sábado, outubro 20, 2007

Registro do tempo

Tanta coisa para fazer nas últimas semanas, tão pouco tempo para desintoxicar meu cérebro, e nem me dei conta que amanhã fará cinco anos que trabalho numa mesma empresa, e que no primeiro dia deste mês eu fiz dez anos de profissão - a de desenvolvedor de sistemas de informática.

Eis o registro. Do tempo, que está passando, e de mim, que estou ficando velho.

terça-feira, outubro 16, 2007

O torcedor, um consumidor?

(O consumidor pode ser um torcedor, mas o torcedor não deve ser um consumidor)

Acabo de ler uma matéria no Globo.com a respeito da última pesquisa sobre as torcidas dos clubes brasileiros, "Pesquisas confirmam os cinco maiores". A pesquisa, realizada pela CNT/Sensus, diz o mesmo que as pesquisas anteriores: as maiores torcidas brasileiras continuam sendo a flamenguista, a corintiana, a sãopaulina, a palmeirense e a vascaína (respectivamente, em ordem de grandeza). As porcentagens divergem um pouco, mas a ordem não.

Pois bem, estou escrevendo agora, não pela pesquisa em si, mas sim pelo que li no último parágrafo da referida matéria. É conhecido que o dirigente sãopaulino, o Marco Aurélio Cunha, gosta muito de provocar os adversários, dar declarações polêmicas, criar um clima sobre qualquer assunto referente às rivalidades entre os clubes. O que não é ruim, pelo contrário, é algo que ele sempre faz respeitosamente. Futebol também serve (aliás, só deveria servir) para diversão, e na medida em que as rivalidades não ultrapassam a linha do fanatismo, as provocações entre os rivais são gostosas de se ver. Porém, não dá para admitir o que ele afirma em sua declaração. Não dá para admitir que "o torcedor quer títulos e administração limpa" somente.

Como eu disse, o referido sãopaulino é um provocador. É fácil perceber que ele só está puxando a sardinha pro lado dele, exaltando o momento atual em que o São Paulo Futebol Clube vive, já que o clube concorre o título de todo campeonato que disputa, o que é fruto de sua administração. É óbvio que o objetivo primário de sua declaração é alfinetar a torcida corintiana que, apesar do desastre que é a sua administração, tendo em vista o noticiário sobre a política alvinegra dos últimos tempos, ainda detém a hegemonia perante a massa de torcedores dos clubes paulistas. Com a manutenção da fase em que Corinthians e São Paulo atravessam hoje, conforme disse o Marco Aurélio, amanhã a torcida sãopaulina ultrapassará a corintiana, o que seria um golpe tremendo no ego dos alvinegros, que se orgulham de ser a maior torcida de São Paulo, e ainda contestam a hegemonia flameguista em nível nacional.

Contudo, o que está no pano de fundo de sua declaração transcende o contexto das rivalidades entre torcidas. Quando o dirigente tricolor diz que o "torcedor quer títulos e administração limpa", ele poderia estar dizendo que o "consumidor quer títulos e administração limpa". E também não seria absurdo nenhum dizer que o "cidadão quer administração limpa", se levarmos a coisa para o âmbito dos direitos políticos. Mas vamos ficar somente no contexto mercadológico, que é o que acho mais importante para a discussão, uma vez que o futebol é um negócio que gera muito dinheiro. Para uma pouca gente, infelizmente.

Eu vou falar por mim. Eu não torço pro Palmeiras só porque eu quero títulos e administração limpa. O Palmeiras passou por uma fase de jejum de títulos justamente na fase em que eu me descobri gente e me interessei por futebol. Eu nasci em 1980, fui ao estádio a primeira vez em 1986, quando assisti a um Palmeiras x Corinthians no Pacaembu, levado por meu pai. Ali fazia dez anos que o Verdão não erguia taça alguma, algo que foi acontecer somente em 1993. Durante esse período de jejum, como eu sonhava em ser jogador de futebol, já cheguei a vestir a camisa corintiana nos campeonatos de mirins da várzea. Já cheguei, inclusive, a pegar autógrafos de corintianos como o Neto e o Ronaldo, uma vez que eu treinava nos terrões do Parque São Jorge, justamente naquele ano em que o Corinthians foi campeão brasileiro pela primeira vez. E nem por isso eu deixei de ser palmeirense. E depois, quando a Parmalat foi-se embora, levando junto os grandes esquadrões alviverdes da década de 90, e em seu lugar veio a pior administração palmeirense de toda a sua história - pois nunca poderemos nos livrar da queda a Série B em 2002, fruto da medíocre administração de Mustafá Contursi que, junto com Vanderlei Luxemburgo, foi o principal responsável por esta mancha na vida de cada palmeirense - nem isso tudo me fez desistir da minha paixão.

Aliás, é justamente por isso, pela paixão que move cada torcedor, que não dá para admitir a declaração de Marco Aurélio. Quando uma pessoa escolhe um time para habitar o coração, não é por causa dos títulos que o time vem ganhando. Se fosse assim, eu não seria palmeirense; a torcida corintiana estaria à beira da extinção em 1977, quando findou o jejum de 23 anos sem títulos (e além de não estar para se extinguir, ainda era a maior de São Paulo); e a torcida sãopaulina já era para ser a maior do Brasil, pois já faz mais de dez anos que o tricolor é bi-campeão mundial (agora é tri), e o Flamengo é somente campeão mundial, título conquistado no longínquo 1981.

Definitivamente, o torcedor não quer títulos e administração limpa. Ele quer é torcer pelo time que ele se apaixonou, só isso. E digo mais, é esta visão mercantil e, a meu ver, tacanha do futebol que vai matar o próprio futebol. Pois hoje é o tempo em que os jogadores trocam de time como se trocam de cueca, o que já limou os ídolos das torcidas brasileiras, salvo às exceções de praxe (Marcos e Rogério Ceni). Hoje é o tempo do futebol brucutu, em que se exalta o pragmatismo burocrático, expressado pelo próprio São Paulo, em detrimento dos craques, como o Kérlon ou o nosso Valdívia, que quando tentam expressar a sua arte, são caçados impiedosamente pelos truculentos de dentro do campo, os zagueiros e volantes do naipe de Gavilán e Sandro Goiano, e de fora do campo, os cronistas do naipe de Paulo Morsa ou Arnaldo César Coelho, que vivem a dizer por aí que tal jogador é cai-cai, ou que tal jogador provoca os adversários.

Felizmente, as razões para que um torcedor seja torcedor são muitas, não só a razão apresentada pelo Marco Aurélio. Porém, as razões para que o futebol brasileiro esteja nesta condição em que se encontra são muitas e, infelizmente, este espaço é pequeno e insuficiente para esmiuçá-las. O que quero deixar explícito é que a minha defesa aos craques e aos ídolos de futebol não é puro saudosismo. É uma tentativa de se fazer abrir os olhos dos empreendedores do futebol. Antes de o futebol ser esse colosso mercantil que é, o futebol foi amador e movido pela paixão. Aliás, ainda é movido pela paixão, pois o torcedor, tanto na frente da tevê como sentado na arquibancada, quer é ver os grandes lances, vibrar com as jogadas espetaculares, comemorar os golaços. O torcedor quer é se emocionar.

quarta-feira, outubro 03, 2007

O pior cego é o mais feliz

"Como ela pode fazer isso? Tão moralista. E tão ciumenta. Mas isso não vai ficar assim!" Telefonou ao namorado da amiga, a fim de marcar um encontro e contar a sua descoberta.

- Então José, o que você me diz disso?

José dá um gole do seu chope bem calmamente, e encara Adriana. Acabou de ouvir que era um corno, mas o que ressoa em seu ouvido agora não é isso. José é um pragmático e um homem muito sensato, um advogado zeloso e ponderado, nunca iria acreditar numa acusação, de quem quer que fosse, sem as devidas provas concretas. Ainda mais uma acusação como essa, que lhe afeta incisivamente. O que orbita a mente de José é sobre o porquê da melhor amiga de sua namorada vir lhe contar tal história. "Se eu conto a alguém que este alguém é um corno, é porque eu espero que este alguém tome alguma providência, para limpar sua honra", deduz José. Queria Adriana que José terminasse com Cecília? Se sim, por quê? Adriana estaria a fim de José? Passa a analisar a moça mais detidamente. Adriana não é bonita, definitivamente. O nariz é torto, o rosto tem uma expressão meio azeda, de quem está sempre de mal humor. E o corpo é magro. Não tem peito, tem uma bundinha bem mixuruca, umas pernas de saracura. Ou seja, não dá para encarar. A não ser, então, que ela estivesse afim de sua namorada? Seria ela lésbica?

- Você tem namorado?

- Como?

- Sim, isso. Quero saber se você tem namorado?

- Mas, o que tem a ver isso? Eu acabei de lhe dizer que a Cecília se encontra secretamente com um outro homem e você quer saber se eu tenho namorado?

- Tem ou não tem?

- Oras, não!

Ah, mas que estupidez! O que prova se ela tem ou não tem namorado? Se tem, prova que não é lésbica e que não está a fim dele. Mas se não tem, não dá para provar nem uma coisa nem outra.

- Ah, sim, entendi. Não é nada disso. Primeiro que Cecília é muito amiga minha, eu nunca iria desejar homem algum dela. Segundo que você não faz o meu tipo...

- Por quê, então?

- Por quê? Oras, você quer saber mesmo? Eu não gosto de homens baixos...

- Por que você está me contando que Cecília está me traindo, afinal?

- Ah, tá, me desculpe, entendi que você queria saber...

- Não se preocupe, eu também nunca comeria você, ficamos assim quites.

Um relâmpago de ódio sai dos olhos de Adriana. Que mulher gosta de ser rejeitada desta maneira?

- Escuta aqui, eu só estou querendo lhe ajudar, mas vejo que você merece chifres mesmo, deve ser um baita dum brocha!

Ela se levanta bruscamente, quase derruba os copos de chope.

- Procure saber o que ela faz nas segundas em que você joga futebol, seu otário!

E vai-se embora. José a vê sair e vê todos que vêem tal cena. Fica enrubescido, mas não dá um pio. Não iria dar créditos àquela louca. Não é brocha, sabe disso. Comparece semanalmente com Cecília. Quer dizer, houve aquela vez em que refugou, mas também foi só uma vez, uma ocasião bem atípica. Estava sofrendo muita pressão no trabalho, o cliente não estava confiando nele, e a firma prescindia daquela causa. E ainda tinha a doença do pai, que estava internado. Mas será que Cecília foi capaz disso? De contar para a amiga da fatal brochada? E pior, seria Cecília capaz de arranjar um amante?

Sorve todo o chope do copo de uma vez só. Calma, José, todos são inocentes até que se prove o contrário. Cecília não tem antecedentes e nunca deu motivos para suspeitas. É verdade, contudo, que não existe ninguém que esteja acima de qualquer suspeita, não é mesmo? Mas será mesmo? A Cecília, uma moça tão recatada, tão moralista, que vive a criticar as prostitutas, as infiéis e as exibicionistas? E ela, que é tão ciumenta, que marca tão junto quanto um cabeça-de-área daqueles bem perna-de-pau? Não, traição não é compatível com o seu perfil.

Vê que Adriana deixou bastante chope dando sopa e também manda pra dentro. "É, não tem jeito. Só investigando."

Segunda-feira à noite. José dá uma desculpa aos amigos e não vai jogar futebol. Toma emprestado o carro de um amigo e se tocaia próximo à casa de Cecília. Ligou para ela minutos antes, para dizer um "eu te amo" e se certificar de que ela está mesmo em casa. No carro, enquanto pratica a sua tocaia, elabora algumas reflexões a respeito de uma nova questão, além da de saber se Adriana tem ou não razão e se Cecília é uma infiel. O que fazer se for verdade mesmo? Oras, terminar a relação, sem dúvida, mas, quer mesmo ter que fazer isso? Se a amiga, aliás, mui amiga, não lhe contasse nada, José continuaria do mesmo jeito, sem saber que pode ser corno e jogando seu sagrado futebolzinho de segunda-feira numa boa, como sempre. Ao passo que, descobrindo a infidelidade de Cecília, teria que terminar tudo, porque é homem honrado, e teria que passar o vexame de responder aos amigos, quando lhe perguntassem o porquê de estar solteiro, "porque peguei ela com outro!". Sim, porque José, como dito, é homem honrado, nunca mentiria. Contudo, se ele não descobrisse nada, não teria que mentir.

E agora, José? Vai ficar até o fim e correr o risco de se descobrir corno, ou vai embora e ficar até o fim com a dúvida pairando na cabeça? "Essa Adriana é uma vaca, uma mal-comida! Aliás, nem comida ela é!"

Taí, questão resolvida. É a vaca da Adriana que quer dar para o José, e ele caindo em seu ardil. "Eu, cair nestes joguetes de mulherzinha? Sou mais esperto!" José engata a primeira e se evapora. Olha só, ainda vai dar para chegar a tempo de bater a religiosa bolinha.

Não dá nem cinco minutos. A campainha de Cecília toca. A porta se abre e um homem adentra a casa. É recebido pela namorada de José.