terça-feira, setembro 27, 2005

"O pulso ainda pulsa"

"Sei que ao inferno irei,
e a humanidade me agradecerá por isso.
Sei que ao inferno irei,
mas levarei uma nação inteira comigo."

O Anjo-vingador - Ivo La Puma

Uma coisa que aprendi a não ter nessa vida, em que nada temos de fato, é orgulho. Aquele mesmo, que nos faz ficarmos inertes, reclusos em nossa própria teimosia ou ignorância, e nos impede de dar o braço a torcer ou a mão à palmatória, que nos impede de reconhecer a razão alheia e que estávamos, em algum tempo, errados.

Pois é. Quando o Acústico MTV do Titãs foi gravado, torci o nariz. Como uma banda como o Titãs, que já cantara versos como "eu não gosto da igreja/ eu não entro na igreja/ eu não tenho religião", poderia desvirtuar seu som e se enquadrar em formatos não palatáveis às suas origens, rendendo-se ao grande monstro Kapital? Essa era a época em que escrevi aqueles versos acima, quando eu era anti-ianque de carteirinha.

Mas em pouco tempo fui dobrado. Tinha uma banda de garagem com mais cinco desvairados. Os "Anjos Nephilins". Ensaiávamos nas casas de cada um. Quando os pais de um enjoavam e nos enxotavam, mudávamos a barulheira para a casa de outro. Assim foi dos nossos quinze aos dezoito. E tocávamos rock, nosso estilo predileto. Tínhamos músicas próprias e fazíamos cover de Legião Urbana, Titãs e Capital Inicial, em sua maioria. Então. Como passei a tocar as músicas do Acústico, meu braço foi torcido, e passei a gostar do álbum também.

Comprei um aparelho que roda DVD semana passada. Queria que meu primeiro DVD fosse o "Filmes de Guerras, Canções de Amor", um ao vivo dos Engenheiros do Hawaii, minha religião. Devido ao preço, sua aquisição ficará para outro mês. Então houve uma promoção num site de compras eletrônicas. DVD mais CD. Dos títulos em promoção, havia o Acústico MTV dos Titãs. Ainda não tinha esse CD. Decidi também que seria o primeiro DVD.

Chegou hoje. Tomei-o em minhas mãos e, como se eu fosse um aparelho de DVD, um filme rodou em minha mente. Meu contrabaixo, meus cinco amigos, nossos sonhos de conquistar o mundo com armas que disparavam versos e notas musicais. Nostalgia.

Faz anos que não tocamos juntos. O destino dissipou a banda. As namoradas e as universidades interpelaram nosso projeto. Um é advogado, está casado e tem uma filha. Dois namora e mora em Araraquara, onde estuda Farmácia. Três também namora, mas mora em São Paulo, onde estuda Letras. Quatro namora também e também mora em São Paulo e trabalha com Tecnologia da Informação. Cinco não sei se namora, tenho poucas notícias. Sei que foi morar no Japão, ser dekassegue. O menos talentoso dos seis é solteiro hoje, é analista de sistemas e continua estudando, só que agora Ciências Sociais. Nas horas vagas, finge ser escritor e acredita possuir uma divina missão. Fica a escrever textos e versos, ditos, subversivos.

Há alguns dias, quatro desses seis reuniram-se outra vez. Infelizmente não para tocar. Choramos a morte de um amigo que Deus resolveu levá-lo no dia do aniversário de seus dois irmãos. Um deles o Três, que não tem a mesma idade do outro. Não é gêmeo.

Tenho esse péssimo hábito. Faço e vejo poesia em tudo. De Deus até a morte. Como antes, não sou mais anti-ianque. Faz tempo o subversivo suprimiu aquele rebelde. Mas ainda está guardado em mim os restos daquele outro. Do outro e dos outros. Os meus outros amigos e companheiros de devaneios.

Não vejo a hora de sair daqui e pôr o Titãs no toca-CD do meu carro...

Este é para os meus irmãos adotivos e anjos tortos, de asas atrofiadas, que juntos ousamos consertar as coisas quebradas, mas que nos quebramos pelo caminho... Ualace, Paulo Renato, Shoiti, Rodrigo e Renato. E para Kodji, outro irmão, tragado por Deus cedo demais para nossa conta.

Um comentário:

Anônimo disse...

Bom dia meu amigo subversivo, acho muito interessante como o tempo, uma coisa abstrata tão concreta modifica nossa vida de uma forma absurda... dilui sonhos, separa amores e amigos, leva alguns e substitui por outros, força que mudemos nossas idéias; tudo muito natural. E como não poderia deixar de ser, a morte sempre ao lado da vida... obrigado pela visita, e viaje com esse som novo q vc comprou! abraços!