terça-feira, outubro 03, 2006

Apologia da corrupção

Os vírus existem, é fato, e causam o mal. Mas os vírus também propiciam a evolução, o que é um bem. Como? Bem, Biologia não é meu ramo, uma vez que sou tecnólogo de informática, por isso falarei sobre o mundo dos zeros e uns, os bits. Contudo, não acharei nada inverossímil se algum biólogo confirmar minha hipótese. Então, vamos à informática.

Os vírus de computador, essas pragas virtuais, são, essencialmente, programas de computador desenvolvidos com a finalidade de causar algum mal. Diferentemente dos vírus biológicos, os vírus eletrônicos são exclusivamente criados pelo homem, não são dados pela natureza. No entanto, apesar do mal que causam, os vírus expõem as fragilidades dos sistemas computacionais, permitindo que os projetistas percebam suas falhas e as corrijam. Portanto, permitindo que os sistemas evoluam. Oras, como qualquer empresa humana, os sistemas de informática têm falhas - aliás, dá para generalizar que qualquer sistema falha; por exemplo: o nosso sistema digestório pode apresentar falhas, como um refluxo, e o alimento não ser digerido a contento - contudo, e por ora, vamos ficar apenas no contexto da informática. Voltando, os sistemas têm falhas; umas são visíveis a olho nu, digo, podem ser notadas logo que o sistema esteja funcionando; outras, para serem expostas, necessitam de um aprofundamento na execução do sistema, necessitam de um vírus para corromper seu funcionamento.

Corromper. Corrupção. Eis o substantivo derivado deste verbo tão em voga ultimamente. Ponte para as ciências políticas: não seriam os agentes de corrupção da política os vírus deste sistema? Não serviriam eles para expor suas falhas e para permitir que nós as percebêssemos e as corrigíssemos? Como qualquer empresa humana, os sistemas políticos não são perfeitos. Porém, a democracia é melhor o sistema para a correção de suas falhas. Alguém lembra de algum escândalo de corrupção na ditadura militar? Como, se a imprensa não tinha a liberdade para apurar os desmandos do governo, se era censurada? Quando veio a redemocratização, perceberam que as entranhas estavam todas corroídas, todas corrompidas pelos vírus que nunca foram deflagrados. O penar que passamos hoje, com a nossa política contemporânea, vem do tempo perdido na apuração e na evolução de nosso sistema político. Somos democracia novamente há poucos vinte anos. Não é pouco? Lembremo-nos que os Estados Unidos são democracia há mais de duzentos anos, e ainda há falhas em seu sistema. Que falhas? O que se dizer do fato que o Bush levou uma eleição sem ter a maioria dos votos absolutos? Como refresco de memória, não se esqueçam de que nos Estados Unidos as eleições para presidente são indiretas. É um colégio eleitoral, eleito pelos representantes de cada unidade federativa, quem elege o presidente. Isso não seria uma falha? É discutível, mas pode ser uma falha, sim.

Voltando a nossa vaca fria. Eu penso que os escândalos de corrupção que estamos presenciando fazem parte do nosso processo de amadurecimento do sistema político. Está nítido que há muitas falhas, os escândalos, ou os vírus, estão as expondo. A imprensa, hoje com liberdade, está fazendo sua parte, está denunciando. E o governo também, pois não está impedindo que nada seja apurado. Afinal, o mensalão, o mensalinho, os sanguessugas e demais casos, estão sendo apurados. Diferentemente - e aqui que o buraco começa a ficar mais embaixo - de anteriormente, quando nada era esclarecido. E nada era esclarecido, e aqui vai a minha pitada neste tempero, porque a imprensa também não estava funcionando direito. A imprensa era leniente com o governo anterior (ou anteriores), e agora, que lhe é conveniente, está atuando pesadamente na depuração dos casos de corrupção deste governo. Pesadamente, porém, mui enviesadamente, porque até agora não vejo força em querer saber o que há no dossiê do dossiêgate, só em querer saber de onde veio o dinheiro! Um fato isolado, mas que expõe o tendencionismo da grande mídia. Ela tem um preferido, mas ela não deveria ter - eis uma outra falha do nosso sistema. E é por causa dessa sanha, aliás, um revival, pois nossa mídia sempre fora muito assanhada, que os últimos escândalos pintam ser maiores do que os anteriores, o que é falso. São maiores porque estão realçados, mas são do mesmo tamanho que de todos os outros.

Mas tudo bem, já fiz o meu rap, agora quero remeter ao título deste artigo. "Apologia da corrupção" é para provocar, sim. A corrupção é necessária pois sua depuração é necessária, mas uma depuração irrestrita. Depuração que está ocorrendo, mas que não acontecerá com a cachorrada de botar de volta os mesmo que mandaram e desmandaram desde que o primeiro português pisou por aqui. Se estou falando grego demais, basta então fazer um exame de DNA nos partidos políticos e procurar pelo gene ARENA.

E para finalizar poeticamente, quero aludir ao caráter subversivo dos vírus. Aliás, vírus subversivo é um puta pleonasmo, pois vírus que é vírus almeja a subversão do sistema; e sem eles, não há evolução. E parodiando o poeta (já que falei em português): Viver não é preciso. Mas subverter é, e muito preciso.

Um comentário:

Fischer disse...

Eu reparo nos seus textos antigos!
Bem, achei este um post interessante. Traz uma idéia nova e é bem escrito. (Como há tempos não faço...)

Acho que o que disseste faz sentido, em geral, e a princípio, e talvez não mais do que isso! Só que muitas coisas não podem ser apuradas com vantajosas ou desvantajosas. Se você dá uma ajuda a alguém, talvez a mesma coisa (com algo que possa ser comparado a uma série infinita convergente) ocorra em prejuízo da capacidade de obter uma "vantagem" por si mesmo (do ponto de vista de quem recebe).
(Isso mais ou menos afirma que as coisas são indecidíveis quanto a serem boas ou não.)