quinta-feira, janeiro 19, 2006

A guerra civil brasileira

Se não houvesse Estado, se não houvesse o detentor legítimo do uso da violência, certamente viveríamos num lugar onde todos pudessem fazer tudo o que lhes fosse possível, um lugar onde todos fossem plenamente livres. Mas em tal lugar, quem quisesse atentar contra a vida de alguém, assim poderia, pois não haveria poder superior que o constrangesse. Esse tal lugar, sem poder superior, onde a anarquia imperasse, fatalmente seria um lugar terrível de se viver. A vida de cada um estaria em constante perigo. A morte por violência espreitaria a todos a todo o momento.

Foi por esse raciocínio, imaginando como seria o mundo sem Estado, que Thomas Hobbes, filósofo inglês nascido no século XVI, desenvolveu sua teoria. Ele concebeu o Estado como sendo uma instituição dotada de poderes superiores que pudesse tomar decisões em nome de todos os contratantes (os cidadãos, no caso). O Estado seria instituído quando cada um renunciasse ao seu direito natural de fazer o que se quisesse, e passasse a este tal direito. Nesse momento, o estado de natureza, que é o estado onde todos podem tudo, onde todos estão em guerra contra todos, é anulado e o estado civil é instaurado. Oras, temos então a razão de ser do Estado: preservar a vida dos cidadãos.

Um parênteses. Hobbes não determina como surgiu o Estado. Ele preconiza sua formação a partir dos indivíduos, ou seja, os indivíduos precedendo o Estado. Mas isso ele não data, ou seja, não aponta historicamente sua formação. Sua concepção é puramente teórica. Já seus sucessores concebem o contrário. Desde sempre existiu o Estado, e o indivíduo é conseqüência da sociedade moderna.

Mas isso não invalida em nada o que Hobbes teorizou. Seu trabalho serve muito bem para entender como seria uma sociedade sem leis e sem um poder que faça elas valerem. E toda essa introdução que faço é provocada por uma notícia que assisti na semana passada.

Estava assistindo televisão com a sogra na casa da minha namorada, enquanto eu a esperava fazer não sei o quê (é que agora eu não me lembro). Era um noticiário, um que passava na Record no fim de tarde, apresentado pelo Faccioli e por uma jornalista bonitinha, mas que não me lembro o nome. Acho que já a vi em outro canal apresentando programa esportivo, salvo engano meu. Bom, o caso era que estava sendo apresentado uma reportagem sobre a série de atentados realizados a carros e bases da Polícia Militar aqui em São Paulo. Hobbes, se estivesse conosco assistindo ao mesmo noticiário, diria que esses ataques seriam indícios de guerra civil, pois um outro poder estaria rivalizando com o poder estatal. Ele diria que estaria deflagrado o estado de natureza.

Mas o que me deixou mais estarrecido na reportagem foi um depoimento de um soldado da PM que, por motivos óbvios, não se identificou. Disse o soldado que eles retardavam de 3 a 5 minutos a chegada aos locais onde haveria qualquer ocorrência de possível confronto com bandidos. "Temos medo de morrer", sentenciou o soldado. Tal é a capacidade de se armar dos bandidos, tal tem sido cruento o dia-a-dia dos policiais, que eles estão com medo. A polícia está com medo de bandido!

Essa reportagem é um bom retrato da falida situação da segurança pública. No Brasil de hoje, a polícia é açoitada pelos bandidos, os policiais são mal aparelhados, ganham mal e têm medo de morrer; os cidadãos não temos segurança nenhuma e nossas vidas estão em constante risco, pois nem mais a polícia quer nos socorrer.

E se a polícia é incapaz de manter o estado civil, pois é incapaz de exercer soberana e legitimamente o monopólio da violência, a vida dos cidadãos não está segura. Logo, um Estado incapaz de garantir a vida de seus cidadãos não tem razão nenhuma para existir.

2 comentários:

BR... disse...

Comentando o seu comentario no meu blog. Uma vez ouvi uma teoria que nos ja passamos por guerras, por virises, por epidemias e por tudo o mais...para hoje podermos estar aqui neste mundao...Tudo aquilo que meu e que os seus antepassados sofreram, vc sofreu junto, para hoje podermos estar aqui, vivos, eles sobreviveram para nos nascermos e viver....enfim.
Entao, eu nasci realmente pq minha mae deu certo!

Anônimo disse...

é mesmo estarrecedor o estado em que nos encontramos, assistindo a tudo isso, de maneira passiva, não por vontade própria, mas pq assim se faz necessário, por motivo de força maior: a impotência. Se a polícia "tem medo de morrer", que diremos a nosso respeito? Tem alguma coisa a ser dita?