar isso!". Ele não via ninguém, apenas ouvia. Era sempre assim. Entrava em pânico. Às vezes chorava. Muitas vezes fazia um esforço descomunal para se conter, quando estava na presença de outras pessoas. E como sempre, após a descarga de adrenalina que seu corpo recebia do cérebro, acalmava-se. Mas dessa vez sua vista direita enxergou avermelhado. E a lágrima que escorreu para o canto de sua boca não era só salgada.

Mordeu o bico do cachimbo. Já fazia muito tempo que não se descontrolava ao encontrar o Medo da Morte. Quase o tabu fora quebrado. Parece que voltar a essa casa o deixou bastante sensível, no entanto, conseguiu se controlar bem. Subitamente se levantou, respirou fundo e foi até a cozinha beber água.

Voltou. Quando iria se sentar novamente, deu pela falta do gato. Vasculhou pela sala e nada.

- Mefisto?! Cadê você, seu diabo?

Saiu da sala para o corredor de fora e notou a porta do escritório de seu pai entreaberta. Lá estava Mefisto.

- O que você está xeretando aí, moleque? - notou que o gato cheirava o que parecia ser um alçapão - Epa...

Nunca houve um alçapão nessa casa! O que haveria ali? Tentou imaginar o que pudesse estar guardado ou como aquilo fora construído, mas sua curiosidade logo o fez abrir a tampa. Ficou boquiaberto.

O cheiro era de maresia. Como estava escuro, procurou algo para iluminar embaixo, achou uma lanterna. Percebeu que do nível do escritório para baixo, um metro era vazio, o resto era água. Muita água. Muita água mesmo. Um oceano.

(Talvez continue...)

16/06/2005

terça-feira, outubro 25, 2005

O dia do subversivo

"Minha mãe me dizia: 'Se queres ser um soldado, serás general. Se queres ser um monge, acabarás sendo Papa.' Então eu quis ser um pintor e agora sou Picasso."
- Pablo Ruiz Picasso

Ontem foi o último dia que escutei aquela infame piadinha do "já decidiu sua opção sexual?". Hoje é o vigésimo quinto vinte e cinco de outubro que completo nessa terra, excetuando aquele do ano em que nasci. Como sou muito curioso, além de subversivo, dei uma fuçada acerca desse dia.

Dos mais ilustres, nasceram nesse dia Pablo Ruiz Picasso (1881) e Henri-Benjamin Constant (1767). Picasso foi o mais influente artista do século XX, principal pintor do cubismo. Fui ano passado numa exposição de suas obras na Oca do Ibirapuera. Descobri lá também que ele teve muitos amores. Casou diversas vezes e até os 80 anos esteve viril, dando conta de uma linda esposa, umas quatro décadas mais nova. Desde então, esse cara se tornou o meu ídolo. Já Constant, foi um influente escritor e político francês de origem suíça. Apesar de defensor de uma monarquia constitucional e da superioridade aristocrática no parlamento, era um liberal e desenvolveu teorias sobre governos parlamentares. Dentre suas obras mais célebres, está o discurso proferido em 1819, "Da liberdade dos antigos comparada à dos modernos", onde ele discorre sobre a diferença do entendimento de liberdade entre os clássicos e os modernos. Estudei esse texto. É uma excelente obra que também despertou minha admiração.

Há uma série de outros ilustres nascidos nesse dia também. Uma rápida varredura. Evariste Galois (1811), matemático francês; Johann Strauss, Jr. (1825), compositor austríaco; Georges Bizet (1838), compositor francês; Paulo Mendes da Rocha (1928), arquiteto brasileiro; Roberto Menescal (1937), compositor e músico brasileiro.

Além dos aniversariantes, pesquisei os importante eventos históricos ocorridos em vinte e cinco de outubro passados. Destaco o de 1962, quando o embaixador americano na ONU, Adlai Stevenson, apresentou evidências fotográficas de bases de mísseis soviéticas em Cuba, que culminou na Crise dos 13 dias, o período mais crítico da Guerra Fria, pois por pouco as duas superpotências não se aniquilaram; o de 1971, quando a Assembléia Geral da ONU votou pela admissão da China Continental e, conseqüente, expulsão de Taiwan do organismo; o de 1936, quando os ditadores Hitler e Mussolini selaram aliança; o de 1964, quando os civis golpistas Carlos Lacerda e Magalhães Pinto romperam com o presidente militar no Brasil; e também o de 1975, quando o jornalista Vladimir Herzog foi torturado e assassinado pela ditadura militar, porém, a versão oficial de sua morte foi suicídio, desde então, os jornalistas passaram a se mobilizar e a luta contra o regime autoritário se intensificou.

Por fim, pesquisei que 25 de Outubro é o dia do Sapateiro, do Dentista e da Democracia. Por causa deste último motivo, fiquei muito feliz. É um orgulho ter nascido no Dia da Democracia, para mim, muito mais que um sistema de governo, um valor que acredito e defendo racional e religiosamente.

Após comer um pedaço de bolo prestígio hoje de manhã, algo que faço religiosamente todos os dias 25 de Outubro, já me sinto preparado para chegar ao vigésimo sexto vinte e cinco de outubro, dia que, como pude demonstrar, é especial para mim.

Fontes:
1. http://pt.wikipedia.org/wiki/25_de_Outubro
2.
http://www.nytimes.com/learning/general/onthisday/20051025.html
3.
http://noticias.uol.com.br/vestibuol/atualidades/ult1685u146.jhtm

quinta-feira, outubro 20, 2005

Imaginando textos

Trata-se de meu novo projeto. As explicações já estão no primeiro post, que pode ser lido em http://imaginandotextos.blogspot.com (há link ao lado).

terça-feira, outubro 18, 2005

O mundo ainda não acabou?

Indagava eu, em texto anterior, se não estaríamos vivendo o início do fim dos tempos, devido aos eventos extraordinários que vem ocorrendo nos últimos meses. Citei, por exemplo, a tsunami no final de 2004 na Ásia e a prisão do Paulo Maluf, que parecia ser "imprendável". Fazia uma ponderação. A de que talvez não seria eu o primeiro a relacionar esses eventos com o apocalipse.

Pois é. Estive em Niterói nesse último fim de semana. O motivo não é relevante agora. Mas enquanto esperava o ônibus em que voltaria para São Paulo, a capa de uma revista me chamou a atenção. "O fim do mundo começou", dizia a última edição da Super Interessante, uma revista de curiosidades científicas. Praticamente fui compelido a comprar um exemplar. Afinal, dizia sobre o fim do mundo e tratava-se de uma revista baseada em fatos científicos. E eu imaginava que, além de mim, talvez só algum bando de lunáticos poderia acreditar que o mundo estivesse começando de terminar, com os tsunamis, terremotos, furacões e outros acontecimentos realmente incríveis.

Entretanto, a reportagem da revista não me satisfez, pois fazia alusão apenas ao superaquecimento do planeta como responsável pelos cataclismas que estavam ocorrendo ultimamente. Os terremotos, maremotos e lendárias prisões não estavam contemplados no rol de eventos que culminariam com o fim do planeta. A matéria tratava apenas das conseqüências do acúmulo de emissão de gás carbônico na atmosfera, do efeito estufa, do derretimentos das geleiras e do aumento gradativo da temperatura terrestre e demais impactos no ecossistema.

Contudo, a revista levantava uma polêmica. Se esse aumento de temperatura não seria oriundo da ação humana. Mais especificamente, se os EUA, país líder de emissão de gás carbônico no planeta, que recentemente decidiram não aderir ao Protocolo de Kyoto, não seriam os principais responsáveis por esse superaquecimento. A matéria também relembra que furacões são formados em regiões onde a temperatura das águas oceânicas é quente, logo, a Katrina e suas irmãs seriam uma resposta da mãe-natureza aos desmandos do Tio Sam. Além disso, chamam a atenção para a propaganda de contra-informação, promovida por Bush, para desvincular a ação humana do aquecimento do planeta, que seria feita principalmente no meio científico.

Eu disse que a reportagem não me satisfez, porém, de acordo com os prognósticos apresentados, a situação do planeta em 50 anos estará drasticamente comprometida. Alguns analistas calcularam que os prejuízos causados pelos efeitos do superaquecimento superarão à capacidade produtiva da humanidade. É uma situação deveras terrível, mas mais terrível ainda, para mim, é a preocupação em termos capitalísticos do problema. Eu estaria mais terrificado é com o tanto de gente que morre e tem morrido devido a tudo isso. Mas como se diz lá mesmo nos EUA: "é a economia, estúpido!".

Então, fui dormir no domingo à noite nesse mundo acabante e acordei na segunda-feira com a notícia da morte de mais um torcedor de futebol por causa de mais uma briga entre fanáticos e psicopatas. Não necessariamente uns contra os outros, mas ambos - fanáticos e psicopatas, e ao mesmo tempo - contra ambos. O assassinato ocorrera na mesma estação de metrô que horas depois eu descia, indo para minha casa voltando de Niterói.

A quanto tempo mesmo que esse mundo está acabando? Vou conseguir descobrir isso antes de me acabar?

Vou acabar por aqui, senão me acabo de tantas indignadas indagações.

Fontes:
1. "O fim está próximo", Revista Super Interessante, edição 218, Out/2005.
2. "Palmeirense morre baleado em briga de torcidas", www.terra.com.br, 16/10/2005, 14h08, atualizada às 20h46.

terça-feira, outubro 11, 2005

O fim dos tempos

Ultimamente, estou com o tempo minguado. Fora o fato de que meu tempo mingua ininterruptamente, o tempo está escasso para todas as atividades que me proponho a fazer na vida. Entretanto, entre uma piscadela ou outra de olhos, meu cérebro processa algumas informações, dentre tantas que me são bombardeadas o tempo todo.

Não sei se já falaram isso, pelo menos eu não ouvi ninguém dizer por aí - o que, confesso, me surpreende. Com tsunami na Ásia, furacões nos EUA, terremotos no Paquistão e América do Sul e mais o Maluf preso, será que não estamos vivendo o início do fim dos tempos? Pois, realmente, estranho tantas catástrofes e fatos extraordinários ocorrendo em tão pouco. E estranho mais ainda não ter ouvido nenhum apocalipsista de plantão anunciar o Juízo Final.

Bom, aí está o registro. Se for o fim de tudo, posso acabar tranqüilo por ter profetizado o acontecimento. Senão, posso assumir que, além do tempo, o meu juízo está minguando também.

quinta-feira, setembro 29, 2005

Os Eremitas - Um pouco de Geografia

Como dito antes, as Ilhas Ermas eram formada por três ilhas. A maior era chamada de Grã-Ermitã. A segunda em extensão, Meia Erma. E a menor, Erma Demais, pois era também a mais afastada da Península Olímpica. No território da Grã-Ermitã, havia uma grande variedade de tipos de terrenos. Planícies ao centro-leste, planaltos ao norte e ao sul, e uma cordilheira a oeste. Já Meia Erma e Erma Demais eram formada prioritariamente por montanhas.

Uma variedade de recursos naturais havia naquelas ilhas. As principais eram o ferro, desde o início utilizado pelos eremitas, a prata, o carvão e o petróleo, extraído em bacias marítimas. Essas dois últimos, obviamente, foram descobertos e explorados posteriormente, numa era industrializada.

Detalhes geográficos, apesar de não muito empolgantes, têm importância para uma melhor caracterização do povo das Ilhas Ermas. Conseguimos ser bastante objetivos. Vamos adentrar agora na parte espinhosa e emocionante da história dos eremitas.


09/09/2005
Terceiro capítulo de "Os Eremitas".

terça-feira, setembro 27, 2005

"O pulso ainda pulsa"

"Sei que ao inferno irei,
e a humanidade me agradecerá por isso.
Sei que ao inferno irei,
mas levarei uma nação inteira comigo."

O Anjo-vingador - Ivo La Puma

Uma coisa que aprendi a não ter nessa vida, em que nada temos de fato, é orgulho. Aquele mesmo, que nos faz ficarmos inertes, reclusos em nossa própria teimosia ou ignorância, e nos impede de dar o braço a torcer ou a mão à palmatória, que nos impede de reconhecer a razão alheia e que estávamos, em algum tempo, errados.

Pois é. Quando o Acústico MTV do Titãs foi gravado, torci o nariz. Como uma banda como o Titãs, que já cantara versos como "eu não gosto da igreja/ eu não entro na igreja/ eu não tenho religião", poderia desvirtuar seu som e se enquadrar em formatos não palatáveis às suas origens, rendendo-se ao grande monstro Kapital? Essa era a época em que escrevi aqueles versos acima, quando eu era anti-ianque de carteirinha.

Mas em pouco tempo fui dobrado. Tinha uma banda de garagem com mais cinco desvairados. Os "Anjos Nephilins". Ensaiávamos nas casas de cada um. Quando os pais de um enjoavam e nos enxotavam, mudávamos a barulheira para a casa de outro. Assim foi dos nossos quinze aos dezoito. E tocávamos rock, nosso estilo predileto. Tínhamos músicas próprias e fazíamos cover de Legião Urbana, Titãs e Capital Inicial, em sua maioria. Então. Como passei a tocar as músicas do Acústico, meu braço foi torcido, e passei a gostar do álbum também.

Comprei um aparelho que roda DVD semana passada. Queria que meu primeiro DVD fosse o "Filmes de Guerras, Canções de Amor", um ao vivo dos Engenheiros do Hawaii, minha religião. Devido ao preço, sua aquisição ficará para outro mês. Então houve uma promoção num site de compras eletrônicas. DVD mais CD. Dos títulos em promoção, havia o Acústico MTV dos Titãs. Ainda não tinha esse CD. Decidi também que seria o primeiro DVD.

Chegou hoje. Tomei-o em minhas mãos e, como se eu fosse um aparelho de DVD, um filme rodou em minha mente. Meu contrabaixo, meus cinco amigos, nossos sonhos de conquistar o mundo com armas que disparavam versos e notas musicais. Nostalgia.

Faz anos que não tocamos juntos. O destino dissipou a banda. As namoradas e as universidades interpelaram nosso projeto. Um é advogado, está casado e tem uma filha. Dois namora e mora em Araraquara, onde estuda Farmácia. Três também namora, mas mora em São Paulo, onde estuda Letras. Quatro namora também e também mora em São Paulo e trabalha com Tecnologia da Informação. Cinco não sei se namora, tenho poucas notícias. Sei que foi morar no Japão, ser dekassegue. O menos talentoso dos seis é solteiro hoje, é analista de sistemas e continua estudando, só que agora Ciências Sociais. Nas horas vagas, finge ser escritor e acredita possuir uma divina missão. Fica a escrever textos e versos, ditos, subversivos.

Há alguns dias, quatro desses seis reuniram-se outra vez. Infelizmente não para tocar. Choramos a morte de um amigo que Deus resolveu levá-lo no dia do aniversário de seus dois irmãos. Um deles o Três, que não tem a mesma idade do outro. Não é gêmeo.

Tenho esse péssimo hábito. Faço e vejo poesia em tudo. De Deus até a morte. Como antes, não sou mais anti-ianque. Faz tempo o subversivo suprimiu aquele rebelde. Mas ainda está guardado em mim os restos daquele outro. Do outro e dos outros. Os meus outros amigos e companheiros de devaneios.

Não vejo a hora de sair daqui e pôr o Titãs no toca-CD do meu carro...

Este é para os meus irmãos adotivos e anjos tortos, de asas atrofiadas, que juntos ousamos consertar as coisas quebradas, mas que nos quebramos pelo caminho... Ualace, Paulo Renato, Shoiti, Rodrigo e Renato. E para Kodji, outro irmão, tragado por Deus cedo demais para nossa conta.

segunda-feira, setembro 26, 2005

Os responsáveis da crise

De súbito, fui estapeado pela lembrança da opinião de algumas personagens acerca dos responsáveis pela atual crise política brasileira.

- É dos "puderosos" dessa nação! disse o anacrônico do baixo clero.

- É da direita retórgrada e conservadora! disse o sapo barbudão.

- É da esquerda anacrônica e burocrática! disse o tucano-pavão.

- É dessa camarila de vampiros que nos substituiu... digo, que se incrustrou no poder! disseram, em unínosso, o aprendiz-neto de coronel e o decrépito representante da velha burguesia desmodernizante.

É nossa! vos digo. Que não cumprimos nossos deveres. Que não nos importamos com nosso direitos. Que botamos todos esses aí no poder e depois esquecemos.

Só que nessa porra ainda há democracia. E isso tudo pode ser mudado. Amém!

13/09/2005

quinta-feira, setembro 22, 2005

Os Eremitas - A cultura eremita

Como já anunciado, os eremitas dominavam algumas tecnologias. As principais, eram voltadas para a exploração da pesca, mais importante meio de subsistência daquele povo, naquela época. A escrita, a matemática, a navegação, a astronomia, a engenharia e o manuseio de ferro eram algumas dentre as tecnologias desenvolvidas.

Os eremitas cultivavam também a literatura. Ele criaram um alfabeto bastante sofisticado e tinham codificado histórias míticas sobre suas origens, o livro sagrado de sua religião, monoteísta, e livros com fins educacionais.

Sobre seus mitos e religião, temos algumas particularidades que acercam esse povo. Os eremitas criam em Deus, porém sentiam-se abandonados. Encontravam-se num território cercado por mar e por muito tempo se perguntaram se estavam a sós no mundo. Eles não entendiam porque viviam ali, naquele tempo, os desígnios Dele, mas acreditavam que havia algum sentido para sua existência. Por exemplo, a chegada dos steveninos foi considerada como um lance divino, algo que foi predeterminado a acontecer com eles. É uma explicação por aceitarem a dominação dos olímpicos sem resistir. Até hoje, Deus e religião são coisas controversas para os eremitas. Não aderiram a nenhuma outra religião monoteísta e continuam a manter uma fé abalável por Deus. Ou seja, continuam a crer Nele, mas devido ao sentimento de isolamento, algo intronizado e ainda cultivado em sua cultura, chegam algumas vezes a renegá-Lo, ou simplesmente a negá-Lo, a crer que Ele não existe.

É sobre esse caldo de cultura que estão baseados alguns mitos eremitas. O principal deles é o Medo da Extinção, como eles mesmo chamam. Há diversas histórias que retratam como seria o fim dos eremitas nesse mundo. Um fim catastrófico. Há versões que dizem que o mar engoliria toda a terra. Há outras que dizem sobre uma grande pedra que cairia sobre suas cabeças. E umas outras que dizem sobre grandes pestes que aniquilariam a todos. Em virtude dessas histórias, os eremitas sempre olharam muito para a frente, para o futuro. Por isso o gosto pela astronomia. Passaram a olhar para a frente demais...

Uma outra história bastante cultivada pelos eremitas era sobre um povo que habitava um terreno parecido com o deles, longínquo e cercado por mar. Um povo também fadado ao isolamento. Um povo considerado irmão dos eremitas. Alguns diziam que era missão terrena deles procurar esse povo, para que, ao se encontrarem, o sentimento de isolamento de ambos fosse extinguido. Por isso sustentavam que eles deveriam lançar-se ao mar o mais breve possível, pois poderia acontecer desse outro povo ermo não dominar as mesmas tecnologias que eles dominavam, e aí, eles nunca conseguiriam se encontrar.

Essas e outras histórias elucidarão em muito para o entendimento do passado e do presente do povo eremita. Seguimos adiante.

09/09/2005
Segundo capítulo de "Os Eremitas"

terça-feira, setembro 13, 2005

A culpa é da Democracia!

"Nas favelas, no senado
Sujeira pra todo lado
Ninguém respeita a Constituição
Mas todos acreditam no futuro da nação"

Que país é este? - Renato Russo

Do Le Monde, 13/09/2005, em português. "Paulo Maluf entregou-se à Polícia Federal algumas horas antes do seu filho Flávio. Ambos estão encarcerados por tentativa de intimidação de testemunhas. Além disso, eles devem responder a acusações de corrupção passiva, evasão de divisas, lavagem de dinheiro, formação de quadrilha, entre outras, contidas num arrasador dossiê de 8 quilos." Como? Paulo Maluf está preso? Impossível!

Do Folha Online, 12/09/2005. "Severino é acusado de receber propina para prorrogar a concessão de restaurante que opera na Câmara. A principal peça contra Severino é o termo de prorrogação, até 2005, do contrato para exploração do restaurante. No documento, com data de 4 de abril de 2002, consta a assinatura de Severino Cavalcanti, então primeiro-secretário da Casa." Hein? O Presidente da Câmara acusado de corrupção? Inacreditável!

Ainda do Folha Online, 12/09/2005. "A Corregedoria da Câmara aprovou por unanimidade o relatório da comissão de sindicância que pede abertura de processo por quebra de decoro parlamentar contra 18 deputados. Todos foram citados em relatório preliminar das CPIs dos Correios e do Mensalão como suspeitos de envolvimento no esquema do 'mensalão'". E mais. "Embora o deputado Carlos Rodrigues (PL-RJ) esteja na lista, não haverá abertura de processo porque ele renunciou ao mandato hoje - o relatório ficou pronto na sexta-feira. Os deputados Roberto Jefferson (PTB-RJ) e José Dirceu (PT-SP) também já estão respondendo a processo por quebra de decoro." Mensalão? Deputados federais sendo processados e podendo ser cassados? Sacrilégio!

O que está havendo? Que país é este? Nunca li manchetes desse calibre antes! Políticos sendo presos ou processados por corrupção, denúncias de deputados que recebem propinas ou que vendem suas ideologias. Pera lá, gente! Antigamente não havia notícias como essas!

Deve ser porque nesse país até semi-analfabeto elegem como Presidente da República! Olha só o absurdo. O Presidente do Brasil não é coronel, nem doutor, nem militar! É um operário! E outro dia desses, enquadraram até dono de butique chique por sonegação fiscal. Pode uma coisa dessas? Meu Deus! onde isso tudo vai parar?

Esse troço de democracia que os gregos inventaram há 2500 anos atrás é uma grande porcaria, hein? Nosso país está infestado de políticos corruptos e desqualificados! Antigamente, não havia notícias como essas. Antigamente, os militares zelavam pela moral e pelos bons costumes. Antigamente, havia ordem nesse país.

Algo está acontecendo no Brasil. Já não sei mais quem é macaco e quem é banana por aqui. Já não sei mais quem está comendo quem. Está tudo errado. E eu acho que a culpa é dessa democracia - subversiva e metida à besta.

segunda-feira, setembro 12, 2005

Os Eremitas - O descobrimento das Ilhas Ermas

Era um conjunto de três ilhas a quase 100 léguas a oeste da Península Olímpica, incrustada no Grande Continente. Desde os primórdios, um povo habita essas ilhas. Um povo que não era composto por muitos. Aliás, hoje continua não sendo, porém são muito mais numerosos do que antigamente. O povo, hoje, forma uma grande nação, com status de potência, que tem sabido escrever uma grandiosa história e ainda tem uma bela estrada a percorrer. Tratamos do povo das Ilhas Ermas.

Tal nome foi dado pelos governantes do Reino de Steven, que ocupava a Península Olímpica. Os steveninos eram um povo guerreiro e conquistador. Após conquistar toda a Península Olímpica e garantir a segurança do reino contra possíveis invasões de povos vizinhos, passaram a se dedicar ao domínio das técnicas de navegação. Tão logo conseguiram, lançaram-se mar a dentro em busca de territórios. O primeiro território encontrado foi justamente o conjunto de ilhas que batizaram de Ermas, pois julgaram inicialmente que eram desabitadas.

Contudo, um povo vivia ali. Um povo que passou a ser chamado, então, de eremita pelos steveninos. Não foi necessário luta para a anexação das Ilhas Ermas ao Reino de Steven. Os eremitas possuíam o domínio de diversas tecnologias, porém, nenhuma para uso bélico. Os steveninos julgaram não haver necessidade de aniquilá-los, e por considerarem que algumas técnicas dominadas por aquele povo poderiam ser úteis, propuseram o status de protetorado ao conjunto das três ilhas. Os eremitas não tiveram alternativa.

O dia em que os primeiros steveninos desembarcaram no território eremita foi o vigésimo quinto dia do décimo mês da vigésima nona década da existência do Reino de Steven. Este dia ficou conhecido como o Dia do Descobrimento das Ilhas Ermas. Foi numa noite de primavera.

09/09/2005

Primeiro capítulo da coletânea de textos que compõe o conto "Os Eremitas". A seguir serão postados outros textos com os demais capítulos da obra.

terça-feira, setembro 06, 2005

In-pensato

Frequentemente tenho espasmos cerebrais. Uma descarga oriunda não sei de onde fazem meus neurônios se contraírem e, ao relaxarem, uma torrente de palavras sai de mim. Frequentemente também, essa torrente parece desconexa. Mas pode ser que inconscientemente não seja... Descobri que posso atualizar o blog por e-mail, o que seria ideal para realizar um projeto que dê vazão a esse fluxo textual. Ao final, se findar, poderei averiguar se há alguma conexão em tudo.

Está criado o In-pensato, blog que reunirá toda essa hemorragia alfabética. Está em http://in-pensato.blogspot.com (há um link ao lado também).

Contudo, minha missão subversiva não acabou. Isso aqui não será abandonado. Ainda...

sexta-feira, setembro 02, 2005

Se foi Deus...

Pode ser que o caminho certo
seja aquele que você escolher como certo.
E pode ser ainda que nesse caminho não haja Deus,
ou não aja Deus,
ou mesmo não exista Deus...

(Se fodeu!
Se foi Deus...)

Eu não queria Deus,
queria um copo de uísque.
Eu agora quero Deus,
e quero um duplo, puro.
Aliás, traga-me dois, por favor!

Pode ser que Ele me acompanhe nessa caminhada...


São Paulo, 30/08/2005

quarta-feira, agosto 31, 2005

Rei se afogando

Tenho paixões inexplicáveis. Acho isso um puta pleonasmo, mas não consigo entender, por exemplo, meu fascínio pelas guerras. É um horror, mas me excito com os filmes que tratam sobre algum evento bélico da História. Vão vendo. Desde as aulas colegiais de História, sou aficionado pela história de Alexandre Magno. Li até uma biografia sobre ele, de tanta curiosidade. Era um livro fascinante que narrava, inclusive, suas principais batalhas com uma riqueza de detalhes que me fazia sentir estar presente nelas. Imaginava-me assistindo suas falanges, os elefantes montados dos inimigos e toda a carnificina produzida pelos embates. Ao assistir ao filme no cinema, anos depois, tamanha foi minha emoção ao ver as cenas como eu as via em minha mente que chorei... E as guerras reais, então? Quando eclodiu a Guerra do Golfo, lembro que perguntei a minha mãe: "É a Terceira Guerra Mundial?". Eu tinha (ainda tenho) um pavor do holocausto nuclear. Lembro até hoje das cenas do filme The Day After em que as bombas nucleares soviéticas devastavam as cidades americanas. Achava que daquele conflito poderiam sobrar bombas para todo o mundo. E minha mãe: "Não, essa é a guerra fria!" (Guerra Fria, mãe?! Já havia 2 anos que o Muro caíra...) Vê-se que não tínhamos noção nenhuma do que falávamos! E quando as Torres Gêmeas caíram em Nova Iorque? Lembro como se fosse ontem a adrenalina que me correu. Era a História acontecendo, ao vivo, e eu sem saber se era espectador ou figurante... Uma vez que hoje já temos o Jean como vítima dessa nova guerra, o máximo que dá para dizer é que os brasileiros estamos "incluídos" fora dessa!


Mas vejam. Me excito com as guerras não porque sinto prazer nelas. Mas porque elas me provocam fascínio. Contudo, da mesma forma que me atraem, elas me causam desespero e asco. Não teria coragem, a sangue frio, de empunhar uma arma e atirar contra alguém. Aliás, nem baratas mato a sangue frio. É que tenho tanta repulsa a baratas que as esmago com gosto, com sangue nos olhos... Mas voltando às guerras, não serviria para soldado. Por isso não entendo porque sou fascinado por guerras.


Contudo, mesmo assim e entretanto, sou fascinado por aviões de combate e submarinos. Sou daqueles que colecionam modelos de tais máquinas de guerra, daqueles de plásticos que se montam colando e pintando... Pois é, dizia eu no início que tenho paixões inexplicáveis, e caí nessa armadilha que me armei... Eu queria começar dizendo, justamente, que sou fascinado por aviões, e que ultimamente me via na seguinte situação: pilotando um avião que necessitava de manutenção para continuar voando. Problema: como realizar a manutenção em pleno vôo? Pousar está fora de cogitações, pois significa o fim da viagem. O fim!


Pois é. Me armei nova cilada. Não sei a solução para esse problema. Acabei suicidando o texto. Auto-xeque-mate!


Mas vamos lá! Deixa eu ver o que sei... Sei que tenho paixões inexplicáveis. Que vivemos hoje uma guerra, que talvez alguns a considerem a Quarta Guerra Mundial, se talvez o mundo sobreviver a essa. Sei que esse ano completo vinte e cinco. E aos vinte cinco, Alexandre era imperador do mundo, por isso era o Grande. É muito engraçado, olho minha história e vejo Alexandre! Pois, eu também conquistei o meu mundo. Sou hoje soberano, autodeterminado. Mas aos trinta e três, Alexandre sucumbiu. Não sabemos bem o porquê, mas sucumbiu...


Me parece que para não acabar como esse texto e como o conquistador macedônio, só me resta continuar pilotando o avião avariado, e buscar o empate por Rei afogado.

São Paulo, 30/08/2005

segunda-feira, agosto 29, 2005

Mudança: os fins e os meios

Antes do advento da agricultura, os homens eram nômades, mudavam-se constantemente. Aliás, antes do surgimento do Homo sapiens, nossa espécie, as espécies primitivas de hominídeos também eram nômades. Quando os alimentos escasseavam ou quando os inimigos naturais se aproximavam, nossos ancestrais, tanto primitivos, como os nem tanto assim, logo se mudavam de onde estavam, para um novo lugar, desconhecido.

Porém, como nossa espécie é dotada de alguma inteligência, foram desenvolvidos certas tecnologias. O homem inventou a agricultura, a guerra, o Estado e a religião. Não foi mais preciso para esses homens se mudarem permanentemente. A partir desse momento o homem se tornou SEDENTÁRIO. Alguns homens até gostariam de continuar a vida nômade e perambular por aí. Mas outros homens também inventaram a ESCRAVIDÃO como modo de produção, e a grande maioria dos homens eram escravos.

E assim foi por muitos anos. Os homens tinham poucas oportunidades de se mudarem, além também de ser muito difícil, pois, apesar de certas maravilhas que ele criava e construía, a tecnologia não era tão avançada assim, e o principal combustível para as mudanças era a FORÇA ANIMAL. De um cavalo ou, dependendo do caso, do próprio mudante.

Contudo, veio a modernidade. Tudo se transformou. Nada, ou quase nada, é como era antigamente. E tudo continua se transformando vertiginosamente. Nos tempos modernos, a mudança é a única coisa permanente. E assim como tudo, o homem também desenvolveu novas maneira de fazer MUDANÇA.

Primeiro, porque os homens melhoraram as formas de produção. Inventou-se uma escravidão camuflada que faz com que o escravo não pense que é escravo e permitiu-se a esse coitado uma coisa chamada "direito de ir e vir". Com isso, e mais outras invenções humanas como salário, férias e previdência social, o homem moderno continua um escravo, mas com uma certa liberdade tolerada. E com outras inovações tecnológicas, o homem moderno realiza mudanças com muito mais praticidade. Por diversos motivos, o homem de nosso tempo precisa se mudar para estar atuando como escravo em outros lugares. Ele voltou a ser nômade. Porém, não é mais quando escasseia os alimentos ou quando surgem os inimigos que ele sai de lugar. Agora, é quando ele não é mais útil em tal lugar. E com a invenção de coisas como máquina a vapor, automóvel, aeroplano, gasolina e óleo diesel como combustível para as mudanças, a força animal se tornou obsoleta e a situação dos homens para realizarem suas mudanças muito mais facilitadas.

Hoje em dia, o homem moderno para se mudar basta contratar uma empresa de MUDANÇAS que tudo é feito profissional e eficientemente. E se ele não tiver nada com que levar consigo, basta pegar seu automóvel ou comprar uma passagem de ônibus, trem ou avião, e se mudar para o lugar de destino.

Desde sempre e principalmente na nossa Era Moderna "tudo muda, até a mudança muda".

Hakuna Matata (pseudônimo)
Escrito em 06/04/2004
Paródia de um texto de auto-ajuda corporativa que tratava sobre
"mudanças"...

segunda-feira, agosto 22, 2005

Um discurso arrogante

Quero que me diga, de coração, que não gosta de mim, que não se sente bem comigo, que seu coração não palpita diferente quando está comigo ou mesmo quando pensa em mim. Quero que me diga que não me quer bem, que não se importa comigo, com o que eu penso, com o que eu digo, com o que eu faço. Consegue me dizer tudo isso? Se consegue, então paro por aqui, volto para o meu canto e a deixo em paz. Mas se não consegue, me diga, então, por que não?

Por que não amar? Por que não viver? Acha que se vive sem amar? Acha que passará a vida inteira sem desejar aquele calor que só o coração é capaz de sentir? Aquele calor que sinto só de pensar em você? Sim, não nego que seja possível alguém passar a vida inteira sem amar, mas quero que você me negue que seus dias mais felizes não foram aqueles em que esteve em sintonia com alguém? Digo "em sintonia", pois talvez ainda tem medo de aceitar o amor, talvez ainda não esteja aberta para esse sentimento, talvez ainda não o tenha descoberto. Mas se aquilo que disse sobre mim é verdade, descobrir o amor é uma questão de autoconhecimento. Se não é verdade, como disse antes, paro aqui e volto para o meu canto...

O doce da vida é o amor. A alegria de viver é o amor. Se não tem fé nisso, quero que me responda quem é mais feliz, aquele que gosta de fazer o seu trabalho ou aquele que trabalha por mera obrigação? Pergunte a sua mãe se ela é infeliz pelo fato de ter parido algum de seus filhos? Repito, pergunte-se quais foram os momentos mais alegres de sua vida? São felizes aqueles que amam. A vida é mais vida, é mais vivida, é mais sentida, com amor. Quem é feliz com amargura? Então, o doce da vida é o amor.

"Ainda que eu falasse a língua dos anjos, sem o amor, eu nada seria...". Houve um tempo em que eu me achava anjo. Descobri que sou muito imperfeito para ser anjo. Sou homem. Não sei a linguagem dos anjos, mas sei a linguagem do amor. E eu sei que amar envolve riscos. Para ser feliz é preciso se arriscar. A felicidade não é um presente que é entregue via correio na porta de sua casa. A felicidade não cai do seu. Não espere a felicidade cair do céu, pois continuará infeliz. Deus nos dá oportunidades. Oportunidades de ser feliz, não a felicidade. Quer uma coisa? Então se mova! A coisa é difícil? Oras, viver é difícil. Vivemos sabendo que vamos morrer... A coisa pode causar sofrimentos? Não importa, tente. Se não tentar não vai ter a coisa. E se essa coisa a fizer feliz, não há nada no mundo que pague por isso. O amor, assim como qualquer coisa na vida, não cai do céu, é difícil e envolve riscos. Mas se não nos movermos em direção a ele, continuaremos sem ele. Me diga quem consegue um diploma sem estudar, quem ganha o salário sem trabalhar, quem realiza seus sonhos sem se sacrificar? Nada cai do céu, a não ser chuva (talvez asteróides, mas isso bem raramente).

É por isso que eu prefiro mil vezes sofrer por amor do que não sofrer. Se eu sofro, é porque amo. Se amo, é porque vivo. Deus nos deu inteligência, livre-arbítrio e a capacidade de amar, porque nos fez a Sua imagem e semelhança. Se Deus já nos deu tudo isso, o que precisamos mais? Fora a chuva, mais nada precisa cair do céu. Já temos o necessário para vivermos.

Se você ainda tem medo de amar pelo medo de sofrer no futuro, eu lhe digo: está deixando de viver! Viver é isso. É se arriscar o tempo todo. E quem disse que sofrer é ruim? Sofrer também significa suportar. Quando sofremos por algo, estamos superando esse algo. E quando superamos algo, nos tornamos maiores, mais fortes, evoluímos. Não pense que irá passar a sua vida inteira sem sofrer. Pois vai sofrer, se quiser ser melhor. Não há vida sem sofrimento. E não há vida sem amor.

Entretanto, se você ainda tem medo de amar por achar isso difícil, eu lhe pergunto: o que é fácil? E como saber se uma coisa é difícil sem tentar? Ou você acha que viver está nos livros, que existe alguma Teoria do Amor? Amar é algo que se sente e que não pode ser racionalizado. Sentimento é prática. Não se sente sentado, refletindo sobre. Sente-se vivendo. Então se acha que pode saber do amor por conjecturas, engana-se. O amor não se sabe, se sente. Logo, você só vai sentir o amor na prática. Só vai saber se é possível, se tentar amar.

A vida é única. Ela não se repete. Pode até parecer, mas não é igual. Por isso é impossível
reviver o que foi vivido. Errou no passado? A vida te deixou marcas que ainda doem? Tem medo de se machucar novamente? Mas a vida é isso. É estar sujeito a erros, a feridas, a dores. Mas ela é única. Cada instante que passa e não se é feliz é um instante perdido. Os que passam e se é feliz não são esquecidos nunca. Pode ser que para se ter instantes felizes o preço seja a dor. Pode até ser... Mas eu não conheço ninguém que é feliz na inércia.

Contudo, se ainda preferir a negação da vida, tudo bem, eu aceito sua decisão. Eu tenho minha consciência tranqüila pois fiz o que foi possível para alegrar meu coração. Entretanto, tenho minhas dúvidas se o seu coração vai estar feliz e se sua consciência estará tranqüila. E quando o tempo passar, a vida passar, e você estiver infeliz, não adianta olhar para os céus em busca de respostas. Pois do céu só cai chuva.

São Paulo, 11 de maio de 2005

quarta-feira, agosto 10, 2005

De improviso

É sempre assim. Nada que planeja, dá certo. Sempre um imprevisto ocorre. Sempre...

Ficou matutando, matutando, imaginando o que ela queria dizer com "se fulano soubesse que aqui a vista era assim". Que fulano? Mas arriscou. De repente, conseguiu roubar uma bola em seu campo e armou um contra-ataque. Não esperava o contra-ataque. De repente, estavam a sós, jantando. De repente, descobriu que não havia mais fulano. Um imprevisto. É um especialista em improvisar. Um craque. Chuveirou a bola na área. De cabeça... Golaço! Promessa de dias maravilhosos. Alguns, pelo menos, foram...

Após esses dias, planejou um ataque mais incisivo. Não era situação para ficar na defensiva. O momento de trocar passes no meio-campo já foi. Tinha que partir para cima, e rápido. Sacou o zagueiro e meteu o centro-avante fixo lá na área. Ensaiou direitinho a situação. Até anotou num papelzinho a seqüência de assuntos que puxaria ao telefone...

Mas é sempre assim. Nada que planeja, dá certo. Sempre um imprevisto ocorre. Sempre! Ainda havia o fulano. "O que você quer com a minha namorada?". Mas é um craque. Um craque! Não marcou o gol, não deu para chutar. Mas conseguiu fazer com que a bola fosse recuada ao goleiro. Não tinha outro jeito. O negócio era segurar o resultado.

Enquanto Deus insiste em troçar com sua vida, continuará improvisando, é o jeito. Ao ouvir o apito final, não pôde deixar de olhar para os céus e inquirir: "Por que é sempre assim? Por quê?".

O que ele não se deu conta é que ainda há mais um jogo. Ainda há uma prorrogação e a partida não está perdida. E também não se deu conta que é bom para ele poder cobrar Deus. Estará danado se por um acaso ele não existir. Estará fadado a solidão. Eternamente.

Peculiaridade do texto: foi escrito em alguns poucos minutos...

domingo, agosto 07, 2005

Temporal itinerante

"Quando você foi embora
O céu deu de escurecer
Será que eu fiquei chorando
Parece que vai chover"

Morena de Endoidecer - Djavan

Choveu. Bastou ela entrar no ônibus, ele recuar uns passos até o banco em frente à plataforma de embarque, o céu se fechou e desabou. O temporal surgira de maneira tão instantânea que o rapaz ficou impressionado. A água caía forte, impulsionada pela ventania. Em segundos, boa parte do terminal de embarque estava alagado pela água que descia pelas calhas do telhado. Mesmo estando num local coberto, os demais usuários do terminal rodoviário eram açoitados pela água cadente que, graças aos ventos, possuía uma formidável mobilidade. Ele viu a aflição dessas pessoas que buscaram ocupar os poucos espaços menos molhados. Percebeu, então, que se molhava um pouco, mas permaneceu no mesmo local. Não era tanta água que caía sobre ele.

"Isso não é uma chuva, é um pranto", pensou. Tinha seu olhar voltado para a direção onde estava o ônibus em que a moça acabara de subir, mas na verdade mirava o céu, cinza pelas nuvens, apesar de ainda ser dia. Já eram dezenove horas, mas o horário de verão e o próprio verão permitiam que a luz diurna ainda imperasse naquele momento. Mirou o ônibus. Os vidros escurecidos das janelas do veículo impediam que ele enxergasse onde ela estaria sentada, se já estivesse sentada. O motor partiu e o ônibus também. Quis acenar em despedida, mas não se mexeu. Não sabia se ela estava olhando para ele naquele momento. Apenas acompanhou com o olhar e o pescoço sua saída.

"Morena de endoidecer", veio o verso da música em sua mente. Porém, não conseguia lembrar o restante. Parecia que para ele a canção só tinha esse verso. Nem se lembrava se o verso fazia parte do refrão. Sentou. Abriu a mala e puxou uma revista com matérias sobre as guerras de Alexandre, o Grande. Alguns respingos caíam na revista. Praguejou silenciosamente, mas percebeu que para continuar a ler teria que ser ali mesmo. Era o local que menos se molhava.

"Rei dos Reis. Conquistado o Egito, Alexandre não voltou para casa. Ele preferiu rumar para a Ásia, onde iniciou uma caçada humana - cuja presa era Dario III. 'Se te consideras um rei', escreveu o macedônio ao imperador da Pérsia, 'prepara-te para a luta e não fujas, pois eu te perseguirei aonde quer que vás.' Os inimigos voltaram a se defrontar em 331 a.C., em Gaugamela (atual Tell Gomal, no Iraque). Dario fugiu pela segunda vez e acabou sendo assassinado por um de seus próprios oficiais. Em Susa, uma das antigas capitais do império, Alexandre sentou-se triunfalmente no trono dos soberanos persas. Agora ele era o 'Rei dos Reis', senhor de gregos e dos asiáticos. Tinha apenas 25 anos.'", subitamente estancou a leitura. Sentira um déjà vu. Levantou-se. Olhou ao redor. Virou o pescoço de um lado a outro, girou em seu próprio eixo. Procurava algo. Como apenas tinha desse algo uma impressão, não sabia exatamente o que procurava. Nessa infrutífera vasculhada, encontrou um gato preto que se escondia embaixo de um dos bancos a seu lado. Parecia tremer, decerto por estar molhado pelo temporal. Gatos odeiam se molhar. Deu que a descoberta do pequeno felino o fez lembrar como fora o seu dia. Vieram à mente a lembrança dos leões, pumas e panteras que ele e a moça itinerante viram no zoológico da cidade. Lembrou também a saborosa pizza que ambos comeram no almoço. Comeram com tanta avidez que não sabiam se a comida estava tão deliciosa, por ser de fato deliciosa, ou se pela fome de ambos. Afinal, ficaram a ver bichos a manhã inteira, sem nada beliscar. Quer dizer, nada ingerível. Não pôde deixar de se remeter ao filme que assistiram após o almoço. Closer - Perto Demais. Riu sozinho ao se lembrar do próprio comentário feito à garota sobre o filme, quase nada visto: "Acho que o filme foi bom por causa do título! Realmente ficamos perto demais um do outro!". E riu gostosamente, como na ocasião. Enquanto o sorriso ainda ecoava, reteve a imagem do rosto dela rindo consigo em sua frente. Pôde rever seus olhos castanhos e até sua mancha de nascença na têmpora esquerda. Quis se enaltecer em felicidade. Quis reconhecer sua paixão por ela. Suspirou.

"Por que eu só conheço gente assim?", indagou-se, mas na verdade inquiria a Deus, se talvez acreditasse nele. Então, seu ônibus chegou. O rapaz também era itinerante. Fechou a revista e guardou-a na mala. Conferiu sua passagem e subiu no ônibus. De volta para seu destino.

Escrito em 10/02/2005

sábado, julho 30, 2005

O inimaginável

Imagina-te um irracional

Não dá, é impossível
Imaginar pressupõe raciocinar
Pensar

Quem pensa, existe
Logo,
Não dá para imaginar o que não existe

São Paulo, 21/03/2005

sexta-feira, julho 29, 2005

Radio-man

"Mas nós vibramos em outra freqüência
Sabemos que não é bem assim
Se fosse fácil achar o caminho das pedras
Tantas pedras no caminho não seria ruim"

Outras Freqüências - Engenheiros do Hawaii

Uma idéia tem germinado na minha cabeça, não sei se original, que é a seguinte: o sentimento de solidão é inversamente proporcional ao grau de sintonia de você com relação ao mundo. De mundo, compreende-se tudo. Pessoas, lugares, coisas. Sei que é temerário reduzir a fórmulas matemáticas assuntos do espírito. Não creio que a natureza humana possa ser compreendida com exatidão, muito menos exatamente. Mas, às vezes, fazer uso de ferramentas que funcionam em outras esferas da vida, como a Física ou a Química, ajudam como ponto de partida a quem se mete à besta de se meter em questões insolúveis.

Por que nos sentimos sós mesmo quando acompanhados? Por que temos aquela sensação de "peixe fora d'água" em certos lugares? Por que certas situações, atitudes ou mesmo discursos nos causam desconforto? Por que há profissões em que nos adaptamos melhor e outras não? Essas são algumas questões que me surgem quando me sinto só, muitas vezes, mesmo quando estou no meio de uma multidão.

Para buscar algum conforto diante da inquietude que sempre me surge, me remeti às sensações que tenho nessas ocasiões, mais precisamente, ao que me faz tê-las. Por exemplo, quando vou a uma danceteria e vejo aquele monte de corpos se chacoalhando, ora harmoniosa, ora desarmoniosamente, é como se o chiado de um rádio em dessintonia zumbisse no meio dos meus miolos. E a coisa piora quando vejo alguns desses se beijando sem, muitas vezes, mal se conversarem. Uma porque no meio da barulheira que há nesses lugares é impossível a permuta de palavras. E tudo isso não me entra no espírito. Pois eu juro - meu Deus! - eu juro, que já tentei fazer tudo isso para ver qual que é o barato. Não vi barato nenhum...

Outro exemplo é quando estou numa roda e os assuntos das conversas giram em torno de carros, bolsa de valores ou política. Esse tipo de situação acontece comigo freqüentemente em reuniões de confraternização entre os funcionários da empresa. Eu não consigo entender o que faz a turma gostar tanto de carro, principalmente daqueles carros que nunca poderão ter. O que entendo um pouco é a fixação pela discussão sobre investimentos em bolsas de valores ou outras formas de arrendamento de capital, afinal, o objetivo aí é ganhar grana. Apesar de eu não ser um leigo em economia, não é algo que é palatável ao meu estômago. Não me interesso por assuntos financeiros. E sobre política, apesar de eu me interessar (ao ponto de me fazer estudar Ciência Política), para mim é difícil discutir com a turma com que costumo lidar no cotidiano. Se escuta cada barbaridade! Principalmente daqueles que são seus chefes! Então, fico na minha moita e evito a polêmica, para evitar úlceras. Enfim, quando o assunto é algo que não me desperta o interesse ou quando os interlocutores não falam a mesma língua, o que fica no ar é a chiadeira do rádio tentando encontrar a sintonia da estação correta. Se os assuntos que despertam o seu interesse são poucos ou despertam o interesse de poucas pessoas, significa que você é mais sozinho do que outras pessoas que tenham um leque de assuntos prediletos mais variado. Ainda bem que eu gosto muito de futebol, senão, não teria muito o que conversar com essa galera, não é mesmo?

E quando se é obrigado a desempenhar uma tarefa que não se gosta? Ou quando se é obrigado a fazer algo que confronta seus princípios? Não dá um desconforto? E isso geralmente acontece no ambiente profissional, onde, por causa do grilhão que temos acorrentado ao estômago desde o nascimento, somos obrigados a fazer certas coisas que causam o mesmo desconforto da ingestão de um batráquio. Esse sentimento de desconforto é o mesmo do chiado do rádio quebrado que já não sintoniza mais estação nenhuma.

Isso tudo me sugere que cada um de nós sejamos como um rádio. Um rádio capaz de sintonizar algumas certas estações e em alguns determinados lugares. Estações e lugares que possuem a mesma freqüência que a nossa, que fazem sentido para nós. O que não faz sentido, o que não tem a mesma freqüência, causa ruído, chia. É o que faz o rádio ficar em dessintonia. E o tempo cujo o rádio fica em dessintonia, é o que dá a medida da solidão.

São Paulo, 29/07/2005

quarta-feira, julho 27, 2005

Ainda sobre a Liberdade

"Você precisa saber
O que passa aqui dentro
Eu vou falar pra você
Você vai entender
A força de um pensamento
Pra nunca mais esquecer"

Pensamento - Cidade Negra

"A livre expressão não significa apenas ter o direito de ser ouvido, mas ter também o direito de ouvir o que os outros têm para dizer."

Sobre a Democracia - Robert Dahl

Andei relendo o que escrevi sobre a liberdade dias atrás, notei que cometi uma confusão e também me esqueci de discorrer sobre outras duas formas de liberdade que considero muito importantes.

Vamos primeiro à confusão. Quando me meti a dizer que a consciência "por um lado, nos liberta da ignorância quando nos permite o esclarecimento, e por outro, nos prende, pois toma parte da nossa liberdade", eu acabei me contradizendo. A consciência, na verdade, não tolhe parte da nossa liberdade plena, quando nos impede de cometer certas atitudes - àquelas que cometemos quando "inconscientes". Pelo contrário, a consciência é condição fundamental para o exercício do livre-arbítrio, outra forma de liberdade que discorri no texto anterior. A consciência nos ajuda a decidir aquilo que queremos e, inclusive, aquilo que não queremos. A minha confusão sobre a consciência como limitadora da liberdade se dá porque se fôssemos seres irracionais, seríamos livres, de uma certa forma. Seríamos livres de muitas angústias e condições que a nossa espécie, racional, está sujeita. Por isso tenho para mim que a consciência é uma forma de prisão. A prisão de qualquer nascido como Homo sapiens...

E falando em consciência, me remeto a mente. E na mente, se manifesta o pensamento, que também é usado no exercício da consciência. O pensamento é a manifestação mais livre que conheço. Não há limites para o pensamento e é impossível censurá-lo. Você pode censurar um indivíduo de se expressar, você pode jogar um sujeito numa cela e tolher sua liberdade de ir e vir, mas você não consegue parar de pensar, muito menos de censurar algum pensamento. É por isso que eu sou muito desconfiado desse negócio de auto-ajuda. Dizem: "pense positivo"! Por que será? Por que será que é preciso esse tipo de mecanismo para se pensar positivo? Por que é preciso forçar para pensar em algumas coisas e não se pensar em outras, ditas negativas? Porque o pensamento é livre, meus caros! Livre! Tenham consciência disso. Podemos pensar coisas "positivas" quando quisermos, mas não podemos nunca não pensar coisas "negativas".

E para finalizar, por ora, quero tratar da liberdade de expressão. Tipo de liberdade, essa, passível de ser censurada, até nas democracias, até nos países ditos livres. Essa liberdade é uma das que mais prezo no mundo, pois a considero fundamental para o desenvolvimento de cada um de nós, como homens, como indivíduos ou como cidadãos. Na nossa civilização, essa foi uma das primeiras liberdades que se manifestaram, e foi amplamente difundida com o advento da imprensa e, da conseqüente, liberdade de imprensa. E nos tempos bicudos que vivemos atualmente, não podemos nos esquecer dessa tal liberdade (a de expressão). As notícias que lemos ou assistimos nos jornais nos fazem simplesmente perder a fé. Perder a fé na humanidade. Contudo, é quando perdemos algo que sentimos tanto o quanto esse algo era importante. Hoje em dia, apesar dos pesares, desfrutamos em nossa sociedade de certas liberdades, como a liberdade de expressão. Podemos expressar nossas opiniões livremente porque vivemos em um país democrático. E sempre fico muito preocupado quando, sob o pretexto de justificar todos os delitos que tomamos conhecimento no mundo político, culpam a democracia, e chegam logo a receitar o remédio pior que a doença - a ruína da democracia.

Contudo, a relação entre democracia, liberdade e os problemas que enfrentamos no exercício destas artes são assuntos para outro dia. Então, acabo aqui.
São Paulo, 27/07/2005

terça-feira, julho 19, 2005

Dia de São Valentim

Aquilo que um ser humano sente, caracterizado pelo intenso desejo de estar, de tocar, de querer o bem a um outro, que é usualmente denominado amor, era o sentimento que o rapaz nutria a uma garota no tempo em que ainda era menino.

Eles se conheceram ainda nos tempos do colégio. Viam-se todos os dias, pois estudavam na mesma classe. Sentavam em carteiras próximas. Uma seguida da outra, mais precisamente. Discutiam sobre diversos assuntos, ou melhor, sobre qualquer assunto. Filosofia, artes, ciência, cultura, política, religião, psicologia. Até sobre futebol discutiam. Suas opiniões se convergiam com pouca freqüência, mas se respeitavam muito. Admiravam-se pelas diversidades que manifestavam. Contudo, ambos, ao jeito de cada um, amavam a Humanidade.

Ela era um anjo, nunca a viam de mal com ninguém. Ele, pessoa sociável e muito agradável, mas genioso às vezes. Ele era um idealista, acreditava que poderia fazer revoluções. Ela, também uma idealista, não acreditava porém fazia revoluções sem que se percebesse. Ela era linda, pele cheirosa, corpo esbelto, olhos ternos, risonha. Ele, um bruto, com medidas disformes, nariz grande, baixa estatura, pernas curtas e grossas, braços finos, senso de humor ácido, não perdoava nem a si mesmo com suas ironias, apenas o olhar magnético. Ele, como dito, ainda era menino. Ela se já fosse ou não mulher, não importava muito para ele.

Percebeu-se fulminantemente apaixonado pela garota. Talvez pelas suas qualidades, talvez pela convivência, ou talvez pelos dois. Fortuitamente, esse sentimento teve uma correspondência. Num certo dia vermelho de outubro, beijaram-se. Fora o dia mais sublime vivido pelo rapaz. Seu espírito enlevara-se, seu peito transbordara alegria, sentira-se nas alturas. Porém, dois dias depois, o rapaz tombou. Um estalo deu na garota e ela não o quis mais. Disse que não queria compromisso, que tinha outras intenções para sua vida. Ele ficou muito atordoado e atônito. Tentou resistir. Insistiu para que ela não o deixasse. Prometeu-lhe amor, fidelidade, segurança. Em vão. Entendeu que ela não queria o que ele tinha para dar. Resignou-se. Não sem muito chorar.

Algum tempo passou. Os caminhos de cada um foram se delineando. O colégio acabou e começaram a se preparar para ingressar numa faculdade. Passaram a se ver muito raramente, mas mantiveram contato. Trocavam telefonemas e algumas vezes se encontravam quando a turma do colégio programava algum passeio nos fins de semana. O assunto predominante naquela época eram as agruras do período pré-vestibular. A pretexto de aliviar um pouco essas tensões, o rapaz convidou a garota para uma visita a uma feira de artes. Era véspera de prova e qualquer coisa valia a pena ser tentada para distrair as mentes quando os momentos cruciais do vestibular estavam próximos. Ela aceitou o convite e por um dia inteiro ficaram a mirar quadros, estátuas e outras peças artísticas. Papearam também. Diversos assuntos, com exceção, é claro, de vestibular. Mas houve um assunto que, embora quisesse abordar, evitou. Eles. O sentimento que ainda mantinha por ela. Julgou que seria repelido novamente e nada falou sobre isso. Porém, houve um instante, dois ou três segundos, quando estavam já no ônibus de volta que, ao chamá-la para falar de um assunto qualquer, leu em seu semblante uma brecha, uma possível receptividade às palavras que sacudiam em sua garganta. Engasgou. Nada conseguiu dizer. Disfarçou e falou outra coisa. Mais tarde, em sua cama, praguejou contra sua covardia e se arrependeu para o resto de sua vida pela oportunidade perdida...

Certo dia, após as provas, conversavam ao telefone e a garota confessou ao rapaz que estava indecisa quanto à carreira que queria seguir. Tinha dúvidas entre a Psicologia e o Teatro, dois cursos que ela havia sido aprovada. Uma dúvida entre uma carreira rentável e outra prazerosa. "Você vai ser atriz!", disse o rapaz. Ele estava certo. Ela se matriculou na faculdade de Artes Cênicas, enquanto ele foi ser jornalista. Ele conhecia bem seu espírito, sabia que sua vida se realizaria nos palcos. Ficou muito feliz pela escolha da garota. Mesmo sabendo que com isso ela se mudaria para outra cidade, o que sepultaria suas esperanças de tê-la novamente algum dia.

Poucos dias antes das aulas universitárias começarem, na época de Carnaval, o rapaz conheceu uma outra mulher. Com ela transou. O menino tornou-se homem. Apesar de ter se sentido em êxtase, de ter apreciado todas as descobertas que acabava de fazer, ele ainda pensava na garota. Era com ela que queria conhecer todas as facetas do amor. Inusitadamente, nesse mesmo dia, ela viajava a Salvador, onde iria desfrutar o feriado. Estava num carro com mais quatro amigos. A poucos quilômetros do destino, o carro perdeu o controle e deu de encontro com as rochas. Deus arrebatou seu anjo e seus infelizes acompanhantes. O então homem chorou novamente, como um menino. Se aquele vermelho dia de primavera fora o mais mágico em sua vida, esse cinza dia de verão foi o mais trágico. Até então, nunca havia perdido alguém tão próximo, alguém que amava. Justo no dia em que conhecia um novo jeito de amar, perdia o amor. O seu amor. Novamente. E em definitivo.

O dia era 14 de fevereiro. Dia Internacional do Amor. Dia de São Valentim.

Escrito em 14/02/2005

domingo, julho 17, 2005

"O amor bate na aorta"

"João amava Teresa que amava Raimundo
que amava Maria que amava Joaquim que amava Lili
que não amava ninguém.
João foi para os Estados Unidos, Teresa para o convento,
Raimundo morreu de desastre, Maria ficou para tia,
Joaquim suicidou-se e Lili casou com J. Pinto Fernandes
que não tinha entrado na história."

Quadrilha - Carlos Drummond de Andrade

Hoje lembrei desse poema. Um stand off. Alguém aqui já jogou aquele jogo, jogado por e-mail, Diplo? É um jogo de estratégia onde cada jogador é uma potência pré-Primeira Guerra Mundial. O cenário do jogo é a Europa dessa época. Então os jogadores têm suas tropas para movimentar pelo cenário, e há um movimento em específico que acontece quando um exército em A quer ir para o território B, o exército em B quer ir para C e o de C quer ir para o de A. Nessa situação ninguém vai para lugar nenhum. É o stand off. Acho que sou a Maria.

Fui para casa conversar com meu amigo Carlos. E olha o que ele me disse: "sossegue, o amor é isso que você está vendo: hoje beija, amanhã não beija, depois de amanhã é domingo e segunda-feira ninguém sabe o que será." E continuou: "O amor no escuro, não, no claro, é sempre triste, meu filho, mas não diga nada a ninguém, ninguém sabe nem saberá." Como se vê, o meu amigo sabe muito - apesar de dizer que não sabe nada - mas, por outro lado, não te ajuda também.

Então, de Passport e vinho de garrafa de plástico, fui conversar com meus amigos Kurt e Humberto. Disse ao Kurt: "Preciso de um amigo agradável, com um ouvido para me dar!". Kurt me disse: "Eu sou o pior no que faço de melhor e para esse dom me sinto abençoado!". E Kurt começou a discursar e fiquei a escutá-lo por dezenas de minutos...

O Humberto ficou ali escutando-o também. Quieto. Ele nunca me diz nada, o que ele só diz é: "ouça o que eu digo: não ouça ninguém!". E o pior é que eu não ouço. Não sei dizer se seria melhor ouvir alguém mas, até hoje, eu mesmo tentei traçar as rotas que fiz, por mais que parecessem idiotas. Algumas vezes cheguei atrasado, outras vezes andei apressado. É que eu nunca soube que horas eram, nunca soube até que horas os relógios funcionariam. Talvez por isso o andar sem direção.

"Me passa o Passport!". Finalmente o Humberto me disse algo. "Ontem à noite", e continuou ele, "eu conheci uma guria. Já era tarde, era quase dia. Era o princípio de um precipício. Era o meu corpo que caia. Ontem à noite, a noite estava fria. Tudo queimava, mas nada aquecia. Ela apareceu, parecia tão sozinha. Parecia que era minha aquela solidão...". Houve um breve silêncio. Então Kurt passou a discursar novamente. Foram outras dezenas de minutos.

Como já era tarde, meus amigos precisaram ir. Não fiquei só, pois já estava só. Aquela solidão também parecia minha. A Maria ficou para tia, mas eu continuei como o exército que faz o stand off, porém "um exército de um homem só. Sem bandeira e sem fronteiras para defender, no difícil exercício de viver em paz."

"Essa ferida, meu bem, às vezes não sara nunca, às vezes sara amanhã". Era o Carlos. Havia esquecido seus óculos. E foi novamente.

Não dá para esquecer. Amanhã ela faria vinte e cinco.

sexta-feira, julho 15, 2005

"Sobre a Liberdade"

"O que é a Liberdade? Deve-se ter sempre em mente o que é independência e o que é liberdade. A liberdade é o direito de fazer tudo o que as leis permitem; se um cidadão pudesse fazer tudo o que elas proíbem, não teria mais liberdade, porque os outros também teriam tal poder."

Do Espírito das Leis - Montesquieu

Parafraseio John Stuart Mill no título deste texto porque também tenho a pretensão de discorrer sobre a liberdade, assim como bem fez o referido inglês na obra filosófica de mesmo nome. Entretanto, o conceito de liberdade a que disponho tratar aqui não tem nada de filosofia. Se tiver alguma, é daquelas bem baratas, de botequim de esquina. O caso é que se trata daquilo que entendo hoje por liberdade, baseado na minha experiência de vida.

Apenas para ilustrar o que digo, irei pincelar um pouco sobre a obra de Mill. Em "Sobre a Liberdade", o autor discorre sobre a "liberdade civil", ou seja, sobre "a natureza e os limites do poder que a sociedade legitimamente exerça sobre o indivíduo". Isso porque o objetivo dele era "orientar de forma absoluta as intervenções da sociedade no individual". Para tal, ele estabeleceu um princípio: "a única finalidade justificativa da interferência dos homens, individual e coletivamente, na liberdade de ação de outrem, é a autoproteção". Contudo, como bem frisei anteriormente, do que falarei não tem nada a ver com isso. Irei começar, para que melhor se entenda.

Entendo a liberdade de diversas maneiras. Entendo que haja uma liberdade plena ou, diria melhor, utópica, que seria aquilo de poder fazer tudo o que se quer e de poder não fazer tudo aquilo que não se quer. Só para ilustrar mais essa minha noção de liberdade, posso citar outro filósofo vivido no século 17 que considerava que os homens eram livres por natureza. Thomas Hobbes, inglês filósofo de que trato, disse em sua obra "Leviatã" (aliás, um nome bastante sugestivo e, diria mais, bonito) que essa noção de liberdade que apresentei era o que ele considerava como a forma da liberdade dos homens em seu "estado de natureza". Porém, numa situação onde todos podem tudo, o homem, ser mau por natureza, tornaria seu próprio lobo, e assim a vida seria impossível, pois a vida de todos estaria em risco permanentemente. Daí, os homens transfeririam sua liberdade a um soberano, o Estado, e assim, passariam do estado de natureza para o "estado civil" - onde a vida em sociedade é possível, pois ela seria preservada pelo Estado (o Leviatã). Pois bem, apesar do que disse até agora já ter sido dito antes, não tenho a intenção de construir modelos sobre a gênese do Estado, como era a de Hobbes. Quero dizer apenas que considero a liberdade plena irrealizável, pois ela levaria fatalmente ao fim de quem a possui. A não ser que se queira viver isolado, aí sim, uma tal liberdade tem condições de se realizar. Aliás, essa é uma relação que depreendi da minha experiência de vida: liberdade e solidão estão intimamente ligados. À medida que se queira se compartilhar com os outros, mais da sua liberdade deve ser cedida. Todos têm desejos, porém, freqüentemente a realização de um desejo implica no impedimento da realização do desejo de outro, e esse dilema é constante na vida em grupo. Tomemos um relacionamento amoroso, por exemplo. Um quer assistir um filme, a outra quer sair para dançar. Eis o dilema! Para que o "estado de natureza" não se estabeleça, alguma concessão terá que ocorrer. É algo óbvio, concordo, talvez trivial, mas é nu e cru: se quiser não ficar só, conforme-se em perder parte da sua liberdade.

Essa é uma das visões que tenho da liberdade. Há uma outra que está relacionada ao livre-arbítrio, que é aquilo que Deus nos facultou quando nos arremessou para dentro desse caos que é a vida, ou que é a "faculdade do homem de determinar-se a si mesmo", como se diria em Filosofia. Com o livre-arbítrio os homens passaram a tomar decisões, e tomar uma decisão implica, necessariamente, em fazer uma escolha. Quando se tem a possibilidade de poder escolher algo dentre outras, pode-se dizer que se tem a liberdade de decidir o que é melhor para si. Claro que esse "melhor" é algo relativo, pois pode-se muito bem se escolher o "pior". Contudo, eu diria que essa noção de liberdade é a que realmente se pode realizar, uma vez que é impossível poder fazer tudo o que se quer, como já exposto antes. Nem tudo que se quer é possível de fazer, mas parte desse tudo é possível, assim como há aquilo que não queremos fazer mas podemos optar por não fazê-lo, com algumas exceções, é claro, se não seria a liberdade plena, e essa, é claramente limitada. Novamente uma ilustração sobre isso, dessa vez mais prática do que teórica. Uma certa vez conheci uma garota numa festa e nos beijamos nesse dia. Mantive contato com ela, conforme os dias passavam, e tive outras oportunidades de encontrá-la. Dei-me por apaixonado por ela, então, decidi - e friso esse "decidi" - abrir meu coração. Escrevi cartas de amor, fiz declarações ao telefone, etc. Contudo, havia um grande problema. Como disse, tive oportunidades de encontrá-la que, porém, eram poucas. Nós morávamos em cidades distintas e distantes, e por esse motivo ela, apesar de confessar que também nutria um sentimento por mim, refutou minhas intenções de aprofundar a nossa relação. Notem bem, eu quis uma coisa e tomei uma decisão para conseguir essa coisa, tudo isso porque sou livre, entretanto, por a garota ser igualmente livre, ela decidiu não ter essa coisa, por não a desejar. A forma com que exponho isso pode ser muito formal, admito, mas vivi essa experiência intensamente. Senti todas as emoções dos desdobramentos que tiveram essa minha infeliz relação amorosa. Não me arrependo de nada, pois foi uma experiência edificante. Por isso não se impressionem com a maneira descalorada com que relato isso.

Agora reflitam sobre esse verso da música "Guardas da Fronteira" de Humberto Gessinger. "Acontece que eu não tenho escolha, por isso mesmo é que sou livre". Uma antítese? Uma contradição? Um paradoxo? Como afirmar que se é livre, após todo esse discurso sobre liberdade, quando não se tem escolha, quando só há uma coisa a se fazer? Para mim, Gessinger não está errado. Esse verso é para nos lembrar que tomar decisões implica também em criar a dúvida sobre aquilo que não foi decidido. Como saber se aquilo que não foi escolhido poderia ser melhor do que aquilo que foi? É impossível, pois a liberdade plena não existe! Uma escolha implica em conseqüências que não podem ser desfeitas ou ignoradas, logo, não é possível se remeter à situação anterior à tomada de decisão e tentar a outra alternativa. Por isso mesmo que quando não se tem escolha se está livre. Livre da dúvida. Tem-se, aqui, mais uma perspectiva distinta sobre o que é ser livre.

Vejamos agora a coisa por um viés totalmente oposto. Quando não se é livre podemos dizer que somos presos. Um sujeito quando é punido por um crime tem a sua liberdade privada e a situação que passa a estar é a de "preso". Não seria a consciência uma forma explícita de limitante da nossa liberdade? Oras, quando estamos conscientizados de uma situação ou de alguma coisa, muitas vezes deixamos de tomar certas decisões. É a consciência que nos impede de certos atos. É quando inconscientes que beiramos o "estado de natureza". Quantas vezes, deixados se tomar pela raiva, agredimos outras pessoas. A consciência, por um lado, nos liberta da ignorância quando nos permite o esclarecimento, e por outro, nos prende, pois toma parte da nossa liberdade.

Por fim, gostaria de discorrer sobre um outro tipo de relação a que a liberdade está submetida, e que já foi implicitamente citada anteriormente. Trato da relação entre liberdade e poder. À medida que podemos fazer mais coisas, também podemos deixar de fazê-las, logo, somos mais livres. E eu concluiria: poder é a chave da liberdade. Pela forma como nossa civilização tem se desenvolvido, há dois fatores que contribuem para o acréscimo do poder de alguém: dinheiro e informação. Dinheiro, porque com dinheiro pode-se comprar aquilo que se quer. Com dinheiro eu posso aquilo que eu quero, eu posso aquilo que eu não quero também. Antigamente, para influenciar as pessoas era preciso ter posses, riquezas e uma espada bem afiada. Atualmente, onde tudo é nivelado pelo valor monetário, não se é preciso tanta coisa para ser poderoso. Ter dinheiro é meio caminho andado, para exercer influência sobre os demais. E informação, porque com informação pode-se tomar decisões com mais segurança. Tente sair de casa para ir trabalhar sem saber a previsão do tempo do dia, por exemplo. Se você mora em São Paulo, é possível até que não volte para casa, haja visto às enxurradas que costumam acontecer nessa metrópole, mas na maioria das vezes pode-se voltar molhado ou resfriado. De manhã o tempo está ameno, mas no fim da tarde a temperatura cai, e se você não tem a devida informação, talvez saia de casa sem agasalho ou guarda-chuva e aí já viu né? A verdade é que esse exemplo climático que apresento é bem banal, mas acho que serve bem para ilustrar que é muito melhor decidir por alguma coisa munido de informações do que sem saber nada de nada.

Bom, eis aí o que entendo sobre "essa tal liberdade" (como já cantaram alguns pagodeiros). Não é algo definitivo, pois enquanto estiver vivo, estarei aprendendo novas coisas e revendo meus conceitos. Mas me deu a vontade de discursar sobre a liberdade agora, e confesso que isso é algo que tenho como valor em minha vida. Muitas vezes já me imaginei vivendo os tempos da ditadura ou vivendo em qualquer país onde não se possa se expressar livremente. Temo que talvez não vivesse por muito tempo.

São Paulo, 04/07/2005