quarta-feira, outubro 03, 2007

O pior cego é o mais feliz

"Como ela pode fazer isso? Tão moralista. E tão ciumenta. Mas isso não vai ficar assim!" Telefonou ao namorado da amiga, a fim de marcar um encontro e contar a sua descoberta.

- Então José, o que você me diz disso?

José dá um gole do seu chope bem calmamente, e encara Adriana. Acabou de ouvir que era um corno, mas o que ressoa em seu ouvido agora não é isso. José é um pragmático e um homem muito sensato, um advogado zeloso e ponderado, nunca iria acreditar numa acusação, de quem quer que fosse, sem as devidas provas concretas. Ainda mais uma acusação como essa, que lhe afeta incisivamente. O que orbita a mente de José é sobre o porquê da melhor amiga de sua namorada vir lhe contar tal história. "Se eu conto a alguém que este alguém é um corno, é porque eu espero que este alguém tome alguma providência, para limpar sua honra", deduz José. Queria Adriana que José terminasse com Cecília? Se sim, por quê? Adriana estaria a fim de José? Passa a analisar a moça mais detidamente. Adriana não é bonita, definitivamente. O nariz é torto, o rosto tem uma expressão meio azeda, de quem está sempre de mal humor. E o corpo é magro. Não tem peito, tem uma bundinha bem mixuruca, umas pernas de saracura. Ou seja, não dá para encarar. A não ser, então, que ela estivesse afim de sua namorada? Seria ela lésbica?

- Você tem namorado?

- Como?

- Sim, isso. Quero saber se você tem namorado?

- Mas, o que tem a ver isso? Eu acabei de lhe dizer que a Cecília se encontra secretamente com um outro homem e você quer saber se eu tenho namorado?

- Tem ou não tem?

- Oras, não!

Ah, mas que estupidez! O que prova se ela tem ou não tem namorado? Se tem, prova que não é lésbica e que não está a fim dele. Mas se não tem, não dá para provar nem uma coisa nem outra.

- Ah, sim, entendi. Não é nada disso. Primeiro que Cecília é muito amiga minha, eu nunca iria desejar homem algum dela. Segundo que você não faz o meu tipo...

- Por quê, então?

- Por quê? Oras, você quer saber mesmo? Eu não gosto de homens baixos...

- Por que você está me contando que Cecília está me traindo, afinal?

- Ah, tá, me desculpe, entendi que você queria saber...

- Não se preocupe, eu também nunca comeria você, ficamos assim quites.

Um relâmpago de ódio sai dos olhos de Adriana. Que mulher gosta de ser rejeitada desta maneira?

- Escuta aqui, eu só estou querendo lhe ajudar, mas vejo que você merece chifres mesmo, deve ser um baita dum brocha!

Ela se levanta bruscamente, quase derruba os copos de chope.

- Procure saber o que ela faz nas segundas em que você joga futebol, seu otário!

E vai-se embora. José a vê sair e vê todos que vêem tal cena. Fica enrubescido, mas não dá um pio. Não iria dar créditos àquela louca. Não é brocha, sabe disso. Comparece semanalmente com Cecília. Quer dizer, houve aquela vez em que refugou, mas também foi só uma vez, uma ocasião bem atípica. Estava sofrendo muita pressão no trabalho, o cliente não estava confiando nele, e a firma prescindia daquela causa. E ainda tinha a doença do pai, que estava internado. Mas será que Cecília foi capaz disso? De contar para a amiga da fatal brochada? E pior, seria Cecília capaz de arranjar um amante?

Sorve todo o chope do copo de uma vez só. Calma, José, todos são inocentes até que se prove o contrário. Cecília não tem antecedentes e nunca deu motivos para suspeitas. É verdade, contudo, que não existe ninguém que esteja acima de qualquer suspeita, não é mesmo? Mas será mesmo? A Cecília, uma moça tão recatada, tão moralista, que vive a criticar as prostitutas, as infiéis e as exibicionistas? E ela, que é tão ciumenta, que marca tão junto quanto um cabeça-de-área daqueles bem perna-de-pau? Não, traição não é compatível com o seu perfil.

Vê que Adriana deixou bastante chope dando sopa e também manda pra dentro. "É, não tem jeito. Só investigando."

Segunda-feira à noite. José dá uma desculpa aos amigos e não vai jogar futebol. Toma emprestado o carro de um amigo e se tocaia próximo à casa de Cecília. Ligou para ela minutos antes, para dizer um "eu te amo" e se certificar de que ela está mesmo em casa. No carro, enquanto pratica a sua tocaia, elabora algumas reflexões a respeito de uma nova questão, além da de saber se Adriana tem ou não razão e se Cecília é uma infiel. O que fazer se for verdade mesmo? Oras, terminar a relação, sem dúvida, mas, quer mesmo ter que fazer isso? Se a amiga, aliás, mui amiga, não lhe contasse nada, José continuaria do mesmo jeito, sem saber que pode ser corno e jogando seu sagrado futebolzinho de segunda-feira numa boa, como sempre. Ao passo que, descobrindo a infidelidade de Cecília, teria que terminar tudo, porque é homem honrado, e teria que passar o vexame de responder aos amigos, quando lhe perguntassem o porquê de estar solteiro, "porque peguei ela com outro!". Sim, porque José, como dito, é homem honrado, nunca mentiria. Contudo, se ele não descobrisse nada, não teria que mentir.

E agora, José? Vai ficar até o fim e correr o risco de se descobrir corno, ou vai embora e ficar até o fim com a dúvida pairando na cabeça? "Essa Adriana é uma vaca, uma mal-comida! Aliás, nem comida ela é!"

Taí, questão resolvida. É a vaca da Adriana que quer dar para o José, e ele caindo em seu ardil. "Eu, cair nestes joguetes de mulherzinha? Sou mais esperto!" José engata a primeira e se evapora. Olha só, ainda vai dar para chegar a tempo de bater a religiosa bolinha.

Não dá nem cinco minutos. A campainha de Cecília toca. A porta se abre e um homem adentra a casa. É recebido pela namorada de José.

3 comentários:

Soraya disse...

Hein?!?!?!
Como assim? A história acabou????
"Bebi" sua história, Ivo!!!
Conta mais!!!!
Quero saber mais!!!
É sério!!
Adorei!!!!!!!

Como está, meu amigo distante???
Mesmo não deixando recadinhos sempre dou uma passadinha por aqui, viu?!
Beijos ;)

Stephanie disse...

há momentos em que a ignorância é uma alegria. Saber certas coisas nos obriga a sair de uma certa inércia - algumas vezes, bem cômoda. Muito bom seu texto.

Ivo, valeu pelo apoio lá no blog com a questão da cópia. O sujeito apagou o próprio blog, o que me leva a crer que haviam outros plágios ali e ele ficou com medo de ser exposto, ou receber comentários desagradáveis de pessoas solidárias com o meu caso.

=)

beijo

Selvageria disse...

Ruá, ruá, ruá, gostei muito do texto. É a sina de todo macho, desconfiar da mulher; é uma de nossas fraquezas, que são muitas...

Agradeço os elogios e gostei que você tenha visitado meu blog. Dei uma passeada no seu e gostei do que vi -- como você, prefiro o estilo crônica, sou preguiçoso demais pra ficar burilando algo e aperfeiçoando. Dificilmente gasto mais de um dia pra escrever meus trecos. Seu texto flui, cara. É bom encontrar pessoas assim pela blogosfera!

Vou colocar seu link na minha página... vamos nos falando, estou tentando deixar atualizado o "Beije-me Idiota" o máximo possível (também como você, fiquei um tempão sem escrever, estou tentando recomeçar aos poucos). Bendita a Stéfs! grande abraço e a gente se fala.