Hoje acordei às 5h20. Me levantei e fui tomar banho. Às 5h50 já estava na rua, rumo ao sagrado dia de serviço.
No meio do trajeto, ouço o noticiário vindo pelas ondas de rádio:
- No início da manhã, uma carreta derrubou cilindros de gás inflamável na Marginal Pinheiros. Dois cilindros vazaram e a CET interditou as duas pistas, no sentido Castelo Branco.
Eu estava a caminho da Marginal Pinheiros, sentido Castelo Branco.
Acompanhei o noticiário. Dizia que se levaria pelo menos umas três horas para liberar o local. Os motoristas deveriam evitar a região interditada. Enquanto eu parava no trânsito da Avenida Bandeirantes, que já havia se formado em decorrência do bloqueio na Marginal, pensava no que eu poderia fazer para chegar o mais rápido possível ao meu local de destino.
Entro no trabalho às 7h30. Tenho que acordar muito cedo para chegar lá nesse horário. O trânsito da cidade é crônico, aliado à distância que tenho que percorrer, faz com que a falta de pontualidade seja um dos meus piores defeitos profissionais. Já cansei de escutar meu chefe reclamar dos meus atrasos.
Devido a um brutal esforço, e a uma ajuda que sou eternamente grato, e que não convém descrever aqui e agora, tenho conseguido me levantar religiosamente às 5h20, para sair às 5h50 e chegar no trabalho às 6h40. Eu descobri que chegar às 7h30 em ponto é tarefa para um semideus, pois além de acordar cedo, é preciso prever variantes de clima, acidentes de automóveis e outros problemas que influenciam na parca fluidez do trânsito paulistano. Logo, o negócio é chegar bem antes. Pois o trânsito é menor e menos estressante. Além disso, posso cochilar no carro no estacionamento até dar a hora da entrada.
Pois bem, enquanto eu pensava e descobria que nada eu poderia fazer para encurtar o tempo de chegada no trabalho, lutava contra o sono. Havia acordado bem cedo e por essas tantas, era por volta de 6h30. O horário do meu cochilo estava se aproximando.
Após mais ou menos uma hora e meia de pensamentos vãos e de intensa luta contra o sono, escuto, vindo da janela do meu carro:
- Seu filhodaputa!
Tomei um susto, olhei para o lado. Repetiu: "Filhodaputa!".
Era um motoqueiro. Eu estava parado, o que fiz foi andar para a frente, em linha reta. E eu estava na pista, a mais à esquerda da avenida. Oras, por que fui xingado? Só se ele se assustou com o meu movimento. Mas, porra!, um movimento para frente?
Oras, eu sei o quanto é perigoso a vida desses motoqueiros. Tanto sei que sempre dou a seta quando mudo de faixa, e tomo o maior cuidado, olho e reolho no retrovisor se vem algum motoqueiro desvairado. Eu sei que, por mais que eles não tenham razão em andar nas entrepistas como andam, eles são a parte mais fraca nesse embate cotidiano pelo espaço do trânsito entre automóveis e motocicletas. Mas por que fui xingado? Por quê?
Uma raiva me tomou. Me senti injustiçado. Eu que tanto prezo pela segurança desses motoqueiros fui prejulgado por um movimento totalmente legal, e fui condenado a ser um filhodaputa! A raiva me tomou de tal forma que cogitei descer do carro e tomar satisfações. Mas parei novamente atrás de um carro e o motoqueiro se foi pela entrepista:
- Que morra! Que morra! Eu quero que esse filhodaputa morra!
Me descontrolei. Quando me dei conta, me arrependi. Só uma vez na vida desejei a morte de uma pessoa antes, um desafeto da adolescência, um outro filhodaputa. Que me arrependi também.
Porém, o estado de descontrole me trouxe algumas ponderações. Eu sou justo no trânsito, e benevolente. Tenho compaixão pelos desvairados e ilegais motoqueiros que transitam pelas entrepistas. Mas mesmo assim sou injustiçado por um deles. Compensa ser justo?
Recentemente fui injustiçado outras duas vezes. Como são assuntos delicados e particulares, não irei descrever aqui. Mas minha reação foi idêntica. Revolta. Numa dessas ocasiões eu dizia a quem me injustiçava, "sou franco e justo e o que ganho?".
Acalmem-se, é só um desabafo. Eu não irei mudar meu comportamento e agir como os injustos que critico. Eu não me corromperei - foi o que disse a mim mesmo também.
Contudo, se por acaso algum motoqueiro ler esse texto e não gostar do que escrevi - principalmente porque eu me refiro a "motoqueiros" e não a "motociclistas", como reivindicam alguns dessa classe de trabalhadores - pois bem, que diferença isso faz, eu não vejo mal nenhum em me referir a motoqueiros ou motociclistas. Eu acho a palavra "motoqueiro" mais expressiva.
E se algum desses motoqueiros-leitores já tiver xingado algum motorista injustamente. Ah, a esses eu digo:
- Filhodaputa é você!
2 comentários:
Injustiça é foda. E vamos combinar, os motoqueiros normalmente são filhosdaputa. Deu sorte que não chutou seu carro, ainda por cima.
beijo
Muito engracado....
Aqui no Jpao nao existe este tipo de coisa, tudo é muito organizado.
Acho graca num subversivo que nem voce, se rebelar contra um filho da puta de um motoqueiro....rsss
É phoda....
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