sexta-feira, junho 23, 2006

Filhodaputa é você!

Hoje acordei às 5h20. Me levantei e fui tomar banho. Às 5h50 já estava na rua, rumo ao sagrado dia de serviço.

No meio do trajeto, ouço o noticiário vindo pelas ondas de rádio:

- No início da manhã, uma carreta derrubou cilindros de gás inflamável na Marginal Pinheiros. Dois cilindros vazaram e a CET interditou as duas pistas, no sentido Castelo Branco.

Eu estava a caminho da Marginal Pinheiros, sentido Castelo Branco.

Acompanhei o noticiário. Dizia que se levaria pelo menos umas três horas para liberar o local. Os motoristas deveriam evitar a região interditada. Enquanto eu parava no trânsito da Avenida Bandeirantes, que já havia se formado em decorrência do bloqueio na Marginal, pensava no que eu poderia fazer para chegar o mais rápido possível ao meu local de destino.

Entro no trabalho às 7h30. Tenho que acordar muito cedo para chegar lá nesse horário. O trânsito da cidade é crônico, aliado à distância que tenho que percorrer, faz com que a falta de pontualidade seja um dos meus piores defeitos profissionais. Já cansei de escutar meu chefe reclamar dos meus atrasos.

Devido a um brutal esforço, e a uma ajuda que sou eternamente grato, e que não convém descrever aqui e agora, tenho conseguido me levantar religiosamente às 5h20, para sair às 5h50 e chegar no trabalho às 6h40. Eu descobri que chegar às 7h30 em ponto é tarefa para um semideus, pois além de acordar cedo, é preciso prever variantes de clima, acidentes de automóveis e outros problemas que influenciam na parca fluidez do trânsito paulistano. Logo, o negócio é chegar bem antes. Pois o trânsito é menor e menos estressante. Além disso, posso cochilar no carro no estacionamento até dar a hora da entrada.

Pois bem, enquanto eu pensava e descobria que nada eu poderia fazer para encurtar o tempo de chegada no trabalho, lutava contra o sono. Havia acordado bem cedo e por essas tantas, era por volta de 6h30. O horário do meu cochilo estava se aproximando.

Após mais ou menos uma hora e meia de pensamentos vãos e de intensa luta contra o sono, escuto, vindo da janela do meu carro:

- Seu filhodaputa!

Tomei um susto, olhei para o lado. Repetiu: "Filhodaputa!".

Era um motoqueiro. Eu estava parado, o que fiz foi andar para a frente, em linha reta. E eu estava na pista, a mais à esquerda da avenida. Oras, por que fui xingado? Só se ele se assustou com o meu movimento. Mas, porra!, um movimento para frente?

Oras, eu sei o quanto é perigoso a vida desses motoqueiros. Tanto sei que sempre dou a seta quando mudo de faixa, e tomo o maior cuidado, olho e reolho no retrovisor se vem algum motoqueiro desvairado. Eu sei que, por mais que eles não tenham razão em andar nas entrepistas como andam, eles são a parte mais fraca nesse embate cotidiano pelo espaço do trânsito entre automóveis e motocicletas. Mas por que fui xingado? Por quê?

Uma raiva me tomou. Me senti injustiçado. Eu que tanto prezo pela segurança desses motoqueiros fui prejulgado por um movimento totalmente legal, e fui condenado a ser um filhodaputa! A raiva me tomou de tal forma que cogitei descer do carro e tomar satisfações. Mas parei novamente atrás de um carro e o motoqueiro se foi pela entrepista:

- Que morra! Que morra! Eu quero que esse filhodaputa morra!

Me descontrolei. Quando me dei conta, me arrependi. Só uma vez na vida desejei a morte de uma pessoa antes, um desafeto da adolescência, um outro filhodaputa. Que me arrependi também.

Porém, o estado de descontrole me trouxe algumas ponderações. Eu sou justo no trânsito, e benevolente. Tenho compaixão pelos desvairados e ilegais motoqueiros que transitam pelas entrepistas. Mas mesmo assim sou injustiçado por um deles. Compensa ser justo?

Recentemente fui injustiçado outras duas vezes. Como são assuntos delicados e particulares, não irei descrever aqui. Mas minha reação foi idêntica. Revolta. Numa dessas ocasiões eu dizia a quem me injustiçava, "sou franco e justo e o que ganho?".

Acalmem-se, é só um desabafo. Eu não irei mudar meu comportamento e agir como os injustos que critico. Eu não me corromperei - foi o que disse a mim mesmo também.

Contudo, se por acaso algum motoqueiro ler esse texto e não gostar do que escrevi - principalmente porque eu me refiro a "motoqueiros" e não a "motociclistas", como reivindicam alguns dessa classe de trabalhadores - pois bem, que diferença isso faz, eu não vejo mal nenhum em me referir a motoqueiros ou motociclistas. Eu acho a palavra "motoqueiro" mais expressiva.

E se algum desses motoqueiros-leitores já tiver xingado algum motorista injustamente. Ah, a esses eu digo:

- Filhodaputa é você!

2 comentários:

Camis disse...

Injustiça é foda. E vamos combinar, os motoqueiros normalmente são filhosdaputa. Deu sorte que não chutou seu carro, ainda por cima.
beijo

BR... disse...

Muito engracado....
Aqui no Jpao nao existe este tipo de coisa, tudo é muito organizado.
Acho graca num subversivo que nem voce, se rebelar contra um filho da puta de um motoqueiro....rsss
É phoda....