terça-feira, julho 03, 2007

A vida de Giovani

A vida de Giovani era uma droga, não valia nada. Por quê? Escuta só...

Giovani sempre sonhou em ser médico. De família pobre, teve que ir para a rua trabalhar logo aos quatorze, para ajudar a mãe, viúva e imigrante, a sustentar seus quatro irmãos mais novos. Não deu para ser médico. Só deu para se formar em Contabilidade. E com muito esforço. E com muito mais esforço, conseguiu um emprego em uma empresa boa. Daquelas tipo grande, multinacional, com mais de mil funcionários, que dá orgulho em dizer "eu trabalho na XYZ do Brasil". Conseguiu também um bom casamento, com uma moça de família, honesta, limpinha, batalhadora, que nem ele.

É. Pensando bem, nem sempre a vida de Giovani foi uma droga... Mas, continua escutando. Algum tempo depois de casado, ele e sua esposa tiveram um ragazzo. Esse vai ser médico! Dizia ele. Calma, é o menino que vai decidir isso quando crescer! Dizia ela. Que nada! Eu vou dar todas as condições para ele estudar! Ele vai escolher a Medicina! Una carriera cosí bella! Eis que o menino virou um varão. Mas até a parte do "indivíduo de idade adulta; homem destemido e viril". A parte do "homem digno de respeito, venerável, ilustre" ficou só por conta da malandragem que se juntou a ele. Il ragazzo è diventato un ladro. Ladrão de banco, e dos bons. Mas deu que um dia a polícia o pegou.

Como dizem por aí: desgraça pouca é bobagem. A XYZ Corporation, matriz da XYZ do Brasil, para onde eram remetidos os lucros, considerou que as remessas haviam diminuído demais e já não valia mais a pena manter a filial sul-americana. Desfecho: mais de mil na rua, dentre eles, o recém-pai-de-detento Giovani. Porca miséria! Trinta anos de dedicação, fidelidade, litros de sangue e rios de dividendos para eles, que nem sabia quem eram, para quê? Para quê? Olha o Giovani agora! Um desgraçado! E desempregado! Com a casa e o carro alienados no banco! Ah, mas, pelo menos, Giovani tem sua digníssima esposa...

Ai, ai. Estou até com dó de continuar. No mesmo dia em que Giovani levara um pé na bunda dos patrões, sua esposa, desgostosa da vida e cansada de um marido indiferente a ela, que só pensava em trabalhar e em fazer do filho um cirurgião, o fez o mais novo galhudo do bairro. Foi-se embora com um outro dez anos mais novo.

Dez anos mais novo que quem? Ah, tanto faz! É corno mesmo! Aham... Por isso eu disse que a vida de Giovani não valia nada. Era um desgraçado. Estava desempregado e endividado. E ainda com chifres. Não tinha mais nem coragem de andar pelo bairro. Por isso estava do outro lado da cidade, com seu umbigo encostado no balcão de um boteco qualquer. Estava em transe, rodava em suas retinas todo o filme de sua vida, e ingeria o seu primeiro e último trago de cachaça. Logo, logo, iria pôr um ponto final em tanta desgraceira...

- Apita o árbitro! Está encerrada a partida! E o Palmeiras consegue pôr um fim a um jejum de cinco partidas sem vitórias! E justo em cima do seu arqui-rival! Gabriel, agora é com você! Vamos falar com os heróis do dia! Bradou o radialista no botequim.

- Perdemos pros porcos de novo! Oh, não! Que desgraça! Bradou o corintiano dono do botequim.

Giovani despertou do transe. O Palmeiras ganhou do Corinthians? Vinciamo il Curíntia? Vinciamo il Curíntia, Santo Dio! Esse é o meu Palestra! Nunca me deixa na mão!

- Meu senhor, não tem desgraça nenhuma! Não tem desgraça nenhuma! Bradaram as mãos (com aquela típica maneira italiana de falar) de Giovani ao dono do botequim.

Giovani largou em cima do balcão sua última nota de cinco reais ao lado do copo inacabado de cachaça, e saiu do boteco, saltitando pela rua à Carlitos (batendo as palmas dos pés a cada salto). Com a nota e o copo, largou também a idéia de sair da vida. De troco, levou mais uma chance de poder viver essa loucura que é a vida. Com todas as paixões, desilusões, sofrimentos e o que mais lhe for de direito.