sexta-feira, julho 29, 2005

Radio-man

"Mas nós vibramos em outra freqüência
Sabemos que não é bem assim
Se fosse fácil achar o caminho das pedras
Tantas pedras no caminho não seria ruim"

Outras Freqüências - Engenheiros do Hawaii

Uma idéia tem germinado na minha cabeça, não sei se original, que é a seguinte: o sentimento de solidão é inversamente proporcional ao grau de sintonia de você com relação ao mundo. De mundo, compreende-se tudo. Pessoas, lugares, coisas. Sei que é temerário reduzir a fórmulas matemáticas assuntos do espírito. Não creio que a natureza humana possa ser compreendida com exatidão, muito menos exatamente. Mas, às vezes, fazer uso de ferramentas que funcionam em outras esferas da vida, como a Física ou a Química, ajudam como ponto de partida a quem se mete à besta de se meter em questões insolúveis.

Por que nos sentimos sós mesmo quando acompanhados? Por que temos aquela sensação de "peixe fora d'água" em certos lugares? Por que certas situações, atitudes ou mesmo discursos nos causam desconforto? Por que há profissões em que nos adaptamos melhor e outras não? Essas são algumas questões que me surgem quando me sinto só, muitas vezes, mesmo quando estou no meio de uma multidão.

Para buscar algum conforto diante da inquietude que sempre me surge, me remeti às sensações que tenho nessas ocasiões, mais precisamente, ao que me faz tê-las. Por exemplo, quando vou a uma danceteria e vejo aquele monte de corpos se chacoalhando, ora harmoniosa, ora desarmoniosamente, é como se o chiado de um rádio em dessintonia zumbisse no meio dos meus miolos. E a coisa piora quando vejo alguns desses se beijando sem, muitas vezes, mal se conversarem. Uma porque no meio da barulheira que há nesses lugares é impossível a permuta de palavras. E tudo isso não me entra no espírito. Pois eu juro - meu Deus! - eu juro, que já tentei fazer tudo isso para ver qual que é o barato. Não vi barato nenhum...

Outro exemplo é quando estou numa roda e os assuntos das conversas giram em torno de carros, bolsa de valores ou política. Esse tipo de situação acontece comigo freqüentemente em reuniões de confraternização entre os funcionários da empresa. Eu não consigo entender o que faz a turma gostar tanto de carro, principalmente daqueles carros que nunca poderão ter. O que entendo um pouco é a fixação pela discussão sobre investimentos em bolsas de valores ou outras formas de arrendamento de capital, afinal, o objetivo aí é ganhar grana. Apesar de eu não ser um leigo em economia, não é algo que é palatável ao meu estômago. Não me interesso por assuntos financeiros. E sobre política, apesar de eu me interessar (ao ponto de me fazer estudar Ciência Política), para mim é difícil discutir com a turma com que costumo lidar no cotidiano. Se escuta cada barbaridade! Principalmente daqueles que são seus chefes! Então, fico na minha moita e evito a polêmica, para evitar úlceras. Enfim, quando o assunto é algo que não me desperta o interesse ou quando os interlocutores não falam a mesma língua, o que fica no ar é a chiadeira do rádio tentando encontrar a sintonia da estação correta. Se os assuntos que despertam o seu interesse são poucos ou despertam o interesse de poucas pessoas, significa que você é mais sozinho do que outras pessoas que tenham um leque de assuntos prediletos mais variado. Ainda bem que eu gosto muito de futebol, senão, não teria muito o que conversar com essa galera, não é mesmo?

E quando se é obrigado a desempenhar uma tarefa que não se gosta? Ou quando se é obrigado a fazer algo que confronta seus princípios? Não dá um desconforto? E isso geralmente acontece no ambiente profissional, onde, por causa do grilhão que temos acorrentado ao estômago desde o nascimento, somos obrigados a fazer certas coisas que causam o mesmo desconforto da ingestão de um batráquio. Esse sentimento de desconforto é o mesmo do chiado do rádio quebrado que já não sintoniza mais estação nenhuma.

Isso tudo me sugere que cada um de nós sejamos como um rádio. Um rádio capaz de sintonizar algumas certas estações e em alguns determinados lugares. Estações e lugares que possuem a mesma freqüência que a nossa, que fazem sentido para nós. O que não faz sentido, o que não tem a mesma freqüência, causa ruído, chia. É o que faz o rádio ficar em dessintonia. E o tempo cujo o rádio fica em dessintonia, é o que dá a medida da solidão.

São Paulo, 29/07/2005

Um comentário:

Anônimo disse...

Logo de cara, no final do 1° parágrafo algo me chamou a atenção: "Mas, às vezes, fazer uso de ferramentas que funcionam em outras esferas da vida, como a Física ou a Química, ajudam como ponto de partida a quem se mete à besta de se meter em questões insolúveis"... de imediato me vi perdida, pois só faltou vc citar matemática pra complicar minha situação no quesito "eu ñ entendo nada disso"!
Sentir-se só "mesmo quando estou no meio de uma multidão" não é exclusividade sua. Sobre os assuntos destoantes vc tbém citou algo que define o q eu tbém faço nestas situações: "Então, fico na minha moita e evito a polêmica, para evitar úlceras".
Poxa, a relação que vc fez c/ a chiadeira da rádio ñ podia ser + perfeita. eu tbém já escrevi alguma coisa parecida num texto meu há um tempoa trás, por me enxergar exatemente com esta mesma sensação, só q no meu caso de barulho de chuveiro, q vai deixando a gente tonto... Este texto tá perfeito, é um dos meus favoritos... e olha q ele tá impresso, já até guadei! rs...