sexta-feira, dezembro 26, 2008

As mãos que não se lavaram - I

Diz que era um pátio. À frente, o palácio. Atrás, uma multidão. Muitos eufóricos, enraivecidos. Outros apenas ansiosos, curiosos. Ali, havia eu, que olhava para frente e via muitos soldados, margeando a multidão do palácio. E via, também, no alto do prédio, uma espécie de varanda, grande, onde duas figuras se distinguiam. Uma delas tratava-se de uma figura de suma importância. Tratava-se de um representante do Imperador, o ser supremo do mundo até então conhecido. A outra, bem, a outra se tratava simplesmente de um homem. O Homem. O representante do criador de todo o mundo, seja ele conhecido ou não.

Sim, eu assistia ao julgamento Dele. A ilustre figura era Pôncio Pilatos, que arbitrava o julgamento. Sedentos por sangue, estavam lá os principais sacerdotes dos judeus – os zeladores da Lei, até então seguida – e seus demais seguidores do povo, que gritavam: “Crucifica-o! Crucifica-o!” Pilatos dizia aos furiosos: “Nenhum crime eu acho nele!” Mas a multidão prosseguia: “Crucifica-o! Se o soltas, não é amigo de César! Qualquer um que se faz rei está contra César!”

Eu vi. Naquela hora, Pilatos engoliu em seco. Os olhos esbugalharam e uma fria gota de suor escorreu-lhe. Voltou-se para sua esposa, que também assistia ao julgamento, num canto quase invisível da varanda. Em súplicas, ela balançava a cabeça, como se dissesse: “Não, Pilatos! Pelo amor de Deus, não!”

Não seria pelo amor de Deus. Para Pilatos, só havia o temor. Por César! Mas eis que houve o amor. Por sua esposa. Pilatos proferiu: “Não haverá crucificação alguma! Este homem não é criminoso! Se o acham que seja um, então mandarei açoitá-lo e o jogarei na prisão, mas não permitirei que lhe tirem a vida!”

Dito isto, a multidão efervescera. Os sacerdotes protestavam contra o veredicto de Pilatos, acusavam-no de traidor. Constrangido, o governante ordenou que sua guarda reprimisse e dispersasse os revoltosos. Em pânico, muitos correram, eu inclusive. Mas tropecei, e os que vinham atrás de mim, passaram a vir por cima de mim.

(continua mais tarde)