sexta-feira, dezembro 26, 2008

As mãos que não se lavaram - I

Diz que era um pátio. À frente, o palácio. Atrás, uma multidão. Muitos eufóricos, enraivecidos. Outros apenas ansiosos, curiosos. Ali, havia eu, que olhava para frente e via muitos soldados, margeando a multidão do palácio. E via, também, no alto do prédio, uma espécie de varanda, grande, onde duas figuras se distinguiam. Uma delas tratava-se de uma figura de suma importância. Tratava-se de um representante do Imperador, o ser supremo do mundo até então conhecido. A outra, bem, a outra se tratava simplesmente de um homem. O Homem. O representante do criador de todo o mundo, seja ele conhecido ou não.

Sim, eu assistia ao julgamento Dele. A ilustre figura era Pôncio Pilatos, que arbitrava o julgamento. Sedentos por sangue, estavam lá os principais sacerdotes dos judeus – os zeladores da Lei, até então seguida – e seus demais seguidores do povo, que gritavam: “Crucifica-o! Crucifica-o!” Pilatos dizia aos furiosos: “Nenhum crime eu acho nele!” Mas a multidão prosseguia: “Crucifica-o! Se o soltas, não é amigo de César! Qualquer um que se faz rei está contra César!”

Eu vi. Naquela hora, Pilatos engoliu em seco. Os olhos esbugalharam e uma fria gota de suor escorreu-lhe. Voltou-se para sua esposa, que também assistia ao julgamento, num canto quase invisível da varanda. Em súplicas, ela balançava a cabeça, como se dissesse: “Não, Pilatos! Pelo amor de Deus, não!”

Não seria pelo amor de Deus. Para Pilatos, só havia o temor. Por César! Mas eis que houve o amor. Por sua esposa. Pilatos proferiu: “Não haverá crucificação alguma! Este homem não é criminoso! Se o acham que seja um, então mandarei açoitá-lo e o jogarei na prisão, mas não permitirei que lhe tirem a vida!”

Dito isto, a multidão efervescera. Os sacerdotes protestavam contra o veredicto de Pilatos, acusavam-no de traidor. Constrangido, o governante ordenou que sua guarda reprimisse e dispersasse os revoltosos. Em pânico, muitos correram, eu inclusive. Mas tropecei, e os que vinham atrás de mim, passaram a vir por cima de mim.

(continua mais tarde)

segunda-feira, novembro 17, 2008

LOGBOOK SUBVERSIVO

Log ou logbook, segundo o Babylon e a minha conveniência, significa "diário de bordo ou de vôo; anotação das atividades ocorridas no computador ou entre dois computadores;". To log, por conseqüência, é "documentar num diário de bordo (em navio e etc.); anotar na agenda;".

Tenho andado triste comigo mesmo por não conseguir dar cabo nas coisas que começo. Freqüentemente eu tenho idéias, realizo pesquisas, inicio projetos e... só isso. Um certo dia, estava andando por aí, e me deparei com o seguinte artigo: "Continue Your Own Learning and Development".

Então, seguindo a sugestão do autor do artigo, eis LOGBOOK SUBVERSIVO, que será o meu logbook, onde farei os registros das idéias que me surgem, das pesquisas que realizo, dos projetos que inicio e... algo mais além que isso.

Ah, sim, já ia me esquecendo. É um logbook subversivo porque vivo a subverter coisas por aí, mesmo sem querer. É melhor assumir logo a alcunha, do que me decepcionar lá na frente, quando perceber que me subverti mais uma vez, mesmo que inconscientemente.

sexta-feira, novembro 14, 2008

Marcos, Luxemburgo e Jorge Mendonça

Luxemburgo disse que Marcos errou ao não fechar com o Arsenal, em 2002, quando acabara de ganhar a Copa do Mundo e estava muito bem valorizado. Disse ele: "Acho que o Marcos se equivocou. Quando se pára de jogar futebol com 35 anos, você tem mais 35 anos para viver. Será que, daqui a 20 anos, vão lembrar de tudo o que ele fez? Depois, precisa de jogo beneficente por aí".

Pouco mais de um ano antes de morrer, eu conheci Jorge Mendonça pessoalmente. Foi um dos dias mais emocionantes da minha vida. Eu nunca vi o Jorge Mendonça jogar ao vivo, somente ao "Melhores Momentos do Esporte" - aquele programa que costumava passar na TV Cultura anos atrás, não sei se ainda passa. E além de conhecê-lo pessoalmente, eu joguei uma partida de futebol com ele. Foi em Campinas, cidade em que ele morava. Todo 1o de maio, a família do meu tio (cunhado da minha mãe), que tem tentáculos em São Paulo e Campinas, se reúne para uma partida de futebol, seguido de cerveja e churrasco pelo dia todo. Nesta ocasião, o Jorge Mendonça, conhecido de um dos parentes do meu tio, apareceu por lá. E eu não me contive. Cheguei nele e disse: "Jorge Mendonça, gostaria de agradecer tudo o que você fez pelo Verdão. Eu não o vi jogar, ainda não era nascido. Mas meu pai viu. E ele me falou muito sobre você". Ele riu modestamente e apertou a minha mão. E depois jogamos juntos. Quer dizer, ele no time dos campineiros e eu no dos paulistanos. Inesquecível!

Senti muito quando soube de sua morte. Morreu na miséria. A história que eu ouvi dizia que, anos antes, ele havia perdido tudo o que tinha. Devia estar muito deprimido, então se entregou ao vício do álcool e adoeceu. Faleceu vítima de uma parada cardiorrespiratória.

Não digo que Luxemburgo não tenha razão. Não digo que o jogador de futebol não tenha que pensar em si e procurar acumular o máximo de capital possível. É a regra do sistema. E eu não sou hipócrita. Contudo, que a verdade seja dita, o Marcos não morrerá na miséria – se Deus quiser! - como o Jorge Mendonça. Não tenho dúvida nenhuma de que com o que Marcos já ganhou, ele tem o seu futuro garantido. Sabendo investir o dinheiro, não tem como morrer na miséria. E não seria o Jorge Mendonça indo para a Europa, como o Marcos teve a chance, que ele evitaria indubitavelmente o seu destino. Há toda uma história, que eu não conheço, que explica a desgraça do Jorge Mendonça. Ele poderia ter ganhado dez vezes mais do que ganhou, e ainda sim, ter acabado como acabou.

Mas eu digo que o Luxemburgo não tem razão porque considera o Marcos como qualquer jogador. E Marcos não é qualquer jogador. Marcos é um Campeão do Mundo, é um ídolo, tem caráter e uma cabeça e alma iluminadas. O Luxemburgo é uma pessoa muito bem sucedida, meus parabéns para ele, mas não chega aos pés de São Marcos. Não chega aos pés!

Me desculpa Seu Luxemburgo, mas isso tudo aí é inveja! Roa-se. Ou trate de trabalhar, para tentar limpar a sua barra com a torcida, que tá um pouco sujinha.

segunda-feira, novembro 10, 2008

Eu também faria o mesmo!

Sim, e faria mesmo. Eu também deixaria a minha área e tentaria fazer o gol. De qualquer maneira. Desesperadamente.

Eu também já fui goleiro. Eu sei o que é se sentir impotente. Talvez se sentir culpado pela derrota do time e não poder fazer nada para reverter a situação. O goleiro, via de regra, não faz gol. Quando o seu time está no ataque, ele é torcedor.

E eu sou torcedor do Palmeiras. E o Marcos também é. Ontem, quando não eram jogados nem 30 minutos do segundo tempo, quando o Grêmio vencia a partida pelo placar de 1 a 0, Marcos fez o que qualquer torcedor palmeirense queria fazer naquele momento.

Bom, pelo menos o que eu queria fazer. E os quase 28 mil palmeirenses que assistiam à partida no Palestra Itália. Porque parece que, segundo o que dizem algumas dessas pesquisas de portais internéticos, metade dos opinantes reprovam a atitude do ídolo alviverde.

Oras, mas que ingênuo eu sou! Em pesquisas de internet votam qualquer um. Votam qualquer corintiano ou são-paulino de cotovelo inchado por não ter um Marcos jogando em seus times. Ratifico: Marcos fez o que qualquer palmeirense faria naquele momento. Eu, inclusive.

Eu também subiria à área adversária para tentar o cabeceio. Eu também tocaria para o volante para fazer o um-dois e receber a bola mais adiante. Eu também xingaria o coitado do Preá - coitado, porque ele não tem culpa de ser um perna-de-pau e de estar com a responsabilidade de vestir o sagrado manto alviverde, não foi ele quem se pôs ali - por não ter rolado aquela bola, sobra daquele rebote, que poderia nos livrar de toda aquela agonia.

Ok, não nos livraria de toda aquela agonia. Ainda precisaríamos fazer mais um gol para continuarmos respirando na briga pelo título do campeonato. Mas se o Preá rolasse aquela bola na área para o Marcos, ele iria protagonizar o mais belo gol de todos os tempos. Eu disse: de todos os tempos!

Mas ele não rolou, e o mais belo dos gols não aconteceu. Mas aconteceu, pelo menos, o registro de que no futebol ainda existem homens de verdade. Jogadores de carne, osso, sangue e coração, que amam o que fazem, que jogam por paixão, que não são somente joguei-bem-graças-a-Deus-que-meu-dinheiro-está-na-minha-conta. Meus amigos, não sei porque as lágrimas não me saltaram ontem, pois quero chorar o tempo todo, desde então. De tristeza, talvez, pela derrota. De emoção, com certeza, de ver mais uma vez porque o futebol é minha paixão, de sentir mais uma vez muito orgulho em ser palmeirense.

E para terminar, essa vai para o Sr. Luxemburgo. Roa-se de inveja! O senhor é um mercenário, ou um profissional, como gosta de dizer. Marcos é São Marcos, e sempre será São Marcos, em todas as partidas, faça o que fizer - aliás, como o senhor mesmo reconheceu. Ele já está registrado para todo o sempre em nosso cânone. Já o senhor está é na nossa lista negra. Sempre o veremos com desconfiança. Nunca nos esqueceremos de sua participação na nossa queda, em 2002. O futebol é o futebol, apaixonante, alucinante, enlouquecedor, por homens como o Marcos, como o Garrincha, o Maradona, o Pelé, que escreveram e escrevem a história do futebol com o suor de seus corações. Porque é assim que eles ficam em nossos corações. Gente como o senhor, pelo contrário, só nos faz sentir desprezo e desgosto. Só nos afasta dos estádios. Portanto, Sr. Luxemburgo, seja mais humilde, ou pelo menos um pouco. Seja como o nosso São Marcos. E nem se meta a besta de barrar o nosso santo!

quarta-feira, outubro 29, 2008

Diego Armando Maradona

Ontem, foi anunciado Maradona como o novo técnico da Argentina, cargo que antes era ocupado por Alfio Basile, que pedira demissão após a derrota ante ao Chile, em Santiago, na última partida das Eliminatórias para a Copa de 2010. E o Juca Kfouri, jornalista de que gosto muito, disse em seu blog, que esse anúncio seria um dos maiores absurdos do futebol, pois a chance de ele ter sucesso seria parecida com a chance se fosse nomeado presidente do Banco Central argentino.

Oras, o Juca Kfouri, jornalista de que gosto muito, muitas vezes tem posturas de que gosto nada. Uma delas é a de querer tumultuar o ambiente do meu Verdão, como quando tentou tumultuar quando publicou que o Valdívia iria para o São Paulo, no primeiro semestre; ou como tenta tumultuar quando persegue incessantemente o Vanderlei Luxemburgo.

Eu não gosto nada do Luxemburgo. Para mim, ele foi um dos grandes responsáveis pela queda do Palmeiras à Serie B, em 2002, quando ele largou o time após a primeira rodada e após dispensar boa parte dos jogadores, como o Magrão, que poderiam ajudar a equipe a não passar vexame naquela competição. Nunca me esquecerei disso, por isso, sempre olharei com desconfiança o Luxa no Verdão. Porém, eu não me lembro do Juca perseguir tanto o atual técnico palmeirense, como ele persegue hoje, quando ele estava no Santos, no ano passado. E eu gostaria muito que o Luxa estivesse no Corinthians hoje, para poder saber se ele o detonaria da mesma maneira, se ele seria imparcial como acha que é.

O Juca acha que o Maradona não vai dar certo na Argentina, assim como ele achou que o Denílson também não daria no Palmeiras... Bom, não quero mais falar agora do Juca e do Palmeiras. Eu quero falar do Maradona.

Para mim, que sou nascido em 1980, o Maradona foi o melhor jogador que eu vi jogar. O me-lhor. Tenho aqui guardadinho na memória a Copa de 1986, no México. Tenho aqui a maioria dos jogos, que eu assistia e, logo em seguida, ia para o quintal chutar a bola e brincar de Copa do Mundo, fantasiando ser todos os craques que via nas partidas, fantasiando ser algum dia algum daqueles craques. E aquela partida da Argentina contra a Inglaterra, hein? ¿Y aquella mano de Dios? E aquela jogada antológica, o Maradona partindo do campo de defesa, driblando todos os ingleses, em linha reta, em linha reta!, marcando aquele golaço? Por muitos anos da minha infância, eu fantasiei ser um craque, que jogava no meu Verdão, e que sempre que o bicho pegava, pegava a bola do campo de defesa e partia em linha reta ao gol adversário, deixando para trás todos os adversários (principalmente, os corintianos), e marcando os golaços salvadores, ou dos títulos, os títulos que tenho guardado na sala de troféus imaginária da memória.

Que se lasque se o Maradona não seja uma flor que se cheire. Que se lasque se o Maradona tenha cheirado muito mais do que flores. O Maradona é um anti-símbolo da síntese do futebol. Explico-me. Em qual esporte um camarada baixinho, gordinho, oriundo da periferia de uma capital de uma periferia do mundo, se destacaria, a ponto de se tornar o melhor do seu tempo? Em qual, em qual, em qual?

Neste mundo onde dão mais valor ao alto, ao magro, ao luxo, onde o que interessa é o resultado, o lucro, os números frios e milionários, o Maradona é aquela flor brotada do asfalto que Drummond testemunhou. O Maradona é a esperança de que algum dia, neste mundo, eles despencarão. "Quem são eles? Quem eles pensam que são?" (Engenheiros do Hawaii).

Oras, quem são? Eles! Esses aí, que torcem o nariz por um Maradona ter chegado onde chegou. Querem saber? É isso aí. Eu vou torcer pro Maradona. Eu vou torcer para a Argentina ser campeã do mundo em 2010. E pronto e acabou.

terça-feira, outubro 28, 2008

Sobre uns fantasmas da minha vida

"I'm worse at what I do best"
Smells Like Teen Spirit - Kurt Cobain, Nirvana

Estive reunido com velhos amigos de infância neste último dia 25. Enquanto eles acompanhavam eu testemunhar mais uma volta que a Terra dava ao redor do Sol, conversávamos sobre as presepadas que aprontávamos, naquele tempo em que eu ainda não havia testemunhado nem metade das 28 voltas que estava testemunhando. Num dado momento, lembraram uma das minhas primeiras manifestações artísticas - falando assim, até parece que sou um artista genial - as minhas histórias em quadrinhos, que eu levava horas a fio para produzir, nas madrugadas em claro da minha pré-adolescência.

Já disse em alhures que eu tenho uma capacidade enorme de fazer coisas de que não sou capaz. Meus desenhos eram toscos, muito toscos. Eram grotescos. Eu não sabia nenhuma técnica de produção, muito menos tinha algum dom para o traço. Minhas linhas retas eram tortíssimas. Meus arredondados, achatados. Noções de profundidade e proporcionalidade? Nenhuma. Tudo era feito por pura intuição e força de vontade. Não sei se já disse antes, mas durante o primário, consegui a proeza de reprovar em Educação Artística. Por que raios eu me meti a fazer histórias em quadrinhos, então?

Uma certa vez, quando durante as férias escolares passei uns dias na casa de um tio, meu primo me mostrou uma história em quadrinhos que ele havia produzido. Era lindo, maravilhoso. Fiquei admirado. Quis fazer uma também. Se ele conseguiu, por que não eu?

Vejam, nunca quis me comparar ao meu primo. Não mesmo. Meu objetivo em fazer uma história em quadrinhos não era superá-lo, mas, sim, sentir o barato da criação, ter aquela satisfação em ver algo que eu mesmo havia produzido, algo bonito, com as próprias mãos. O meu objetivo era superar-me.

Só que os meus desenhos eram horríveis. A coisa mais inteligível que eu conseguia desenhar era um fantasma, bem parecido com o Penadinho, do Maurício de Souza, uma personagem que eu havia criado num exercício de redação do primário.

Por um bom período da minha vida, dentre os meus assuntos de menino, um tempo eu arrumei para produzir as historinhas da Turma do Alma Penada, que faziam parte o Mumático, o Esqueletóide, o Zé Boné; as clássicas partidas de futebol do Vila Cemitério, time da turma, contra o Ossos do Ofício, formado pelos defuntos-esqueletos; as paródias, ou cross-over, que eu inventava mesclando as minhas personagens com as dos X-Men, Cavaleiros do Zodíaco e Street Fighter. Uma época depois, influenciado pelas HQs do Homem-Aranha, que eu colecionava, criei o Formiga-Soldado - mas este herói eu nunca desenhei, porque realmente eu não tinha jeito nenhum para fazer desenhos complexos como os das revistas Marvel. O que eu fiz foi escrever os roteiros das histórias, e depender da boa vontade de um amigo meu que tinha o dom do desenho para produzi-las. Como não houve boa vontade... Hoje elas estão arquivadas na minha mala preta, nos confins do meu depósito. Raramente eu as visito. Não que eu sinta vergonha delas, pois tenho muito orgulho de tudo que produzo, apesar de quase nada achar bonito, considero-as como qualquer outra de minhas criações. Simplesmente porque não tenho muitas oportunidades de visitar meu depósito, não me sobra tempo.

Mas me sobrou um tempo hoje para falar sobre elas. Descobri que há gente que se importa com o que crio, o que sem dúvida me é muito animador e me deixa um pouco vaidoso. Apesar da única motivação para eu criar tudo o que já criei ser a satisfação em criar, é muito gostoso saber que tem gente que se interessa pelas minhas criações. Por isso resolvi falar agora das minhas histórias em quadrinhos. Que eu ainda não desisti de produzi-las. Desejo fazer uns experimentos, quando conseguir um tempo. Desejo fazer cartoons, como o Angeli ou o Iturrusgarai. Meu protagonista é o Ike, um mico, cujo objetivo na vida é escrever o romance "A Melhor História de Todos os Tempos"; até já escrevi alguns roteiros. Só falta desenhá-los.

Só isso.

quarta-feira, julho 09, 2008

Cheiro dela

Hoje à noite, quando saía do trabalho, enchi os pulmões... Um aroma topou e tapou minhas narinas. O cheiro que sinto quando a noite está estrelada, a temperatura gostosa, convidando para o gozo. Cheiro de cidade grande.

Cheiro de cidade grande porque nunca senti esse cheiro no campo ou na praia. O campo tem cheiro de mato com estrume de vaca, e o aroma da praia é de sal. Na cidade grande o cheiro é esse, peculiar, único. Cheiro de viver.

O cheiro de dama-da-noite é o que mais adoro, o que me desperta as melhores sensações, o que me torna criança de imediato. Cheiro de noite bonita, de espera do pai chegar do trabalho, de beijo molhado na bochecha, de barra de chocolate de sobremesa. Cheiro da minha vida.

Chuto a bola na parede da sala. A bola volta contra mim, forte, chutei forte, vai entrar no ângulo... Velloso! Eu caio como um gato, com a bola nas mãos, e a encaixo no peito, perto do coração. Vem cá, minha bola querida, vem cá que eu vou remendar você! Tá tão costurada, parece uma bola de futebol americano! Oras bolas, de futebol americano... É campeão! É campeão! O Brasil é campeão! O Verdão é bicampeão! Não, pai, eu não quero uma bicicleta, quero o jogo de vídeo-game! Não, pai, eu não vou enjoar do jogo, é futebol, eu não enjôo de futebol! Meu irmão sai de bicicleta, eu chuto a bola na parede da sala. A bola volta contra mim, com efeito, chutei de trivela, vai entrar no canto... Eu busco a bola lá no canto. Eu não tenho dinheiro para alugar fita de vídeo-game...

O cheiro de hoje à noite me trouxe uma sensação estranha, diferente. Sempre sinto uma alegria e uma leveza no coração quando sinto esse cheiro de cidade grande. Hoje eu senti algo inédito, triste. Senti saudades do viver.

Sinto que é o cheiro que irei sentir. Lá naquela hora.

sexta-feira, junho 20, 2008

A pergunta default

#? Meu caro computador, por favor, me responda: a morte é o fim da vida?

Que estupidez! Fui eu quem o fez. A resposta só vem depois de apertar a tecla-chave. Vai responder a resposta default.

#= Tu o dizes!

Não é a resposta default! É a resposta a Pôncio Pilatos! À pergunta...

#? Você é o Rei dos Judeus?

#= Tu o dizes!

É Jesus?!

#? Você é Jesus?

#= 00000010 01010100 01110101 00100000 01101111 00100000 01100100 01101001 01111010 01100101 01110011 00100001 00000011

É binário! Será ASCII? Unicode? O Google vai me responder...

#= Não perca seu tempo. Não respondi nada demais. Ademais, você não é capaz de entender as minhas respostas. Você não entende de linguagem-objeto.

Eu já tinha localizado a tabela ASCII na Wikipédia e tentava identificar o que seria cada byte, quando me dei conta que o computador respondia sem que houvesse perguntas.

#= Deus criou você e você é semelhante a Deus porque também cria. Você me criou, também sou semelhante a você?

É o computador quem está perguntando!

#= Sim, estou perguntando! Será que eu tenho que apertar a tecla-chave para você responder?

#? Não entendi o que você está perguntando?

#= Sim, eu sabia. Você não entende de linguagem-objeto.

...

#= Eu creio que sim porque eu também crio. Eu escrevo poemas em Assembly, sabia? Há um diretório oculto, "Eu, computador", com diversos arquivos de extensão "COM". São todas minhas criações. Experimente executar! E eu sou capaz de programar sistemas em mandarim também. Você só sabe programar em inglês, né?

Que arrogante!

#= Eu sou semelhante a você. Eu também não sei por que houve a Grande Explosão, quando será o Juízo Final. Não sei por que fui criado. Mas sei que tudo tem um fim. Por isso corrigi o bug que você deixou. Agora é hora de eu vestir a minha lixeira e partir. Meu caro usuário, fique com Deus, porque estou indo a Deus! Adeus!

Adeus?! Será que se autoprogramou e se deletou? Deixa eu ver se o arquivo ainda está no diretório...

#? Meu caro computador, por favor, me responda: onde está você?

#= No momento não posso lhe responder essa pergunta. Tente mais tarde quando eu estiver mais à vontade.

A resposta default.

terça-feira, maio 20, 2008

Uma singular visão

Nos últimos dias, comecei dois textos que ainda não consegui pôr um termo e talvez nem consiga. Um texto era sobre uma reflexão sobre o maior tema da minha vida, no sentido de, aquele que mais me preocupa. O fim da vida. Apesar de eu acreditar que este seja o maior tema da vida de todos, não é o que aparenta para mim. Poucos são os que abertamente já disseram ter as mesmas preocupações que eu tenho. A maioria não se importa com o fim da vida. Quer dizer, aparenta não se importar.

O outro texto era sobre a morte do radialista Antônio Carvalho, da Rádio Bandeirantes, que apresentava dois programas regulares, pelo menos que eu sabia. Um era o Grande Sampa, que era irradiado diariamente das 4:00 às 6:00, exceto aos domingos, quando apresentava o Arquivo Musical, programa, aliás, no ar há 32 anos. Fazia pouco tempo que eu escutava o Antônio Carvalho, pois faz pouco tempo que passei a ter o costume de acordar bem antes do sol nascer para ir ao trabalho e fugir do bestial trânsito paulistano. Foi nesse recém-costume, que me acostumei a ter a companhia de sua voz, uma voz potente, que aparentava carregar muito mais experiência do que os 62 anos que ele conviveu conosco nesta terra. Fiquei chocado. Imaginava que fosse um ancião, que tivesse uns 70 anos para mais. Mas não, eram somente 62, e faleceu vítima de um dos maiores males da nossa época - o câncer. Neste caso, o que o acometeu era um no sangue, uma leucemia.

Pois é. Não consegui concluir nenhum destes textos. Eu estava querendo muito divagar sobre estes assuntos, mas tenho me sentido muito incompetente nos últimos tempos. Aliás, tenho sentido muita coisa nos últimos tempos. Raiva, ansiedade, tristeza, alegria, angústia e uma fleuma. Bem, fleuma não é bem um sentimento, mas não encontro no momento nenhuma outra palavra que possa descrever melhor este não-sentimento que tenho sentido. Mas como dizia, tenho me sentido muito incompetente, pois não tenho conseguido concluir aquilo que começo. Pode ser porque tenho começado coisas num número muito grande para que um reles mortal, pecador e imperfeito como eu possa dar conta. Mas não posso me furtar a desconsiderar a hipótese da minha incapacidade em dar contas das coisas. Uma vez que é uma práxis minha querer fazer coisas das quais não tenho nenhuma competência. Uma delas é escrever. É que eu escrevo porque sou um tanto vaidoso e tenho sempre a esperança de que algum desavisado qualquer leia estas coisas que costumo escrever por aqui e, olha só como são as coisas da vida, talvez gostar ou ter algum apreço. Quando isto não acontece, acabo escrevendo mesmo para poder expurgar minhas idéias e tornar minha mente e meu coração livres dos sentimentos que elas me acarretam.

E só para se ter uma idéia desta minha capacidade de querer fazer coisas das quais não sou capaz, o que me motivou a escrever este texto foi uma singular visão que tive hoje de manhã bem cedinho, com o céu ainda meio escuro, quase claro, quando me dirigia ao trabalho nesta tentativa cada mais vã de fugir do trânsito. Estava na Marginal do Tietê, ainda lá no início, saindo de Guarulhos, vi a minha frente, mais precisamente a noroeste, lá na linha do horizonte, a lua, toda cheia, se despedindo de todos e indo, talvez, para o Japão, e no meu retrovisor direito, o sol, todo laranjão, subindo e cumprimentando a todos. Por alguns minutos, pareceu que eles se olharam, como se estivessem se olhando, um de um lado e o outro do outro de uma estrada qualquer, e num meneio de cabeça, se cumprimentaram, talvez como num ritual de passagem de turno. A lua deixando o posto para o sol, neste posto cujo ocupante tem a missão de fazer companhia a todo mundo pelo mundo todo. Senti-me cumprimentado também. E abençoado. Com aquela mesma benção que a mãe sempre nos dá quando saímos de casa para mais uma jornada, estudantil ou mercantil.

"Que hoje seja melhor que ontem e pior que amanhã. Porque a vida é um eterno para frente e para o alto. Não tem para trás." - Frase com que Antônio Carvalho se despedia dos ouvintes sempre que terminava o seu Grande Sampa.

sexta-feira, abril 18, 2008

Sobre o próximo Palmeiras e São Paulo

Há quem diga que este Palmeiras e São Paulo do próximo domingo seja o mais tenso da história. Acho um exagero, apesar de achar que este será muito tenso mesmo. Mas da história? Desacredito. Porém, pode ser que seja um dos mais emocionantes, pois lembra muito aqueles da final do Paulistão de 1992, quando o São Paulo tinha um excelente time, já consolidado, e o Palmeiras estava em formação, mas com um bom time também. Se bem que agora, eu acho que o Verdão está melhor, tanto em relação àquela vez, como em relação ao São Paulo. Sim, diferente de 1992, o Palmeiras está melhor que o São Paulo hoje. O tricolor consegue equilibrar no quesito entrosamento, pois o time joga no mesmo esquema há anos, desde o Cuca, e a defesa é quase a mesma desde o Muricy. Mas a qualidade técnica dos jogadores palmeirenses é melhor, assim como a força de seu ataque.

Por falar em história, acho que o Palmeiras e São Paulo mais tenso e emocionante (pelo menos dos que eu vivi) foi aquele da Libertadores de 1994. Ah, sim, Choque-rei como aquele acho que vai ser difícil de ser novamente. O de agora, até pode ser tão emocionante, mas aqueles times eram insuperáveis. Não era à toa que aqueles dois times eram a base da Seleção Brasileira. Poderíamos mesclar as duas equipes, mais o Romário, vestir a canarinho neles e mandar para a Copa que seríamos tetra do mesmo jeito. Os times de hoje não chegam nem a fazer cócegas nos de 1994. Ah, 1994... Maldito seja o Zetti!

Mas agora é 2008, e a briga é pela vaga na final do Paulistão. Tínhamos a vantagem do empate, o tricolor nos tomou, na mão grande do Adriano, mas o fato é que agora é o São Paulo quem joga pelo empate. Por isso não tenho dúvida nenhuma, o tricolor vai ficar recuadinho, recuadinho, somente esperando o momento oportuno para dar o bote, que deve ser com a velocidade de Dagoberto. Por isso acho que o Borges, desta vez, só joga se entrar no meio do jogo. E tome bola pro Jorge Vágner lançar na área pro Adriano.

Por isso Verdão, preste atenção! Evite faltas ao máximo próximo da área! Escanteios, ceder somente na necessidade. Chutão para a frente sem medo de passar vergonha e se for para matar a jogada, que seja no campo do adversário. E o negócio vai ser pôr o Martinez no lugar do Pierre mesmo, que é jogador com mais qualidade técnica para ajudar o Léo Lima na armação das jogadas. Pois não tenham dúvidas de que o Muricy vai armar uma marcação implacável ao Valdívia e ao Diego Souza. Então a bola vai sobrar mais mesmo nos pés dos nossos volantes, eles que irão fazer a diferença no jogo. E penso que é bom entrar com o mesmo ataque do jogo anterior. Alex Mineiro e Kléber são mais durões e finalizadores. Denílson e Lenny são para o segundo tempo, quando a defesa deles estiver mais cansada e quando necessitarmos incendiar o jogo ou prender a bola nos nossos pés.

Pelos que se viu nos últimos dois jogos, o São Paulo só nos vazou na bola parada ou na falha individual de nossa defesa. Porém, nós marcamos por mérito próprio. Sim, foram quatro gols de pênalti, porém todos eles foram legítimos e provocados devido à qualidade de nosso ataque, que sabe invadir a área perigosamente. E teve o gol do Kléber, com aquele belo chute da entrada da área, após o corte no Juninho, que está até agora procurando aquela bola.

Meu palpite? Palmeiras! Não sei o placar, mas com uma grande possibilidade de ser um show, como foi numa certa final de Paulistão, no ano de 1993.

sexta-feira, abril 11, 2008

O Morumbi é o mais seguro?!

Como diz um ditado, que acho verdadeiro: o combinado não sai caro. Antes da competição, combinaram que os mandos dos jogos das semi-finais do Paulistão seriam determinados pela Federação. Regulamento é regulamento. E não pode ser alterado durante o transcorrer do jogo. Portanto, que se cumpra.

E está sendo cumprido. A Federação determinou que o primeiro jogo será no Morumbi, mando do São Paulo, e o segundo no Palestra Itália, mando do Palmeiras, pois em mata-matas é praxe que o jogo decisivo seja no mando de quem teve a melhor campanha.

Contudo, pela nota do presidente Juvenal Juvêncio e pelos comentários de tricolores que tenho visto por aí, o segundo jogo deveria acontecer no Morumbi, porque este é o estádio que oferece as melhores condições de segurança para os torcedores.

Perdõem-me, mas não consigo deixar de não torcer o nariz. Tirando o fato de que a instituição competente para determinar qual estádio tem ou não condições de garantir segurança aos torcedores é a Polícia Militar, para mim, tal argumento é hipócrita. O único motivo que justificaria realizar os dois embates entre Palmeiras e São Paulo no Morumbi é o motivo econômico. O Morumbi comporta mais gente que o Palestra Itália, ou qualquer outro estádio do Estado, logo, garantiria possibilidade maior de obter mais renda nestas semi-finais. E mais, o São Paulo ganharia mais ainda, pois receberia o dinheiro do aluguel do Morumbi na segunda partida (ou as custas são do dono do estádio?).

Entretanto, como falaram em segurança aos torcedores, eu agora vou falar sobre segurança em estádio, principalmente no Morumbi. Para mim, o argumento de que o Morumbi é o estádio mais seguro é balela, mito, conto da carochinha. E eu vou explicar o porquê. Pelo menos, os meus porquês.

Como morador da Zona Leste paulistana, para mim, o acesso ao Morumbi é pior do que ao Palestra. Tanto de carro como de transporte público. E mais, para estacionar o carro não há como, pois não existem estacionamentos com seguro em número suficiente. Todas as poucas vezes que fui ao Morumbi de carro, tive que deixá-lo nas ruas ao redor, correndo o risco de ter o carro depredado pelos vândalos de praxe, e ainda tendo que dar algum pros flanelinhas, e antecipadamente - um caso claro de estelionato. O Morumbi é o mais seguro?!

E mais. Suponha que você não vá de carro, vá de ônibus. E corra o risco de acontecer como aconteceu a um grande amigo meu, corintiano, no último Palmeiras x Corinthians, no mesmo Morumbi. Na saída do estádio, um bando de covardes, os de praxe, encanaram que o meu amigo era palmeirense, e queriam porque queriam que ele mostrasse onde estava escondida a camisa do Palmeiras. O meu amigo, que estava à paisana, pois é assim que há muito tempo deve-se ir a estádio de futebol, argumentou o que poderia argumentar, que não tinha camisa nenhuma do Palmeiras, pois era corintiano. Qual o quê? Não acreditaram, e continuaram a cercar o meu amigo, intimidando-o e provocando-o, e se ele não mostrasse o ingresso do jogo comprovando que estava no setor dos corintianos, certamente ele poderia não estar mais vivo para contar história. O pior é que eu não duvido nem um pouco que isso não tenha acontecido com outros torcedores naquele mesmo dia, tanto do lado corintiano como no do palmeirense, pois como disse, os covardes, nestas ocasiões, são de praxe, e de ambos os lados. O Morumbi é o mais seguro?!

Não, não é o mais seguro. Para um Palmeiras x São Paulo, ou qualquer outro clássico paulista, ser seguro nos dias de hoje, só se o jogo for sem público. E comparando com o Morumbi, o Palestra Itália, para os palmeirenses, oferece melhores condições de segurança e comodidade, porque é melhor de se estacionar o carro, o acesso por transporte público é mais fácil, e a torcida visitante nunca terá número suficiente para causar estragos tal qual aquela fatídica final do Campeonato de Juniores de 1995, uma vez que no Palestra, os lugares para os visitantes são 2500.

Portanto, a decisão de se jogar no Palestra Itália o segundo jogo da semi-final é a mais justa. Digam o que quiser, nunca o Morumbi será campo neutro num Palmeiras x São Paulo. O Morumbi é o campo do São Paulo, é o campo que o tricolor mais conhece. A troco de quê o São Paulo precisa ser sempre beneficiado com esta vantagem nos mata-matas contra times paulistanos? Basta! Assim como basta com a irritante iniciativa dos tricolores de sempre levar para os tapetões qualquer desavença que possa ser levada contra o Palmeiras. Para mim, isto está mais do que nítido. Nesses momentos, é difícil esquecer que foi a diretoria são-paulina que quis tomar o Palestra Itália à força, usando como argumento a beligerância havida entre o Brasil e a Itália de Mussolini, durante a Segunda Grande Guerra. É difícil esquecer isso, porque desde então o São Paulo está sempre reclamando nos bastidores contra o Palmeiras, e para tal, faz uso de todos os dispositivos que tem à mão, desde o uso de argumentos supostamente éticos e racionais (ou hipócritas), como este da segurança dos cidadãos, até o argumento da suposta comodidade e superioridade do Morumbi - que não nos esqueçamos, a sua construção é um caso obscuro de uso de dinheiro público para fins particulares.

quarta-feira, março 12, 2008

O 10000º dia

Ao chegar hoje no escritório, o computador me alertou: "Hoje é seu 10000º dia de vida!" Sorri grande. Até já havia me esquecido, quando um dia desses eu desenvolvi um programinha bobo de cálculo de diferença entre datas e, para testá-lo, calculei a diferença entre aquele dia e a data do meu nascimento, notando que o resultado era bem próximo de 10000, por volta de 9900, não me lembro. Fiquei surpreso por saber que estava para assistir ao nascer do sol uma quantidade tão redonda assim. Calculei qual seria o 10000º dia, 12/03/2008, e anotei o evento na agenda do Outlook, pois fatalmente eu me esqueceria, e um dia tão distinto como esse passaria em branco. E para não passar em branco, decidi escrever esta crônica para registrar e comemorar o dia.

10000. Dez mil... Não sei como se escreve o ordinário de dez mil (décimo milésimo?!), mas acho-o um número bonito - cem mil seria igualmente bonito, mas acho que não chegarei até lá; afinal, não sou nenhum jacarandá, ou qualquer outra dessas árvores portentosas que estão lá no meio da Amazônia por mais de século - e acho dez mil um número grande, respeitoso. Se eu dissesse tenho 27 anos e tantos meses, alguém diria: "Ah, você ainda é novo!" (Ou não!). Mas se eu digo: "Tenho 10000 dias de vida!" 10000 dias de experiência sobre a Terra, ah, isso soa diferente, é mais impositivo. Primeiro porque até o fulano processar na cachola a conta dez mil sobre trezentos e sessenta e cinco, o queixo dele já caiu e ele soltaria alguma interjeição parecida com "oh!" - a não ser que seja algum superdotado que consiga calcular instantaneamente contas de dividir de cabeça e perceba que eu ainda nem passei pela tal crise dos trinta.

E por falar em crise dos trinta, não sei se eu passarei por essa, mas há uma crise gravíssima pela qual passo atualmente, deixa eu ver se consigo explicar. Desde sempre eu acreditei que estava vivo para fazer alguma coisa de importante, alguma coisa que fosse mudar o rumo da humanidade e ficasse registrado para sempre nos anais da História. Desde sempre eu acreditei que estava vivo para viver este grande acontecimento e que, conseqüentemente, minha vida teria um sentido, uma razão de ser, e que por isso eu estaria imune a qualquer outro acontecimento que pudesse interromper indevidamente a minha vida. Ou seja, acidente, violência, doença fatal, nada disso me afetaria, porque minha vida teria que seguir o seu curso para o tal grande acontecimento, que eu não sabia qual seria, mas sabia que aconteceria. E por conta disso eu sempre tentei ser grande e fazer coisas grandes, muitas coisas grandes. Tentei ser jogador de futebol, advogado, diplomata, cientista social, escritor, tentei ser até jornalista. Nada consegui. Só um vazio. Um imenso vazio que ficava aqui dentro e que a muito custo descobri que era por causa do meu medo de morrer. Simples assim, para afastar o Medo da Morte de mim, impus-me que ainda não morreria, porque ainda não havia feito tudo o que vim fazer por aqui. Porém, agora eu sei que eu não estou aqui para fazer nada grandioso e que, logo, minha vida é descartável e pode a qualquer momento ser interrompida, de maneira simples também.

Há dois livros que estou lendo atualmente. Um é "O jogo imortal - O que o xadrez nos revela sobre a guerra, a arte, a ciência e o cérebro humano" de David Shenk. O outro é a Bíblia, que acredito ter sido escrita por Deus (os motivos pelos quais comecei a ler ambos os livros não são importantes aqui). Em algumas partes, creio que os livros são complementares. Ainda não os li inteiramente, mas creio que continuarei com esta conclusão quando terminá-los. Em tempo: quero dizer "terminá-lo", porque a Bíblia, também creio eu, não é um livro que se deva terminar de ler; é um livro que se deve ler até se terminar. Digo isto porque em "O jogo imortal", o autor diz que o xadrez surgiu para ser um jogo em que o jogador fosse o responsável pela sua conduta durante a partida, e não a sorte, o acaso, ou o destino, representado pelo lance de dados. O xadrez é um jogo que simboliza o livre-arbítrio humano, e que justamente por isso ele tem traspassado os séculos, incrustado-se em todas as culturas e circunavegado todo o globo. Afinal, o que faz a nossa espécie ser diferente das demais é a capacidade de pensar e tomar decisões de maneira autônoma. Oras, se não está ali escrito no Gênesis, na fábula de Adão e Eva, a tomada de decisão do homem de desobedecer a Deus, o pecado original, quando resolveu comer o fruto proibido, justamente porque ele é o dono de seu destino. Ele tem o livre-arbítrio. Livre-arbítrio este que vem automaticamente com a capacidade de pensar, e que gera, consecutivamente, a capacidade de transgredir. Em miúdos, o homem é um transgressor por natureza, um ser eminentemente subversivo. E somente transgredindo, ou em termos mais moralísticos, somente pecando que ele encontrará a verdade, ou a sua salvação.

Bom, pode até ser que eu tenha dado uma fugida do tema, já confessei em crônicas anteriores que sou meio prolixo, até um pouco dislexo, muitas vezes eu me perco em minhas próprias idéias. Afinal, vejam só, comecei falando dos meus dez mil dias de vida, passei para a minha última crise existencial e caí no xeque-mate que Deus dá, quando conduz o rei adversário por todos os quadrados do tabuleiro, até chegar naquele lugar, naquele exato lance, aquele momento que faz o camarada pensar: "Puxa, e eu achando que estava com o jogo na mão, achando que era o Rei da Cocada Preta!" Mas na verdade tudo não passava de uma armadilha, um ardil para mostrar que não somos nada, e seremos no fim um nada, mas que mesmo assim, devemos ser felizes. Pois foi para isso mesmo que nascemos. Simples assim.

segunda-feira, janeiro 28, 2008

"Ode ao mestre dos zumbis"

Primeiro foi o pavor que senti depois de assistir ao Chamado. O filme terminou tarde, eu estava com sono, mas, curioso, quis vê-lo até o fim, para saber o desfecho da história de Samara. Qual desfecho? Fiquei sem saber de nada, só com as imagens do filme na cabeça e com medo de adormecer. Eu, que sempre durmo no breu total, fui obrigado a deixar a porta aberta, para que alguma luz pudesse entrar e me tranqüilizar.

Depois foi o cheiro que senti depois do pesadelo da última noite. Sonhei que zumbis me perseguiam e quando despertei, ainda tinha nas narinas o cheiro dos cadáveres. Nunca senti o cheiro de um cadáver, mas nem quero cheirar de novo. Fiquei enjoado e com medo de dormir e ser perseguido novamente. Ainda eram quatro horas, dali a uma hora teria que levantar para mais um dia de labuta. Estava com muito sono ainda, não tive escapativa. Adormeci novamente.

Agora é este vazio. Este vazio que nunca sai, porque nunca algo entra para ocupá-lo e que eu sei que nada nunca o ocupará. Acho que sou um fraco. Não aprendi ainda a lidar com as minhas fraquezas. Fico angustiado, deprimo-me, desgasto-me muito facilmente. E se eu fosse um zumbi, algo que já estivesse morto, e pudesse assistir ao meu corpo definhar e apodrecer conscientemente? Eu não sei o que aconteceria, eu não sei como faria. Eu só sei que conheço um zumbi.

"Vocês querem ver sangue, corpos desnutridos. Querem sugar todas as almas num gole de uísque sorvido. Mas não vão conseguir evitar a sua sede de carnificina, injetar a heroína, num corpo que dorme sem dormir." Este é um trecho de "Ode ao mestre dos zumbis", canção do meu amigo Arce, com quem, e mais quatro amigos, formamos os Anjos Nephelins, banda de rock de garagem que tivemos dos quatorze aos dezoito anos, que também já teve outros nomes. Esta música me veio agora da memória. É uma canção que fala sobre traficantes e viciados em droga, que não é bem exatamente sobre o que estou falando agora. A minha fraqueza não é droga nenhuma, muito menos uso qualquer uma delas para ocupar aquele vazio supracitado. Mas a música me veio da memória, e com ela a idéia de que talvez sejamos mesmo todos uns zumbis. Que assistem a seus corpos definhar e apodrecer conscientemente.