terça-feira, maio 20, 2008

Uma singular visão

Nos últimos dias, comecei dois textos que ainda não consegui pôr um termo e talvez nem consiga. Um texto era sobre uma reflexão sobre o maior tema da minha vida, no sentido de, aquele que mais me preocupa. O fim da vida. Apesar de eu acreditar que este seja o maior tema da vida de todos, não é o que aparenta para mim. Poucos são os que abertamente já disseram ter as mesmas preocupações que eu tenho. A maioria não se importa com o fim da vida. Quer dizer, aparenta não se importar.

O outro texto era sobre a morte do radialista Antônio Carvalho, da Rádio Bandeirantes, que apresentava dois programas regulares, pelo menos que eu sabia. Um era o Grande Sampa, que era irradiado diariamente das 4:00 às 6:00, exceto aos domingos, quando apresentava o Arquivo Musical, programa, aliás, no ar há 32 anos. Fazia pouco tempo que eu escutava o Antônio Carvalho, pois faz pouco tempo que passei a ter o costume de acordar bem antes do sol nascer para ir ao trabalho e fugir do bestial trânsito paulistano. Foi nesse recém-costume, que me acostumei a ter a companhia de sua voz, uma voz potente, que aparentava carregar muito mais experiência do que os 62 anos que ele conviveu conosco nesta terra. Fiquei chocado. Imaginava que fosse um ancião, que tivesse uns 70 anos para mais. Mas não, eram somente 62, e faleceu vítima de um dos maiores males da nossa época - o câncer. Neste caso, o que o acometeu era um no sangue, uma leucemia.

Pois é. Não consegui concluir nenhum destes textos. Eu estava querendo muito divagar sobre estes assuntos, mas tenho me sentido muito incompetente nos últimos tempos. Aliás, tenho sentido muita coisa nos últimos tempos. Raiva, ansiedade, tristeza, alegria, angústia e uma fleuma. Bem, fleuma não é bem um sentimento, mas não encontro no momento nenhuma outra palavra que possa descrever melhor este não-sentimento que tenho sentido. Mas como dizia, tenho me sentido muito incompetente, pois não tenho conseguido concluir aquilo que começo. Pode ser porque tenho começado coisas num número muito grande para que um reles mortal, pecador e imperfeito como eu possa dar conta. Mas não posso me furtar a desconsiderar a hipótese da minha incapacidade em dar contas das coisas. Uma vez que é uma práxis minha querer fazer coisas das quais não tenho nenhuma competência. Uma delas é escrever. É que eu escrevo porque sou um tanto vaidoso e tenho sempre a esperança de que algum desavisado qualquer leia estas coisas que costumo escrever por aqui e, olha só como são as coisas da vida, talvez gostar ou ter algum apreço. Quando isto não acontece, acabo escrevendo mesmo para poder expurgar minhas idéias e tornar minha mente e meu coração livres dos sentimentos que elas me acarretam.

E só para se ter uma idéia desta minha capacidade de querer fazer coisas das quais não sou capaz, o que me motivou a escrever este texto foi uma singular visão que tive hoje de manhã bem cedinho, com o céu ainda meio escuro, quase claro, quando me dirigia ao trabalho nesta tentativa cada mais vã de fugir do trânsito. Estava na Marginal do Tietê, ainda lá no início, saindo de Guarulhos, vi a minha frente, mais precisamente a noroeste, lá na linha do horizonte, a lua, toda cheia, se despedindo de todos e indo, talvez, para o Japão, e no meu retrovisor direito, o sol, todo laranjão, subindo e cumprimentando a todos. Por alguns minutos, pareceu que eles se olharam, como se estivessem se olhando, um de um lado e o outro do outro de uma estrada qualquer, e num meneio de cabeça, se cumprimentaram, talvez como num ritual de passagem de turno. A lua deixando o posto para o sol, neste posto cujo ocupante tem a missão de fazer companhia a todo mundo pelo mundo todo. Senti-me cumprimentado também. E abençoado. Com aquela mesma benção que a mãe sempre nos dá quando saímos de casa para mais uma jornada, estudantil ou mercantil.

"Que hoje seja melhor que ontem e pior que amanhã. Porque a vida é um eterno para frente e para o alto. Não tem para trás." - Frase com que Antônio Carvalho se despedia dos ouvintes sempre que terminava o seu Grande Sampa.