quarta-feira, maio 19, 2004

Reflexões sobre a decapitação de um americano no Iraque

A Internet é uma mídia impressionante, descomunal, revolucionária. A mesma Internet que permite que eu publique ao mundo esses meus textos é a que permite que vídeos como a da decapitação do americano por aquele grupo iraquiano rebelde sejam difundidos e assistidos por todos. Recebi um e-mail com o tal vídeo e, dada a minha curiosidade, assisti àquilo. É bizarro, horripilante. Fiquei muito abalado com o que vi. Cenas de crueldade sem tamanho. Se a qualidade das imagens fosse melhor, creio que meu café da manhã já estaria em cima do meu teclado.

Quando soube do fato, fiquei a imaginar a cena, o momento da decapitação, o que se passava na cabeça dos carrascos e do infeliz. Só a imaginação me deixava deprimido. Infelizmente, é impossível censurar pensamentos, e não conseguia deixar de pensar nisso. Então recebi o e-mail com o tal vídeo. Um frio me deu na barriga. Mas abri o e-mail e executei o vídeo. E assisti. Contemplei. Transportei-me para a vítima. Enquanto assistia, fui capaz de escutar até as palpitações de meu coração, na excitação que eu me encontrava. Uma excitação deprimente.

Após esse processo, a pergunta que não consigo responder me veio: como algum ser humano consegue fazer algo desse tipo a outro? Refleti uns minutos sobre isso. Lembrei-me de que decapitações já ocorreram aqui no Brasil em muitas dessas rebeliões de presidiários, quando os líderes revoltosos aproveitavam a ocasião para massacrar seus rivais. Lembrei-me também do jornalista carioca, o Tim Lopes, que foi esquartejado vivo pelo Elias Maluco, líder de quadrilha e traficante de drogas. E lembrei-me de diversos outros episódios de trucidação a sangue frio que houveram no passado. O esquartejamento de Tiradentes, as decapitações de reis absolutistas ou mesmo as execuções que os Estados prescreviam a seus condenados em épocas passadas. Mesmo que talvez em intensidade, por exemplo, as decapitações da era robespierrana não sejam como às da era binladeana, não consigo deixar de considerar que uma execução seja um escalabro. Não consigo achar natural que, sem peso na consciência, se determine o fim da vida de um indivíduo. Mas com tudo o que eu vejo, fico perplexo em tentar saber se a ausência de repugnância a qualquer execução é uma questão de raciocínio ou de estômago.

Após relembrar todos esses casos indecorosos, percebi que fazia a pergunta errada. Perguntando como que uma pessoa consegue trucidar outra não me faria entender esses acontecimentos. Percebi que a pergunta certa era por que uma pessoa faz isso? Quais as finalidades? Aí temos resposta. Uma decapitação, um esquartejamento ou mesmo um fuzilamento aterrorizam os demais. Deixa com medo aqueles que tomam conhecimento disso, mais ainda aqueles que estão próximos do trucidador. Está aí o motivo: demonstrar poder causando temor aos corações dos demais. Todos eles querem passar a idéia de que são fortes, para conseguir atingir seus objetivos. Num contexto como esse, em que é na medição de forças que se decide quem vence e quem perde, tudo isso faz sentido, tudo isso se torna lógico.

Tudo racional, mas tudo desesperador para mim, que já não sei mais como encontrar motivos para acreditar na superioridade da minha espécie sobre essa terra.

Escrito em 18/05/2004

segunda-feira, maio 17, 2004

Uma odisséia paulistana

Já é manhã em mais uma sexta-feira na cidade de São Paulo. As sextas-feiras paulistanas, como todos os demais dias da semana, são de árdua labuta para milhares de pessoas. Homens e mulheres, jovens, maduros, alguns já idosos, brancos, negros e mestiços, migrantes, imigrantes e paulistanos “da gema”. Mas para alguns desses trabalhadores, a sexta-feira é um dia especial, pois representa o prenúncio do fim de semana, que é sempre uma expectativa de prazer e descanso. Pelo menos até a chegada do domingo. Este é o caso de Ulisses, que no momento viaja, como se fosse uma sardinha enlatada, pelo metrô rumo ao local do seu emprego. Ulisses é um humilde rapaz de 19 anos que acabara de ser efetivado em uma empresa do ramo da Tecnologia da Informação na função de programador de sistemas de computador. Uma empresa que possui clientes pelo Brasil e América Latina e que simboliza toda a opulência da sofisticada economia paulistana.

Enquanto viaja, Ulisses pensa sobre o dia seguinte, sábado, dia em que irá ao estádio Palestra Itália, para assistir a uma partida do time do seu coração, o Palmeiras, uma paixão que nutre devido a sua descendência italiana. Será amanhã que o Palmeiras sacramentará sua ascensão à divisão de elite do futebol brasileiro. “Lugar em que nunca deveria ter saído”, é o que sempre pensa quando durante todo o ano tocava-se no assunto futebol e sobre o vexatório rebaixamento ocorrido no ano anterior. “Hoje terei o ingresso em mãos. Foi muita sorte o Moacir ter conseguido comprá-lo”. E o metrô segue viagem, conduzindo Ulisses e um bom punhado de gente, toda amontoada, de pé, em seus vagões.

Voltando à sexta-feira, que é especial para Ulisses, pois é quando ele pode se encontrar com Débora, sua namorada. Por causa de seus estudos e dos dela, só se encontram nos fins de semana. Às vezes, como é o caso de hoje, também às sextas, após a aula, quando têm algum programa para varar a noite.

- Estação Sé! Por favor, queiram desembarcar pelo lado esquerdo do trem. – diz uma voz metálica.

Logo, Ulisses é arrastado pela turba que desce na estação. Ulisses também fica por ali, pois tem ainda que tomar mais dois trens para ir à estação Trianon, seu destino naquele momento.

Finalmente, chega no escritório. O dia é difícil como vinha sendo os anteriores. Tem muitos programas de computador para desenvolver, e como era praxe, o prazo para concluí-los era curto. Mas o Moacir trouxera o ingresso. Seu sábado estava garantido e o ingresso guardadinho em sua carteira. “Ah, corinthianada, podem se preparar! Ano que vem é o Verdão que está de volta!”, e Ulisses ria consigo mesmo.

Logo o expediente acaba. Cata a sua mala e volta aos subterrâneos. Vai agora à estação Tiradentes, para assistir a mais uma aula do curso de Tecnologia da Informação da Faculdade de Tecnologia de São Paulo. Terá pela frente um professor daqueles bem sonolento. Mas não faz mal, até o fim da aula, Ulisses se deliciará com a imaginação do calor do corpo de Débora, da pele dela na sua, da sua língua na dela. Iriam a uma danceteria no bairro do Tatuapé com um outro casal amigos de Débora, logo mais. Mesmo não gostando muito de dançar, estar com sua garota valia a pena...

- Acorda, bicho-preguiça!

É o Renato, seu colega. A aula já acabara e Ulisses pegara no sono. Mal desperta, levanta-se, junta os cadernos e dispara para o metrô novamente. Ainda precisava ir para casa, no bairro da Penha, na periferia de São Paulo, tomar um banho e se arrumar para Débora.

A noite fora maravilhosa, apesar de ter que dançar um pouco. Mas ele beijou Débora muito. E apertou-a também. Ulisses adorava sentir o corpo dela contra o seu. É claro que também houve alguns inconvenientes, como alguns outros moços que passavam cantadas em sua garota. Afinal, é uma bela morena, de corpo bem delineado e de um bumbum polpudinho, do jeito que Ulisses gosta. Mas Débora não deu bola para eles, ela também só tinha olhos para aquele italianinho. Deixou Débora na casa dela após, é claro, de dar aquele beijo de despedida. E então rumou para sua casa. Já estava bem cansado, afinal era sábado de madrugada e Ulisses já era capaz de jurar que escutava sua cama o chamando.

Porém, a alguns quarteirões de sua casa, ele percebe que está sendo seguido por um outro rapaz. Não olha para trás, mas aperta o passo. Logo a frente, nota mais outros dois que, percebendo um sinal feito pelo que estava atrás de si, saltam para cima de Ulisses, jogam-no contra o chão e imobilizam-no.

- Aí boyzinho, é o seguinte, a gente tá na nóia, sacou? A gente vai te rapelar e é melhor não espernear.

A rua estava mal iluminada e como ninguém estava por ali, ninguém testemunhou os três tomarem a jaqueta, os tênis, as calças, a carteira e o celular de Ulisses. Provavelmente iriam trocar tudo por pedras de craque ou por pó de cocaína. Ulisses acabara de ser vítima de mais uma das perversidades que o tráfico de drogas provoca na sociedade. E antes de deixá-lo, um dos três ainda lhe deu um tapão na nuca que o fez inclinar para a frente.

Ulisses corre para sua casa, está só de cuecas e camiseta. Está meio frio e mais o cansaço só o fazem querer chegar em seu quarto, cair na cama e fingir que nada daquilo aconteceu. Além de ser roubado e de ser humilhado, perdera o ingresso para o jogo do Palmeiras, que não iria mais poder assistir, pois já não havia mais outros a serem vendidos. Havia os que estavam nas mãos dos cambistas, mas esses, o seu dinheiro não conseguiria pagar. Nos poucos instantes que passam até sua casa, no entanto, seus pensamentos se voltam para aqueles três. Sente um enorme desejo de vingança e deseja matá-los. Mas logo se deprime, pois sabe que se arruinará com um ato desses, sabe que será uma grande desgraça para sua vida e de sua mãe. Então, sente-se impotente.

Quando em casa chega, encontra sua mãe na sala, ainda acordada. Ela havia percebido que ele chegara e o esperava de pé, na sala. Ela vê o estado em que Ulisses está, mas não diz e nem pergunta nada, apenas abraça seu filho. Viúva a sete anos, seu filho é a única pessoa que tem no mundo, e ela pressentira que algo de ruim aconteceria hoje. A velha intuição de mãe. Mas agora está aliviada. Seu tesouro não lhe fora tomado. Ulisses também abraça sua mãe. E como se, ao abraçá-la, passasse a sentir toda a agonia e pesar que ela havia sentido, começa a chorar, copiosamente.

Crônica escrita em 28/11/2003 para concorrer ao Concurso 450 de São Paulo.

sábado, maio 15, 2004

Consenso de Washington, o governo e as Fatec´s

O caminho para o desenvolvimento do Brasil terá o seu primeiro passo dado apenas quando os interesses dos brasileiros estiverem acima dos interesses estrangeiros. À primeira vista isso parece tão óbvio que chega a ser simplista. Uma frase digna do Conselheiro Acácio. Mas não é. Exatamente porque os interesses nacionais não são prioridade no nosso país.

Qualquer país desenvolvido hoje o é assim porque investe e sempre investiu em Educação. Exemplos: EUA, ex-União Soviética, Reino Unido, França, Japão, Alemanha, Itália, Holanda, Suécia, Canadá. Todos esses países investem maciçamente em Educação. Do Ensino Básico ao Superior. Não é à toa que eles são os detentores da grande maioria das patentes científicas. Porém, no Brasil, na América Latina e nos demais países subdesenvolvidos esta não é a tônica. A educação é tratada como despesa, não como investimento. A ordem é cortar gastos e neste balaio enxugaram com tudo. E o social foi o mais prejudicado.

E por que as políticas do governo são assim? Tão anti-sociais? Um rápido "flashback" esclarecerá tudo.

Ao final dos anos 80, os países periféricos (entre eles, o Brasil) estavam com suas economias em frangalhos por causa de suas dívidas externas. Para resolver a celeuma, o Fundo Monetário Internacional (FMI) e o Banco Mundial determinaram o Consenso de Washington - uma cartilha que, diziam, continha o remédio milagroso para curar todos os males dos povos. A receita do remédio era básica: aumentar a receita e reduzir os gastos. Aumentar receitas com exportações é difícil para um país agrícola como o nosso. Mas para resolver isso, alguns iluminados da nossa classe política decidiram atacar pesado nos gastos, reduzindo-o o máximo que podem.

Desfecho: verbas que deveriam se destinar à Saude, Segurança e Educação desapareceram nesta última década. E para onde foi essa dinheirama? Foi toda para honrar os compromissos com nossos credores internacionais. Lógico. Por que então o FMI e o Banco Mundial se reuniriam em 1989 para discutir a situação das economias dos países subdesenvolvidos? Para garantir que esses credores (entre eles, muitos fundos de pensão norte-americanos) não tomem prejuízo nos investimentos que fizeram em nossos países. Daí a paranóica preocupação com a "Saúde" Fiscal do Brasil da nossa elite.

Portanto, o sucateamento das escolas públicas dos Ensinos Fundamental, Médio e Técnico ao longo dos últimos 6 anos e, agora, a crição desses "miraculosos" projetos para o Ensino Superior que o governo apresenta - e que envolvem as Fatec´s - com a fachada de criar vagas em série, mas que apenas barateiam o ensino e esterilizam com a produção científica do país (lembram quem detém as patentes?), têm explicação: garantir que o americano receba sua pensão privada e garantir que os países desenvolvidos continuem detendo o monopólio do desenvolvimento científico no mundo.

Texto publicado no ano de 2000, num informativo da Faculdade de Tecnologia de São Paulo, sobre a greve realizada pelos alunos em prol do Ensino Tecnológico de qualidade, que estava para ser atacado pelo governo de Mário Covas, então governador do Estado de São Paulo.

Sobre o diário

"O Diário de um Subversivo", a princípio, era um projeto de livro que eu comecei a escrever quando iniciei minha primeira faculdade. Eu o escrevia num formato diário mesmo. Escrevia, não diariamente, mas com uma certa freqüência, meus pensamentos a cerca da minha vida na época e pretendia reuni-los no futuro para finalizar o projeto. Eu me considerava um subversivo (ainda me considero, mas me faço hoje severas críticas) e imaginei que o tempo que passaria estudando nessa faculdade, uma faculdade pública, seria um tempo que se pudesse qualificá-lo de subversivo. Foi, e não foi. O tempo passou, eu me formei, mas não levei adiantei o meu diário subversivo. Não o fiz por motivos externos. Eu cometi a idiotice de compartilhar esses pensamentos com outra pessoa. E ela passou, de maneira quase assertiva, a cobrar que eu escrevesse no diário. Pronto! Tive uma ordem já subvertida! Sendo que sou eu o subversivo, mas fui subvertido. Não consigo escrever sob pressão. É que eu escrevo para me satisfazer, não a ninguém. Se sujeitar a pressões em contextos como, por exemplo, no ambiente profissional, vá lá, faz parte das regras do jogo - as que devem ser subvertidas! - mas se sujeitar a isso em algo que faço para mim mesmo, para o meu ego, para algo que só diz respeito a minha interioridade? Não, não. Parei de escrever. E parei de ser cobrado.

Contudo, o tempo passou, como disse acima. Conclui essa faculdade e já iniciei uma outra. Se meu tempo naquela pode ser considerado subversivo, isso é algo a se verificar. Ainda não parei para pensar nisso. Porém, escrever, para mim, é uma necessidade. Gosto dessa relação proporcionada pelo hábito de escrever: eu-comigo mesmo, e, ora, eu-comigo mesmo com quem for ler o que escrevi para mim mesmo. Adoro provocar reações em meus leitores. Escrevo para mim, saliento, mas não nego a curiosidade que me dá quando penso o que outros pensarão ao ler o que escrevo. Como disse já duas vezes, o tempo passou, e continuei a ter a necessidade de escrever. Por eu preferir o estilo crônica e conto, considerei que o formato "blog" seria ideal para praticar aquela relação proporcionada pelo meu hábito de escrever, a relação com quem for me ler.

Então, resolvi ressuscitar o meu projeto subversivo e cá está esse blog: "O Diário de um Subversivo". Não será diário, pois não será diário. Mas será diário porque terá meus pensamentos. É subversivo, mas poderá não ser, dependendo do desenrolar da minha conduta literária nessa empreitada. Será um caderno onde serão publicadas as minhas rasuras, que serão, devido a meu gosto particular, crônicas. E crônicas sobre diversos assuntos, mas prioritariamente, sobre política, esporte, filosofia e ficção, assuntos da minha predileção.

C'est seulement.

Do "Larrousse Cultural Grande Dicionário da Língua Portuguesa"

DIÁRIO adj. (Do lat. diarium) Que se faz ou sucede todos os dias; cotidiano.

s.m. 1. Caderno ou livro em que se anotam os fatos de cada dia. - 2. Publicação que sai todos os dias, com notícias políticas, científicas, literárias, de lazer, etc. - 3. Livro de orações extraído do breviário, contendo apenas os ofícios do dia. - 4. Livro em que os comerciantes anotam o movimento do dia, lançando o débito e o crédito das transações efetuadas. Diário de bordo, caderno redigido pelo comandante, relatando a viagem que ora realiza. Diário íntimo, registro escrito de acontecimentos pessoais, emoções, sentimentos e reflexões de caráter íntimo.

SUBVERSIVO adj. (Do lat. subversus) Próprio para subverter, para solapar o estado de coisas estabelecido.

SUBVERTER v.t. (Do lat. subvertere) 1. Revolver; voltar de baixo para cima. - 2. Perturbar completamente. -3. Desorganizar, criar confusão. - 4. Revolucionar, resolver. - 5. Destruir, arruinar. - 6. fazer soçobrar. - 7. Perverter, corromper.