quarta-feira, novembro 30, 2005

Erradical

Um dia desses, numa aula na faculdade, o professor palestrava sobre as circunstâncias que culminaram no Golpe de 64 e no recrudescimento da ditadura perpetrada pelos militares.

Em linhas gerais, a coisa se deu da seguinte forma. Inicialmente, os golpistas eram civis. O Presidente Jango e seu partido, o PTB, queriam implementar a Reforma Agrária à sua e de qualquer maneira. O PSD, partido de centrão e o maior do país, e a UDN, partido dos liberais - e dos conservadores também - aceitavam negociar. Não concordavam muito com a maneira dos petebistas, mas se propuseram a conversar sobre alguns pontos, pois julgavam importante a questão agrária para o desenvolvimento do país. Aliás, até hoje essa é uma questão importante, e ainda não resolvida a contento. Contudo, o Presidente não quis conversa. Havia levado vantagem em contendas anteriores contra a oposição, como quando persuadiu alguns golpistas que tentaram impedir que assumisse após a renúncia de Jânio e quando restaurou o Presidencialismo, após a instituição do Parlamentarismo, que tinha sido sugerida pelos oposicionistas como meio-termo ao golpe, mas na verdade era um subterfúgio para amarrar suas mãos e limitar seu poder. No popular, Jango e seus aliados estavam com o salto bem alto.

Mas com a reforma agrária a coisa era mais em baixo. Ainda hoje envolve questões e interesses referentes a muita gente poderosa. A manutenção do jogo institucional não seria imprescindível, poderia ser sacrificada pela manutenção do status quo. Nomes como Juscelino Kubistchek (PSD) e Carlos Lacerda (UDN) apoiaram o golpe. Antes que Jango apelasse, eles apelaram e chamaram o síndico. Os militares, seus amigos. E em 31 de março de 1964, deu no que deu.

Contudo, a idéia era apenas alijar Jango do poder e essa sua idéia de reforma agrária. Os militares ficariam no poder apenas até o fim do mandato previsto a Jango. Em 1966, um novo presidente eleito popularmente deveria ser empossado. Entretanto...

O que acontecia era que o Exército era fracionado. Havia os liberais (na acepção que esse termo tange a quem é militar, lógico), também conhecidos como a turma da Sorbonne, ou o grupo do Castello Branco, que encabeçou o golpe. Mas havia também os nacionalistas, os comunistas, os anticomunistas, os linha duras, e as diversas combinações desses anteriores. O que não havia era comunista e anticomunista de mãos dadas. Deu que a turma da Linha Dura ganhou força e também impôs a sua agenda para o país, a segurança nacional. Para isso, era preciso eliminar o comunismo. Tanto fizeram que conseguiram limpar o Exército e o Congresso da corja que o ameaçavam. Militares foram afastados e políticos foram cassados ou exilados. Radicalizaram o movimento.

Daí, tem-se um questionamento: a ditadura poderia ter sido abreviada? Nunca a intenção foi os militares se perpetuarem no poder. O poder seria devolvido aos civis em 66. Porém, houve a radicalização da Linha Dura. Àquela altura, se os militares deixassem o poder, aqueles que sofreram com os desmandos ditatoriais vingariam-se. A radicalização era um caminho sem volta para o recrudescimento da ditadura militar.

Antes de assistir a essa aula, eu já tinha para mim isso. Que o radicalismo é um caminho sem volta. Há aqueles que dizem "eu sou radical, comigo é oito ou oitenta". Oras, radicalismo não é genético, é uma opção que se faz e que acarreta sérias conseqüências. Uma certa vez, me envolvi numa situação em que precisei ser radical. Conclui que oito era oito, fechei com isso e fui até o fim. Mesmo que me arrependesse no futuro, oito não deixaria de ser oito. E não me arrependi, pois tinha ciência disso quando tomei minha "oitava" decisão. Oito era oito pois eu não me arrependeria de achar isso.

Entretanto, percebo que essa forma de pensar não é tão disseminada assim. Freqüentemente me deparo com pessoas que se dizem radicais, adotam posturas radicais, mas futuramente dão o braço a torcer, e acabam sofrendo severas conseqüências. Voltar atrás numa decisão radical sempre acarreta em perda de credibilidade, quando não do pescoço, como no caso da Linha Dura militar. E comigo, essas pessoas só perdem mesmo. Se um dia dizem que "oito é oito", oito será oito e pronto! Não adianta vir depois e dizer, "não, agora é oitenta" ou "vamos chegar nos quarenta e quatro?". Após a opção pelo radicalismo, não há meio-termo. Depois de oito ou oitenta, não há mais qualquer número.

Por isso compreendi a postura dos militares. Com mal-estar no estômago e horror no coração, entendi que não havia outra alternativa aos militares naquela época. A Política tem sua moral e sua dinâmica. E tenho aprendido isso na teoria e na prática.

Para mim, foi duro perceber que, desse ponto de vista, penso politicamente parecido com os militares linha dura do pós-64.

Escrito em 29/11/2005

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