quarta-feira, março 28, 2007

Memórias de um camisa um

O Chico tem uma música, "Doze Anos", que é um sarro. Mais sarro ainda, foi eu explicando pra minha namorada o que é o teste da farinha... É que numa versão da música, tem um diálogo em que um pergunta ao outro: - "Ô Mangueira, você já fez o teste da farinha?". Bom, não vou explicar aqui o que é o tal teste, mas que esta música também meu deu uma saudade ingrata dos meus doze anos, quando dava banda por aí, fazia enormes planos e chutava bola (não lata).

Sim, porque meu maior plano, naquela época, era ser jogador de futebol. Sim, desde a tenra idade, dizia a minha mãe: - Vou ser o número sete do Palmeiras! Sim, porque eu gostava do número sete, e naquela época tinha um tal de Jorginho que jogava no Verdão com a sete, que eu gostava muito. Só que na época eu não sabia que o sete era o ponta-direita, e eu sou canhoto, logo, seria mais provável que eu fosse o onze. Apesar de que hoje a numeração não tem mais importância nenhuma no futebol. Porém, na época que comecei a jogar tinha, e todo time de categoria de base jogava no 4-3-3, com dois zagueiros e dois laterais atrás; um volante e dois meias na meio-campo; e dois pontas e um centro-avante na frente. E todo time de categoria de base tinha a mesma numeração, com o sete de ponta-direita. Mas as ironias do destino fizeram com que eu estreasse nas várzeas com a número um. Isso mesmo, eu era um goleiraço. Na rua, eu jogava em qualquer posição, e no meu quintal, jogava em todas as posições - porque eu jogava sozinho, chutava a bola na parede e fazias as plásticas defesas de fotografia para evitar os meus próprios gols. Quando eu me apresentei ao técnico dos mirins, disse que queria jogar na linha, mas estava faltando goleiro e minha mãe me dedurou: - Ele joga de goleiro! Eu, que nunca fugi de responsabilidade, fui para o sacrifício. Fui para as metas e no fim do campeonato me tornei o goleiro menos vazado do torneio. O troféuzinho lá no quarto é prova material deste pequeno feito.

E olha só a outra ironia. Este título me rendeu uma convocação para jogar no Corinthians. Só que nos treinos, por incrível que pareça, faltava um meia-esquerda, um camisa dez. Eu, que não fujo das responsabilidades, disse ao professor: - Eu jogo com a dez! Sim, eu, palmeirense, vesti a dez do Timão, e justo no ano de 1990, o ano em que eles foram campeões do Brasileirão... Mas eu não me importei com isso, pelo contrário, estava é muito feliz. Pois eu não só jogava de meia-esquerda, jogava de lateral-esquerdo, de ponta-esquerda, de quarto-zagueiro, de goleiro também. Sim, porque o professor sabia que eu era um jogador polivalente. E quando faltava jogadores nas outras categorias, ele me punha para completar o time. Teve dias que eu joguei três partidas seguidas. Eu não queria nem saber, queria era ser escalado, jogar e ajudar a equipe (olha o discurso de boleiro!)

No ano seguinte, não joguei mais no Corinthians, mas fui convocado para jogar em outra equipe da região, e continuei a disputar os campeonatos da várzea. Porém, voltei a ser arqueiro. Como disse antes, eu era um goleiraço. Até o fim de minha "carreira", fui o titular, o número um absoluto. Joguei até os dezesseis anos, quando mais uma ironia do destino me ocorreu. Eu parei de crescer aos cento e sessenta e cinco centímetros. Aí não dá. Nem Jorge Campos tinha essa altura. E estamos no Brasil, não no México, aqui tem goleiros muito bons. Logo, fui para o banco. Como nunca fui acostumado a este lugar, pendurei as luvas, as chuteiras e o meu grande projeto de ser jogador de futebol.

Por muito tempo, amarguei essa frustração. Hoje em dia, estou superando-a, mas o que não consigo superar é a ausência de material das lembranças desse tempo. Na época não tinha câmera digital, e teve que eu tive que enfrentar algumas adversidades, tais como uma pindaíba financeira e um pai alcoólatra. Deu que por muito tempo eu ia jogar meu futebol sozinho, sem um alguém conhecido que fosse lá para me assistir, torcer por mim ou registrar as minhas partidas. Tudo o que eu tenho desta época está aqui, nas minhas lembranças. Dá uma dor no peito... Lembro de algumas partidas, como a primeira da Copa São Paulo de 1994 e a primeira oficial pelo Guimarães F.C., um time lá de Ermelino Matarazzo, em que eu defendi uma bola rasteira dificílima no canto direito, e evitei a derrota de nossa equipe. Ou quando, no ano seguinte, fiz uma defesa de cinema, um chute da meia-lua, de primeira, no ângulo direito, em que eu pulei e, não espalmei, mas sim, agarrei a bola com as duas mãos, e como um gato, caí rolando e ficando de pé logo em seguida. Uma pintura. Fiquei semanas colhendo os louros por aquela defesa. E o melhor, naquele jogo ganhamos de 1 a 0, na casa do adversário. Ou seja, naquele dia, eu ganhei o jogo. Ou então, quando defendi dois pênaltis numa mesma partida. Num dos pênaltis, eu encaixei a bola, mas ela bateu na barriga, e até hoje eu sinto a ardência daquela defesa. Mas a ardência mais feliz da minha vida. Sim, porque o que eu gostava era de jogar bem, de fazer as defesas mais difíceis e salvar o time.

Que saudade ingrata! Olha, são tantas as lembranças que está difícil conter a emoção... Ah, como eu queria ter uma lembrança desses momentos e poder mostrar aos meus netos daqui a alguns anos! Ai, como isso me dói no peito... Só me resta fazer uma prevenção. Vai saber se um dia terei Alzheimer (toc, toc, toc) e não terei mais essas lembranças?

Eis o registro.

2 comentários:

LuccyInTheSky disse...

Belo registro!
Obrigada pelo link do sonho, gostei mto!!!
Amei o blog e voltarei sempre!
Ja linkei vc ta!
Bjokas
Lu

Fischer disse...

Oh! Também era goleiro (por gosto pela posição, e não por "polivalência") e senti coisas parecidas. É bom defender mesmo (que ninguém me veja falando isso; agora dificilmente vou ao gol, também porque quase não jogo [como me torno infeliz crescendo...]).
Mas o que interessa é que não acho tão importantes os registros desses momentos. Não são necessários. Talvez justo o que se ganharia tirando fotos fosse justo o que se perderia no momento. Talvez isso seja aplacado pela ausência de fotos (ou pelo menos do costume), de modo que pode ser melhor nem tê-las. Mas o que é melhor e o que é vantagem?