terça-feira, junho 06, 2006

O outro

Entrou no buraco. Estava escuro.

- Ei, estou te vendo! Sai daí!

O menino chorava. Ele tinha medo de sair do buraco.

- Ei, a infância já passou! Já é hora de enfrentar os medos, se livrar dos pesos e viver! Vem!

O mundo é muito grande, os homens são todos grandões. O menino era pequeno, ele se via muito pequeno.

- Já és homem! Não vês? És forte, saudável, bonito! És inteligente! És bom! És grande!

- É mentira! Não sou! Aí fora é perigoso, eu só me machuco! Aí fora eles me pegam! Eles são fortes, são bons, são grandes! Eles são invencíveis! E eu não posso com eles!

E o menino continuou o choro compulsivo. Repulsivo. Rangeu os dentes.

- És tu! Tu! Tu que te vês assim: fraco, feio, pequeno, vil! Não percebes? És tu! Eles têm medo de ti! Porque és igual a eles e porque também és diferente! Eles não suportam essa diferença, não suportam que a ordem seja subvertida! E há outros que te admiram também, é tu que não vês!

Enterneceu.

- Vem, meu filho! Eu sou teu pai agora. Estou contigo, sempre estive. Espero ansiosamente por este momento. Vem, sai daí! Já é hora de viver!

O menino engoliu o choro e se levantou. Ele saiu do buraco e se viu de igual para igual ao outro que lhe falava. Ele viu que era o outro.

Nenhum comentário: